A atriz que começou a se destacar em Mad Men segue apontando em suas personagens os desafios da luta feminista e inspirando seu público
Pode ser que a atriz norte-americana Elisabeth Moss não tivesse em mente tornar-se uma espécie de ícone feminista nas séries em que atua. Porém, depois de dar vida a uma sequência relevante de personagens fortes, destemidas e brutalmente atingidas pela estrutura machista em suas histórias, ela não poderia mesmo fugir do posto.
Parte do elenco fixo da série The West Wing durante sete anos — de 1999 a 2006 —, a carreira de Moss ganhou ainda mais notoriedade quando, em 2007, começou a interpretar a obstinada Peggy Olson na premiada série dramática de televisão Mad Men. Além da visibilidade, a produção lhe rendeu um prêmio SAG (Screen Actors Guild) de melhor elenco de série dramática, em 2009 e em 2010. E, antes de encerrar sua participação em Mad Men, já havia emplacado outra personagem de peso: Robin Griffin, em Top of the Lake.
Robin é uma policial que não se deixou desencorajar pelos olhares e atitudes misóginas de praticamente todos os homens que a cercam e que dá um show ao mostrar na prática o lugar que toda mulher deveria ocupar: aquele que ela bem quiser. O papel lhe rendeu nada menos do que um Globo de Ouro.
LEIA TAMBÉM: 10 produções em que a representatividade feminina vai além dos tolos tabus da TV
E essa sequência de atuações em papeis afirmativos tem seu ápice em The Handmaid's Tale, produção original de maior sucesso do serviço de streaming Hulu. É nela que Elisabeth vive sua personagem de mais força: June Osborne, codinome Offred.
Na distopia lançada em abril deste ano e inspirada no livro O Conto de Aia, de Margaret Atwood, a atriz vive seu melhor momento. Emendando uma série na outra, a carreira de Elisabeth Moss conquista (e merece) cada vez mais respeito e ovação da mídia, que a vê mais madura em sua atuação. E ainda inspira mulheres nos quatro cantos do globo a serem cada vez mais livres. Abaixo, confira um pouco de cada uma dessas mulheres de Elisabeth Moss.
June Osborne/Offred
The Handmaid’s Tale é considerada uma das grandes estreias do ano pela crítica internacional e não é para menos: trata-se de uma distopia que se passa após um atentado terrorista que tira a vida do Presidente dos Estados Unidos e de grande parte dos outros políticos eleitos. A partir disso, um grupo religioso toma o poder com o intuito declarado de restaurar a paz e um regime totalitário e teocrático é instaurado. Dessa forma, todos os direitos das mulheres são retalhados e sua única função no mundo passa a ser procriar e manter os níveis demográficos populacionais. Assustador, não é mesmo?
A série fala sobre aquilo que toda mulher tem medo: a perda de sua voz e autonomia sobre sua vida e seu corpo. Ainda que seja uma narrativa baseada num livro escrito em 1985, não tinha como o seriado ser mais oportuno: em meio ao crescimento de discursos fundamentalistas de políticos ao redor do mundo, o tempo é mesmo de medo.
A narrativa impressiona por, através de uma trama relativamente simples, dar conta de um assunto tão complexo. A fotografia é um dos pontos altos e parece ter sido meticulosamente pensada para potencializar as sensações causadas pela história, mas o destaque da série mesmo é a interpretação de Elisabeth Moss, a aia Offred, e demais mulheres próximas à personagem principal.
É Offred quem conta a história, quase nunca de fato falando, já que a grande maioria das palavras que realmente podem sair de sua boca são de cunho religioso. Acompanhamos, então, os pensamentos da personagem e partir deles compreendemos a sua realidade, seus medos e angústias. The Handmaid’s Tale é poderosa, atual e fala sobre resistir ainda que tudo pareça perdido.
Robin Griffin
Top of the Lake é uma daquelas produções que você não ouve muito falar, mas quando alguém toca no assunto a pessoa demonstra tanta paixão pela narrativa que acaba te convencendo a iniciar uma maratona na primeira oportunidade.
Criada e dirigida pela neozelandesa Jane Campion, conhecida por O piano, filme de 1993 que lhe rendeu uma Palma de Ouro no Festival de Cannes, sua narrativa é delicada ao mesmo tempo em que consegue ser assustadoramente brutal. Ao tratar de temas fortes e dolorosos que fazem parte da vida das mulheres e que sempre são pontos de pautas em discussões sobre feminismo — como o estupro, o desencorajamento, o desrespeito e o descrédito sofrido nos mais diferentes ambientes —, a série transforma dor em força.
O desaparecimento de uma menina de 12 anos que está grávida é o arco principal do mistério a ser desvendado pela série e é revoltante ver o tratamento que os policiais envolvidos na investigação dão tanto para o caso, quanto para Griffin. A policial tem suas atitudes questionadas o tempo todo e enfrenta constantemente aquele ar de “você está agindo motivada pela emoção e isso é típico das mulheres”, mas ainda assim ela vai atrás da história e, como já é de se esperar, é a única pessoa realmente capaz (e interessada) a resolver de fato o caso.
Top of the Lake é uma das séries mais feministas entre as produções atuais porque, além de mostrar a batalha travada por uma mulher pelo seu direito à voz e a sua plena capacidade de ir além dos limites impostos pela sociedade, mostra também uma irmandade de mulheres que se unem para sobreviver após diferentes traumas e desgastes emocionais.
Com paisagens de tirar o fôlego, um elenco coeso — liderado, é claro, por Elisabeth Moss — e uma narrativa misteriosa muito bem construída, a série tem o que precisa para não ser apenas um show qualquer, mas sim a história de cotidianas microrrevoluções femininas.
Peggy Olson
Mad Men é uma série que merece todo o respeito que tem. Tendo no time de roteiristas uma porcentagem significativamente feminina, a série retrata de forma nua e crua o universo extremamente machista de uma agência de publicidade nas décadas de 60 e 70. E, ainda que ambientada no passado, sua atualidade impressiona. Neste mundo em que as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens exercendo papeis iguais e em que os cargos de chefia são majoritariamente ocupados por figuras masculinas, Peggy Olson merece ser exaltada por sua coragem e obstinação.
A despeito de toda a estrutura machista em que a personagem se insere, ela sacrifica sua vida pessoal para crescer profissionalmente porque essa é a sua escolha. Uma das frentes do Movimento Feminista é justamente essa: que as mulheres sejam livres para decidirem e para fazerem o que bem entendem de suas vidas.
Peggy é uma mulher que ousou desejar algo e teve que dar tudo de si para conseguir, passando por cima da misoginia, do machismo e do patriarcado. Por vezes foi diminuída, abusada, subjugada e menosprezada, mas venceu cada obstáculo que apareceu em seu caminho com maestria.
Extremamente bem construída e complexa, a personagem sofre inúmeras violações que praticamente todas nós, mulheres, já passamos em alguma esfera da vida. Por isso, não é difícil se identificar, criar uma relação de empatia com ela e torcer mais a cada novo episódio para que ela consiga alcançar seus objetivos.
Créditos
Imagem principal: Divulgação