por Fernanda Paola

Ela faz parte de uma companhia de teatro da qual é a única integrante. Conheça Elisa Ohtake

Ela não se considera nem atriz nem bailarina, apesar de ter ambas as formações; faz parte de uma companhia de teatro da qual é a única integrante; vai casar, mas não morar junto. Conheça Elisa Ohtake

Seu berço poderia ter sido projetado em concreto, cheio de curvas e volumes arrojados. Moderno. Berço digno da filha de Rui Ohtake. Mas, como uma criança criada principalmente pela mãe, a vida de Elisa Ohtake foi permeada de outros valores, além do visual estético, como a literatura e, sobretudo, a coragem feminina. “Eu tenho exemplos de coragem feminina fora do comum, de minha avó e minha mãe. Em relação ao lado pessoal, da mulher que faz as coisas sem precisar de um homem, e artisticamente. As duas eram muito corajosas. Isso é uma das coisas mais valiosas que tenho”, conta Elisa.

Revolução feminina
A artista plástica Tomie Ohtake, avó de Elisa, e Célia Helena, sua mãe, fizeram trabalhos revolucionários, vanguardistas e corajosos. Célia lutou contra a ditadura militar. Tomie foi uma das poucas de sua geração que chegaram a trabalhar fora, mas isso é detalhe. Criada para ser frágil e cuidar de casa, Tomie saiu do Japão com 20 e poucos anos e, hoje, aos 95, é uma das mais respeitadas artistas do mundo, com premiações importantes. Célia Helena, que faleceu quando Elisa tinha 18 anos, era excelente atriz e muito discreta. “Quando eu era pequena, era um inferno, porque minha mãe fazia uma novela na Globo e era parada de cinco em cinco minutos. Mas isso nunca foi uma coisa importante em casa. Ela sempre tratou a profissão dela como outra qualquer, com simplicidade. A maioria das pessoas acha isso grande”, conta ela, que diz sentir falta da mãe em tudo.
Se veio do DNA ou foi por influência, difícil de saber, mas Elisa, hoje com 29 anos, começou a fazer teatro na escola da mãe com 7 anos e por lá ficou até a adolescência. “Minha mãe abriu o Teatro-escola Célia Helena há 30 anos e, pouco tempo depois, ela e minha irmã [a atriz Lígia Cortez, filha de Célia com Raul Cortez] abriram o curso para crianças. E eu fui da primeira turma”, explica.


Elisa com a mãe, a atriz Célia Helena

Catástrofe artística
Elisa deu um tempo no curso de teatro, foi fazer filosofia na USP, retomou o curso de teatro, largou filosofia no terceiro ano e entrou em comunicação das artes do corpo, na PUC. “Tenho o DRT de teatro e diploma de dança. Mas digo que não sou nem atriz nem bailarina. O que faço no palco não é aquilo que tradicionalmente uma atriz ou uma bailarina tentam fazer. No meu último espetáculo trabalhei justamente com o erro em cena. E chamei isso de catástrofe artística”, explica ela.

Elisa é hoje a única integrante da Cia. Vazia, idealizada por ela há quatro anos. A cada montagem (já somam três), a diretora chama diferentes pessoas, entre artistas profissionais e amadores, para participarem. Na última, trabalhou com 20 japoneses de 6 anos de idade, em instalações batizadas de “Fique em silêncio, no escuro com um bando de japonezinhos [sic]” e “Destrambelhe-se com um bando de japonezinhos [sic]”. Mas foi em Falso Espetáculo, peça apresentada no Sesc Avenida Paulista em abril passado, que Elisa trabalhou com o erro em cena: atores tentavam dançar o que não sabiam, atuar cenas em que sentiam dificuldades. A dançarina Sheila Mello foi um deles. “Desconstruímos o axé. A Sheila fazia movimentos impensáveis, bizarros, grotescos e anárquicos no palco. Não é maravilhoso isso? [risos]”, pergunta, entre risos. Durante as duas semanas que esteve em cartaz, a peça teve lotação máxima.

A inspiração de Elisa, que trabalha principalmente com o lúdico em cena, com uma idéia nada conservadora e difícil de segmentar, vem dos livros que devora diariamente, de teóricos como o cineasta Kiarostami até romances: “Fico lendo que nem uma louca”.

Em seu currículo, Elisa tem também cursos de dança contemporânea, flamenca, africana, butô (dança contemporânea japonesa). E, em seus espetáculos, mescla um pouco de tudo que gosta. “No começo foi muito difícil, mesmo vindo de uma família que já tem espaço na mídia. Isso é um problema para o artista. Hoje, eu já recebi várias críticas de pessoas legais da mídia, tenho uma recepção muito boa”, comemora.

Metade japonesa, metade mexicana
Apesar de sua metade paterna ser japonesa, Elisa só foi conhecer a terra de seus ancestrais aos 25 anos. “Como eu sempre vivi com minha mãe, o Japão sempre esteve muito distante da minha vida. Mas essa experiência me abriu para uma coisa que já estava em mim. Foi um enriquecimento fenomenal”, lembra ela, que passou três meses em Tóquio estudando butô.

Hoje, Elisa está prestes a formar sua própria família. Ela, que mora sozinha desde que a mãe faleceu – viveu um tempo com o pai, numa “passagem meio rápida” –, vai continuar sozinha após se casar.  “Vou me casaaar! Não vamos morar juntos, mas vamos nos casar. Encontrei a pessoa de quem mais gosto, sabe? O Alex. Ele é metade mexicano, metade brasileiro. Mas a gente não quer ainda, até ter filho, aquela coisa do cotidiano chato. Mais pra frente a gente mora junto”, explica Elisa, que é, na vida pessoal, contestadora como é na profissão. Deve estar no sangue.

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