Não tem tu, vai tu mesmo

por Filipe Albuquerque
Tpm #87

Morrissey me pagou uma Coca-Cola durante o feriado de Páscoa

Marco Morrissey vai muito bem no papel do eterno líder dos Smiths

 


Eu tenho o celular do Morrissey. Sei onde encontrá-lo em horário comercial, quando não está em um palco dilacerando corações ao cantar sobre uma luz que nunca se apaga ou sobre seus braços em torno de Paris. Sei também que ele frequenta um pub chamado Manchester English. Ele ainda me pagou uma Coca-Cola durante o feriado de Páscoa.


Marco Rimas é Morrissey. Melhor: Marco Morrissey. Estive diante dele por duas horas e vi, entre franzidas de testa e mãos no queixo, o rosto do maior inglês vivo segundo o diário britânico The Guardian. Ele estava ali, do outro lado da mesa, incorporado em um paulistano de 36 anos, cabeleireiro, espírita kardecista, casado com Heloísa, morador da Freguesia do Ó e habitué do pub “britânico” localizado no ABC paulista, tomando prosaicamente um suco de limão.


“Eu não imito o Morrissey, eu o represento”, explica Marco, que só se percebeu a versão brasileira do cantor quando, logo após o lançamento de Vauxhall and I (quarto álbum, de 1994), duas fãs dos Smiths o abordaram histéricas no largo da Matriz, na Freguesia. O álbum foi um upper no queixo. “Quando ouvi [a música] ‘The more you ignore me, the closer I get’, caí no chão e falei: ‘Me enterra com ele!’.” Antes, ele nem se achava parecido com Morrissey. O topete e as costeletas vieram da adolescência rockabilly, garante. “Depois desse dia, percebi que algo havia despertado em mim, mas que já era meu.”


Até então, Marco não era dos maiores adoradores do quarteto de Manchester. “Os fãs dos Smiths que me perdoem, mas na banda a voz do Morrissey parecia uma galinha rouca”, blasfema. Ele só percebeu o ídolo quando o grupo já havia acabado. “Na vida, a gente vem para plantar uma árvore. Nos Smiths, ele plantou uma árvore, e ela cresceu. Na carreira solo, conseguiu plantar outra árvore, que cresceu e está dando frutos”, espiritualiza.


Ele se sentiu Mozz mesmo no dia 3 de abril de 2000, na fila da primeira das duas apresentações do inglês na cidade. A evidente semelhança física garantiu a ele o primeiro lugar na fila. Lá dentro, um segurança amigo até tentou levá-lo ao camarim, mas só conseguiu um espaço na grade que separa o palco da plateia. “Morrissey, te agradeço por este rosto! Me sinto privilegiado”, confidencia, e acrescenta que cedeu o lugar para algumas meninas que não conseguiam ver o palco – “elas mereciam mais do que eu”. E então o convidaram para o camarote. The Smiths Morrissey Cover surgiu meses depois.


Nada mais pitoresco que um Morrissey morador da Freguesia do Ó. Marco é Morrissey nos primeiros anos de carreira solo. A semelhança é assustadora – menos para Heloísa. “Você está me vendo aqui hoje”, diz em referência ao figurino, mais Morrissey, impossível: “Eu tenho este compromisso com ele e com as pessoas que o curtem”.


E o celibato pregado por Morrissey? “Ser celibatário, para mim, é me abster de coisas supérfluas. Então sou um celibatário, mas de coisas infames”, filosofa. No palco, nosso “Morrissinho” assume o ídolo e o serviço impressiona. A luz está mais acesa do que nunca.

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