Conheça o trio de batalhadoras que há 13 anos leva o cinema nacional para todos os cantos do planeta
A fachada do Cine Verdi Park, em Barcelona, exibe letreiros familiares, mas ligeiramente estranhos. Não estão em espanhol, e sim no exótico catalão. A língua de Gaudi é um dos charmes inegáveis da cidade. Desde a última sexta,ela está se misturando um pouco ao português, versão brasileira. Ao menos nas imediações do cinema, no bairro boêmiode Gracia, ponto de encontro de artistas e intelectuais. Pois é lá que está instalado, pela quarta vez, o Cine Fest Brasil, que já faz parte do calendário oficial da capital catalã.
O Cine Fest é talvez o melhor cartão de visitas do cinema brasileiro no mundo, hoje espalhado por nove cidades, entre elas Nova York, Londres, Madri, Buenos Aires, Vancouver e Roma. Tudo isso, graças a um incansável trio de produtoras culturais: as irmãs Adriana Dutra e Cláudia Dutra, e Viviane Spinelli, que fundaram a Infinitto Produções. Amigas desde a adolescência, cada qual com uma formação diferente (cinema, admnistração e arquitetura, nessa ordem) as três viram a ideia de um festival de fimes nacionais para plateias estrangeiras se concretizar primeiro em Miami, em 1996. "Foi a experiência mais forte que a gente teve até hoje", diz Cláudia, com entusiasmada nostalgia. "O festival rolou num cinema ao ar livre pela primeira vez, no formato I-max. Foi incrível, lotou completamente." Viviane lembra que na época, Miami Beach estava em baixa:"só tinha idosos e traficantes". "Eu gosto dessa coisa de pioneirismo.Depois da retomada do art déco na cidade, tudo mudou. O festival ganhou muita força com apoio das autoridadeslocais. E o interesse era enorme. Tanto que hoje tem até dia do cinema brasileiro em Miami - 9 de junho. E também ganhamos a chave da cidade".
Na ocasião, foram exibidos Carlota Joaquina, O Quatrilho, Terra Estrangeira, Como Nascem os Anjos e Pequeno Dicionário Amoroso. Não à toa, filmes da chamada "retomada do cinema nacional". Adriana: "Nossa intenção sempre foi criar visibilidade para os filmes brasileiros entre os estrangeiros, formar plateias, mas também envolvendo produtores, distribuidores, business." Através delas, muitos longas nacionais foram vendidos para exibição em terras gringas - o próprio festival se encarrega disso: o filme mais bem votado pelo público ganha um contrato de exibição no país em que foi apresentado (em Nova York, por exemplo, onde essa entrevista foi feita, no terraço vistoso de um quarto de hotel, o vencedor desse ano foi Lóki, cinebiografia luminosa de Arnaldo Baptista). "Uma das grandes sacadas foi descobrir esse grande mercado cultural - afinal, a cultura é turismo também e o Brasil investe pouco em turismo cultural", adverte Cláudia. No entanto as três reconhecem o apoio do governo brasileiro, através principalmente da Petrobrás, Lei Rouanet, Embratur e Ministério do Exterior.
"A gente busca quebrar o preconceito com o cinema brasileiro através da qualidade e da diversidade. E temos conseguido."
Diversidade e qualidade são as palavras-chave para o trio: "A gente busca quebrar o preconceito com o cinema brasileiro através da qualidade e da diversidade. E temos conseguido.", afirma Adriana. O curioso, dizem as três, é a diferença entre o espectador americano, por exemplo, e o brasileiro que mora no exterior: "O americano", conta Cláudia, "vai de havaianas, camisa da seleção brasileira e bebe caipirinha, achando tudo cool. O brasileiro é sempre um saudosista, nostálgico da terra natal."Um dos americanos que por vezes aparecem para bebericar uma caipirinha é Robert De Niro, morador ilustre de Tribeca e dono do cinema onde o festival é apresentado em Nova York, o Tribeca Cinemas. "Ele dá a maior força pra gente", diz Viviane.
Além da mostra cinematográfica, o festival também traz shows de artistas nacionais, festas e promove debates e workshops, sempre com a participação de atores e diretores dos filmes. "A gente cuida de todos os detalhes", diz Cláudia, com orgulho justificado. Mas a empreitada nunca foi fácil. Como diz Adriana: "No começo muita gente não acreditava que fosse dar certo. A gente tinha de seduzir as pessoas com as ideias, a determinação." A irmã concorda:" Acho que essa coisa nossa bem menina, com vontade guerreira, atraía as pessoas. E homem gosta de ver mulher no poder - ele se rende."
Por sinal, foi um homem muito especial que deu o maior incentivo às "meninas do cinema brasileiro", como são chamadas mundo afora: o membro honorável do clube, José Ruy Dutra, um elegante e simpático senhor, pai de Adriana e Cláudia, presença constante nos festivais, cuja fantástica biografia inclui a fundação da famosa Banda de Ipanema."Meu pai sempre nos incentivou à conquista", diz Adriana, filha coruja.
Tanta batalha e experiência só podia levá-las também para o outro lado do projetor. Viviane dirigiu um belo documentário sobre a Orquestra de Câmera de Mato Grosso; Adriana, por suas vez, foi a diretora de Fumando Espero, um "documentário em primeira pessoa" sobre as dificuldades do tabagismo - a produção foi da irmã Cláudia.
Os próximos passos incluem levar o Festival para Lisboa, Moscou e Istambul. A julgar pela determinação do trio, nada mais próximo de se realizar. Uma bela exceção confirma a regra: Canudos. Desde o ano passado, o Festival passa pela cidade retratada no clássico "Os Sertões". "É nosso xodó", conta Vivi. "Era uma cidade esquecida no mapa cultural. Levamos para lá não apenas o festival, mas também workshops e cursos profissionalizantes, de cultura e computação." É mais uma das coisas que faz com que as três digam, cada qual à su maneira: "Esse trabalho é nosso amor, nossa paixão. Não existem limites para nossos desejos."