Matheus Nachtergaele fala sobre A Festa da Menina Morta, seu primeiro filme como diretor
Georges Bataille nos descreveu em sua obra máxima, O Erotismo, como seres “descontínuos”. A ideia é relativamente simples: a reprodução sexuada gera seres incompletos e solitários, que necessitam de outro para perpetuar a vida. A “continuidade” é apenas obtida no encontro com o outro. Na série humana, complexa ao extremo em sua consciência da morte, em seu horror diante da ideia da morte, a busca pelo “contínuo” é permanente e plural. Por irônico que pareça, O Erotismo é um tratado das religiões. Estamos iludidos de “continuidade” no amor romântico, no gozo extremo dos corpos na cama, é claro, mas também nos estádios de futebol, nas revoluções violentas, na plateia trêmula de Medeia, Édipo Rei e, principalmente, nos cultos religiosos. Estamos unidos diante de Deus, ou da ideia de Deus nos rituais sagrados.
Todos os povos, em todos os tempos, desde a estreia da humanidade, unem-se de algum modo perante o disforme sagrado e oram. Oramos porque morremos. Fazemos amor, amamos, porque morremos. Assim, em A Festa da Menina Morta procurei traçar um retrato íntimo dos vários envolvidos num culto místico. Cada personagem carrega um luto específico, um terror específico perante seu próprio destino, e todos esses “descontínuos”, abismados com suas próprias vidas, prostram-se diante dos farrapos de seus sonhos, simbolizados aqui nos trapos da roupa de uma criança morta. Sem ser talvez por um pouco de ternura a mais do que possa aparentar, A Festa da Menina Morta é mesmo um filme sobre o que acabo de escrever...
*Matheus Nachtergaele, 40, é ator, e A Festa da Menina Morta é seu primeiro filme como diretor. Participou da Companhia Teatro da Vertigem, foi protagonista do filme O Auto da Compadecida (2000) e, mais recentemente, de Baixio das Bestas (2007), entre outros