por Natacha Cortêz

Murilo Martins fala de desamores em uma HQ que resultou de seus próprios tropeços

Desamores, pés na bunda, perdas e corações partidos geralmente fazem parte das histórias que ninguém quer repetir, nem ao mesmo viver pela primeira vez. Ao mesmo tempo, desses infortúnios dolorosos, momentos de intensa produção criativa não são raros. Foi mais ou menos por aí que Murilo Martins, 39, começou com LoveHurts, uma HQ independente, dedicada especialmente ao "amor romântico que não dá certo".

Em janeiro deste ano, o livro recebeu o Prêmio Angelo Agostini como Melhor Lançamento Independente. Em julho, uma versão em inglês foi lançada na San Diego Comic-Con e hoje ela é vendida no mundo todo pela Khepri Comics, loja online especializada em quadrinhos independentes. No mês passado, Murilo esteve em Nova York para o lançamento da HQ também por lá.

Conversamos com o autor sobre sua trajetória com os quadrinhos, que se mistura com a história de LoveHurts, que por sua vez é totalmente influenciada pelos seus próprios tropeços amorosos.

Tpm. Conta pra gente um pouco da sua história com o desenho e como chegou até os quadrinhos?
Murilo. Desenho desde que me lembro. Minha mãe me disse que conseguiu finalmente descansar quando descobriu que me dando papel e caneta, eu ficava quieto por horas. Meus primeiros contatos com quadrinhos foram com a Mônica, como provavelmente 99% da minha geração. E na minha casa tinha uma biblioteca bem bacana, apertadinha mas recheada de livros, com muitos quadrinhos: Asterix (Uderzo/Goscinny), Henfil, Ziraldo, Mafalda (Quino). Eu passava horas por lá, copiava personagens, desenhava os meus. Eu gostava de desenhar personagens de livros também, de imaginar como eles eram. O Rei Arthur, personagens do Julio Verne, a Capitu...
 
Como aconteceu a ideia de fazer a LoveHurts? Existe uma história de rompimentos entre você e sua namorada. É isso mesmo? Aliás, qual é o nome dela? Alessandra. É verdade. A LoveHurts foi sendo inventada ao longo do nosso relacionamento. Tanto que eu brinco na introdução da HQ, eu chamo de LoveHurts, volume 3. Porque a primeira foi na verdade um fanzine que a Ale fez pra mim, quando a gente terminou pela primeira vez, depois de uns dois anos de namoro. Na capa ele tinha "LoveHurts", e no verso "LoveSucks". Era muito legal, tinha umas tirinhas que a gente pensava em fazer (sobre nós, lógico), listas de músicas, textos que ela escreve na pele de um personagem depravado chamado Samantha Fox... Depois do fanzine, eu fiz um certo corpo-mole, mas a gente acabou voltando. Anos mais tarde, a gente estava terminando de novo (dessa vez foi ela), e eu resolvi usar mais ou menos a mesma estratégia.

Além das histórias com a Alessandra, quais as outras inspirações para a criação da HQ? Tudo que acontece comigo, tudo que eu leio e vejo, não só de HQ. Quando eu estava fazendo a LoveHurts, com prazo apertado pra levar pra Rio Comicon, o REM soltou o comunicado de que a banda estava acabando, e na hora comecei a fazer uma história, que acabou sendo a maior do livro. Eu gosto de quadrinhos, eu gosto de música, eu gosto de desenho, de arte, de design, de objetos que são especiais de alguma forma, de histórias, de histórias que se misturam com a vida real, de histórias em que o leitor acaba tendo que pesquisar um pouco pra entender. A LoveHurts é uma tentativa de misturar todas essas coisas que eu gosto. Uma tentativa ainda um pouco tosca, porque estou aprendendo como se faz ao mesmo tempo em que estou produzindo. Tem algumas coisas escondidas ali, alguns personagens, que se você der um Google, vai ter um outro "layer" da história. Tem essa coisa dos ícones de artistas no final, que as pessoas adoram ficar tentando descobrir quem são.

E autores de quadrinhos, ou até mesmo literatura, que te ajudaram a amadurecer a ideia da LoveHurts? Que serviraram de inspiração ou referência. Dos quadrinhos acho que é bem óbvio que sou fã do Chris Ware. Sou muito fã do David Mazzuchelli nos seus trabalhos mais recentes, como o Asterios Polyp. Acho difícil encontrar referências literárias diretas, mas seguramente o que eu li e estava lendo na época influenciou a LoveHurts. Uma coisa que me deu um nó na cabeça há uns anos atrás foi a adaptação que o Mazzuchelli fez pra Cidade de Vidro, um conto do Paul Auster. Eu queria muito fazer uma adaptação, acho que deve ser um trabalho super enriquecedor.

LoveHurts fala de amores infelizes. Dos que não seguem a lógica do "e viveram felizes para sempre". Por que? O que te encanta em também falar de vulnerabilidade?  Fala só dos amores infelizes, né. É, está ali "o amor romântico que não dá certo" Mas tem mais do que isso, tem a dificuldade de se relacionar, e tem esse lance da perda. Todo mundo está fadado a perder algo que ama ao longo da vida. Um cachorro, um carro, um piano, uma banda, o corpo jovem, a saúde, sua avó querida. Esse sentimento, de perder o que você ama, inevitável, que gera dramas, tristezas, dores terríveis, solidão, pra mim esse sentimento é uma das coisas que dá movimento à vida. Porque chega uma hora que você tem que decidir o que fazer pra viver sem aquela coisa/pessoa que era tão importante e necessária, e não está mais ali.

Existem planos para dar continuidade para a LoveHurts? Aconteceu uma coisa engraçada nessa história toda, eu não tinha plano nenhum, depois eu tinha vários, e agora eu tenho só um. Explicando: quando eu lancei a LoveHurts e as pessoas começaram a comprar, e me mandar emails pra dizer "que legal a LoveHurts!", "eu também fiquei triste porque o REM acabou!", "o que é esse coração-quadrado?", fiquei super feliz. Aí eu empolguei, me vieram várias idéias, e eu achava que em um ano eu teria mais uma edição, um vol.4, provavelmente. Mas aí veio a  FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos de BH) em novembro, ganhei um prêmio em janeiro e fiz um mini-fanzine. Essa coisa de ser independente dá muito trabalho, e na época eu tinha ainda o meu trabalho"oficial", numa agência de publicidade. Como se não bastasse, eu queria traduzir a LoveHurts e levar pra San Diego. Achava que dava pra fazer tudo isso e ainda lançar umas 2 HQs até o final do ano! Só que traduzir pra inglês não foi nada fácil, precisei da ajuda de muitos amigos. A maior das complicações foi uma das histórias do livro que é toda pintada à mão, inclusive o texto. Tive que apagar todo o texto original e pintar de novo em inglês. Só isso me tomou quase 1 mês de trabalho. Então ajustei minhas expectativas e quero ter uma HQ nova no primeiro semestre do ano que vem, pra levar pra convenções aqui no Brasil e pra uma no Canadá, se tudo der certo. 

Vai lá: www.facebook.com/lovehurtsHQ / para comprar

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