A iraniana Marjane Satrapi conversou com a Tpm sobre seu novo filme
A iraniana Marjane Satrapi, que ficou famosa com a obra Persépolis, conversou com a Tpm sobre seu novo filme – e também sobre dinheiro e fama
Em seu novo filme, The Gang of the Jotas, a autora e diretora iraniana Marjane Satrapi foge da animação, que a consagrou, e surge pela primeira vez como atriz. Mas não deixa de lado traços marcantes de sua obra – como o gosto pela liberdade e um delicado humor, que conhecemos em Persépolis, quadrinho autobiográfico em que narra o aflorar da própria consciência política sob regime xiita do Irã. Sem nome em português (pelo menos até o fechamento desta edição), o filme é uma das atrações da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que vai de 18 a 31 de outubro, e narra a história de uma mulher que troca de malas com um casal gay no aeroporto. Do encontro para desfazer a troca surge uma amizade com objetivo improvável, que envolve perseguições, assassinatos e uma road trip pela Espanha. De Paris, onde vive hoje, Marjane conversou com a Tpm.
Este é o seu primeiro filme em que você atua como atriz. Sim, e é também o primeiro filme que fiz sem produção. Nós fizemos tudo, foi um trabalho artístico e divertido. Fomos à Espanha por dez dias, sem saber o que íamos filmar, sem roteiro, sem planejamento. Éramos cinco pessoas em um carro, viajando e pensando no que poderia ser. Foi natural, na base do “nossa, que lugar incrível, vamos parar o carro e fazer uma cena aqui”. Eu adoro filmes com assassinatos em série e me pareceu interessante ser essa mulher que dá ordens. Acho fácil dar ordens aos homens, eles nunca me dizem não [risos].
Talvez seja parte do seu charme... Eles me acham louca, ou engraçada, ou que estou brincando, mas sempre acabam me dizendo sim [risos]. Então foi no improviso. Em uma cena em que estou dançando em um posto de gasolina, por exemplo, nada foi planejado. Estávamos parados no posto, porque eu precisava esticar as pernas, a música estava alta, e comecei a dançar. Depois ligamos para o artista para pedir os direitos da música para usar no filme. No final da viagem, tínhamos o material, não sabia se seria um curta ou um longa.
Só no final da viagem vocês decidiram como editar? Sim. E fizemos com total liberdade. Muita gente até me perguntou “por que fazer isso?”. Eu não me levo tão a sério, acho que ninguém deve se levar. Apenas fazer o que tiver vontade. Acabei de dirigir um filme em Hollywood que está em pós-produção [The Voices, previsto para 2014] e sinto que, após fazer grandes projetos por um tempo, devo fazer algo para limpar meu sangue, recuperar o meu mojo. A total liberdade de criação é a única coisa que importa. Se não temos liberdade, para tudo na vida, nada importa.
Como foi trabalhar com atores, em vez de personagens desenhados por você? Quando desenho um personagem tenho um milhão de possibilidades, as produções geralmente são longas e posso criar o que eu quiser, tenho total controle da situação. Dirigir um ator é diferente, mas, ao mesmo tempo, se o ator é bom ele pode criar situações que o diretor nunca imaginaria, o que também é um processo interessante.
O que mudou no seu processo criativo e na sua vida desde que ficou famosa com Persépolis (lançada originalmente em quadrinhos e transformada em filme)? Ficar famosa foi algo com que me acostumei. Não me olho no espelho e me vejo famosa. Quando fui nomeada ao Oscar [em 2007] foi engraçado: você se sente o deus do universo, mas acaba sendo frustrante, já que aquilo se transforma no fim da liberdade. Onde eu ia tinha um monte de gente, fazendo tudo o que eu quisesse. Quando cheguei em casa depois daquilo tudo fiquei com vontade de lavar os lençóis, cuidar de mim mesma.
Como é seu dia a dia em Paris? Tenho uma vida tranquila. Quando não estou num grande projeto, gosto de ir ao cinema, sair para jantar. Realmente vivo com pouco. Costumo dizer que US$ 1.000 seriam suficientes para viver em qualquer lugar do mundo. Não gosto de joias ou roupas caras...
Mas no filme você está sempre usando uma bolsa Chanel... É falsa [risos]! Paguei 10 euros em um mercado em Istambul! É linda mesmo, não é? Gosto de coisas bonitas, mas não concordo em pagar mais de 3 mil euros numa bolsa. Em geral, nos levam a acreditar que precisamos ter muito para ser felizes, mas a felicidade é muito mais um estado mental. Há muito mais na vida a fazer, como sentar num parque, dar risada. Uma boa gargalhada é muito importante, assim como os amigos. A vida é muito curta para passar tempo com quem a gente não gosta.
Vai lá: www.37.mostra.org