A escritora Cherry Cheva fala de como é ser roteirista do seriado Uma Família da Pesada
Cherry Chevapravatdumrong. Com um nome desses, é fácil entender por que a norte-americana com ascendência tailandesa resolveu adotar o codinome Cherry Cheva. Depois de se formar em psicologia na prestigiada universidade americana Yale e de fazer direito na New York University Law School, Cherry largou tudo e foi para Los Angeles para se tornar roteirista. Pouco tempo depois, Cheva entrou para o time de roteiristas do seriado animado Uma Família da Pesada.
Polêmica, a série fala sobre todos os assuntos imagináveis sem se preocupar com o politicamente correto. Retratando uma família de classe média com um pai que beira a estupidez, um bebê e um cachorro falantes, muita acidez e musicais de vez em quando, foi exibida pela primeira vez em 1999 e cancelada no ano seguinte. Com um enorme movimento de fãs, voltou ao ar em 2001 para uma terceira temporada, que novamente saiu do ar. A movimentação dos telespectadores foi ainda maior e com mais de cem mil assinaturas na internet, o programa reestreou e está garantido até 2012. Mesmo assim, capítulos como o que discutem o aborto ainda incomodam: a Fox, canal que detém o seriado, resolveu não exibir o episódio na televisão.
Cherry entrou no time de escritores do seriado quando o programa voltou ao ar para a quarta temporada. Foi a única roteirista mulher do grupo até muito pouco tempo atrás – mas nunca sentiu diferença em relação a isso. No episódio sobre aborto, por exemplo, revela: "Não tive uma participação especial no roteiro por ser mulher, não". Com a chegada de uma nova mulher depois de anos escrevendo com 18 roteiristas homens, não se intimida: "É muito bom que agora tenha mais uma menina por perto para podermos apreciar os sapatos uma da outra!", brinca – mas confessa que continua sem perceber essas diferenças na hora de escrever.
Conversamos com a autora sobre como é fazer parte de um seriado tão polêmico, sapatos, Twitter e seu primeiro livro solo, Ela só Pensa em Dinheiro (288 páginas, ed. Galera Record), lançado recentemente no Brasil.
Você se formou em psicologia e direito. O que te fez decidir ser escritora? Como sua família reagiu a essa decisão?
Eu sempre gostei de escrever – escrevo contos desde pequena –, mas, sendo realista, achava que nunca iria ganhar a vida com isso. Só comecei a pensar na possibilidade no fim da faculdade, e era uma ideia bem remota, tanto que resolvi estudar Direito. Meus pais provavelmente ficaram chocados quando decidi que não ia fazer o exame da Ordem, e sim me mudar para Los Angeles para ser assistente: a filha deles usando a formação acadêmica para atender a telefones e levar café para as pessoas! Mas acho que chegou a um ponto em que se resignaram com a ideia de que eu não iria ser advogada e começaram a ser legais a respeito.
Como você entrou para a equipe de roteiristas de Uma Família da Pesada?
Foi uma junção de fatores. Eu já estava escrevendo roteiros, além de trabalhar como assistente de escritores. E como já tinha feito outros trabalhos como assistente e o curso CBS Writers Mentoring Program [programa de inserção de roteiristas na indústria norte-americana] conheci pessoas que já tinham trabalhado no seriado antes de ser cancelado. Então, quando decidiram revivê-lo, um dos produtores executivos lembrou de mim e me ligou.
E como é ser a única mulher da equipe?
De última hora as coisas mudaram e não sou mais a única! Mas foi só eu por alguns anos. Na verdade eu não acho que faça muita diferença. Eu mal percebia que era só eu antes, e agora também não percebo que há duas de nós num escritório com 17, 18 caras. Não nos tratam diferentemente nem nada. Dito isso, é muito bom que agora tenha mais uma menina por perto para podermos apreciar os sapatos uma da outra!
O seriado tem muitas piadas, muito nonsense e fala dos mais variados assuntos. De onde você tira ideias?
De qualquer lugar! Da vida, eu acho. Você pode fazer piadas de praticamente tudo se realmente quiser. E, com tantos escritores, todo mundo traz uma experiência diferente e ideias aleatórias diferentes todos os dias.
Recentemente, o seriado fez um episódio sobre aborto, mas a Fox estava com medo de passá-lo e optou por não fazê-lo. Vocês não se intimidam em falar de temas considerados polêmicos. Como é a decisão de falar sobre esses temas? Você teve alguma participação maior no roteiro sobre aborto?
O episódio sobre aborto vai ser lançado em DVD e provavelmente será passado em outros canais de televisão. Eu não tive uma participação especial no roteiro por ser mulher, não. Nós escrevemos do mesmo jeito que escrevemos todos os outros episódios, só que tínhamos certeza de que seria mais polêmico. Mas não imaginamos o quanto, até a Fox decidir que não iria televisioná-lo.
Vocês já tiveram reclamações de alguma celebridade que foi alvo de piadas no programa?
Olha, eu nem sei dizer. Acho que algumas celebridades até ligam para o escritório se veem alguma piada de que não gostam, mas até onde eu sei, isso é bem raro. A maioria das pessoas leva na esportiva.
Seu primeiro livro, Ela só Pensa em Dinheiro, foi lançado recentemente no Brasil. Como foi a experiência de escrever seu primeiro livro? O que te inspirou a escrevê-lo?
Foi uma experiência fantástica! Foi muito interessante fazer algo basicamente sozinha (ainda que trabalhasse com meus editores, claro), encarando uma tela de computador, em vez de ter uma equipe colaborativa enorme, como a maioria das coisas escritas para a TV. A história foi inspirada em minha vida no Michigan. Meus país têm um restaurante tailandês lá. Diferente da história, que se passa no colegial, eu só comecei a ser garçonete depois, na faculdade, mas o restaurante serviu de pano de fundo para a história. O resto é pura ficção.
Você acha que o humor pode ser usado de forma política?
Eu acho que, às vezes, o programa fica bem político. Já fizemos episódios tateando todo tipo de assunto, como o já mencionado sobre aborto, ou o episódio sobre a legalização da maconha. Sobre se o humor pode ou não ser usado de forma política, com certeza pode, e é ótimo que possamos influenciar alguém de forma positiva, mas, por outro lado, também é apenas um seriado de TV. Nós tentamos lembrar as pessoas disso quando elas começam a ficar muito agitadas sobre o que falamos.
Como é um dia comum da sua vida?
Geralmente todos aparecemos no escritório do programa e depois, dependendo do trabalho do dia, dividimos histórias, que é quando sentamos e tentamos decidir como vai ser o formato geral de um episódio, ou trabalhamos em reescrever um roteiro. Isso quer dizer, basicamente, que reescrevemos cenas com um monte de escritores juntos. Mas também pode acontecer de quatro ou cinco roteiristas trabalharem em salas separadas, tentando escrever alternativas para uma mesma frase ou piada. Quando eu também estou trabalhando com alguma coisa sobre meu livro, tento fazê-la no fim do dia, quando chego em casa, mas muitas vezes isso acaba ficando para os fins de semana.
Algumas pessoas tendem a achar que mulheres não têm senso de humor. Você diria alguma coisa para elas?
Não, porque, se elas acham isso, nem se quer me ouviriam.
Você costuma ver programas de televisão?
Atualmente estou obcecada por So You Think You Can Dance. Também vejo Project Runway, Saturday Night Live, Amazing Race, Gossip Girl, os diversos reality shows de donas de casa. E vario entre programas de comida porque os pratos ficam incríveis em alta definição. Devo estar esquecendo vários programas. Eu amo TV!
Você está no Myspace, no Facebook e no Twitter. O que você acha dessas redes sociais?
Eu só dou uma olhadinha nelas, mas estou tentando olhar mais. Acho que são definitivamente divertidas e podem ser muito úteis. Estou contente o suficiente com meu blog no Myspace para entrar em um outro sistema de blogs mais elegante. Só que meu maior problema é que me sinto meio estranha em contar para as pessoas o que estou fazendo o tempo todo, então quase nunca atualizo meu status no Facebook e só recentemente me senti motivada para entrar no Twitter. Provavelmente vou fazer parte da escola "aqui vai um pensamento aleatório" de twittar, em oposição àquela escola do "olha o que estou fazendo neste exato momento". Vamos ver o que acontece!
E no seu Myspace você faz uma piada dizendo que, por ser baixinha, a maioria de seus sapatos é bem alta. Você tem alguma dica para pessoas que não conseguem usar salto?
Meu saltos preferidos são de plataforma, porque são altos mas fáceis de andar. Recomendaria para quem ainda não tem experiência em andar de salto. Mas não teria nenhum outro conselho ou segredo de beleza. A única maquiagem que uso sempre é o gloss. E protetor solar é sempre uma boa ideia.
Quais são seus próximos planos?
Mais Família da Pesada! E também estou lançando outro livro aqui nos Estados Unidos, chamado DupliKate. É sobre uma garota que descobre que tem uma irmã gêmea gerada por computadores!