Hollywood vai à praia

por Flora Paul

Em entrevista exclusiva ao site da Tpm, o diretor Heitor Dhalia fala sobre seu próximo filme, À Deriva

Em entrevista exclusiva ao site da Tpm, o diretor Heitor Dhalia fala sobre seu próximo filme, À Deriva, expectativas e planos internacionais

A última vez que a Tpm entrevistou Heitor Dhalia, em fevereiro de 2007, o diretor estava no auge do sucesso, com seu segundo longa-metragem, O Cheiro do Ralo (2006). E Heitor queria mais: ele queria Hollywood. Agora, quase dois anos depois, o cineasta carioca está cada vez mais próximo de seu sonho. Seu novo filme, À Deriva, está em fase de finalização e foi feito com o apoio da Universal Pictures, que vai distribuir o filme mundialmente. Com um elenco estrelado, que conta com Debora Bloch, o ator francês Vicent Cassel (de Doze Homens e um Segredo) e a norte-americana Camille Belle (de 10.000 a.C.), o filme narra a separação de um casal que mora em uma cidade praiana, uma história bem semelhante com a infância do próprio Heitor. O diretor falou ao site da Tpm sobre as semelhanças de À Deriva com sua vida pessoal, as expectativas depois do sucesso de O Cheiro do Ralo, a falta de público do cinema brasileiro, a proximidade de Hollywood e seus próximos projetos.

A imprensa tem falado do filme À Deriva como se ele fosse autobiográfico. Ele é?
Não é um filme biográfico, mas é um filme pessoal. Na verdade, ele apresenta um período da minha vida, mas não é uma história real, e ao mesmo tempo é, só que ficcionada. Contém elementos pessoais, realmente biográficos, mas não é uma autobiografia.

Qual a diferença entre À Deriva e seus outros filmes (Nina, de 2004, e Cheiro do Ralo, de 2006)?
Primeiro, é um filme mais pessoal. De alguma maneira é um filme mais autoral, também, porque trata de coisas muito próximas a mim mesmo. Então, tem uma marca de autor mais forte, mais a respeito do que eu sei, e é um filme mais maduro, do ponto de vista mesmo da realização técnica, da mise-en scène [a composição da cena], de tudo. E mais delicado, mais emocionante, tem uma sensibilidade diferente da dos outros filmes.

É mais dramático?
É mais dramático, mas de um jeito que ele respeita uma dramaturgia. Tem uma porção dramática bem elaborada, mas não exagera nisso, é um dramático bom, sabe? Não pesa a mão. Um drama, mas um drama bonito.

Além de Debora Bloch, o elenco do filme conta com o ator Vicent Cassel e Camille Belle. Como foi a escolha desses atores?
Escolhi o Vincent porque não conseguia encontrar nenhum ator, aqui no Brasil, que tivesse as características desse personagem, que é um escritor estrangeiro. Vi o Vincent falando português na televisão, totalmente por acaso, e foi incrível, porque sou superfã do cara há muito tempo. Então, mandei o roteiro para ele. Depois de quase um ano de negociação ele topou. Aí só faltava uma coisa: ele gostar de mim! Marcamos um almoço, bateu o santo na hora e foi bem legal. Foi uma experiência sensacional. A Debora é uma atriz incrível, sensacional, e acho que esse é um dos melhores papéis que ela fez no cinema. Fazia tempo que ela não fazia um filme assim; e é um personagem muito heróico, muito bacana mesmo, ela mandou muito bem. E a Camille é uma querida, uma fofa, ela é filha de brasileiros, mora em Los Angeles, e como esse filme se passa em Búzios, que é um lugar bem internacional, vi que tinha a ver. Ela trouxe um mistério para o filme, fez uma abordagem da personagem que seria difícil achar aqui. Foi ótimo, um prazer.

A personagem da Debora é inspirada em sua mãe?
[Risos]
Não. É um pouco da minha mãe, um pouco do meu pai, um pouco de todo mundo. Por exemplo, ela parece fisicamente com a mãe de uma primeira namorada que eu tive, tanto que chamei a Debora porque é parecida com ela. O filme tem a ver com coisas que eu vivi na minha infância, pois passei minha infância na praia, e meus pais se separaram também nesse período. É uma leitura, mas é uma leitura transfigurada, tem um filtro da ficção.

Depois do sucesso de Cheiro do Ralo, como ficam as expectativas para esse novo filme?
Olha, as expectativas sempre são altas. Depois que faz um filme de sucesso, você fica na tensão. Mas isso durou até filmar. Depois que filmei, pensei, como sempre, que estou fazendo um filme que quero fazer, antes de mais nada. Se isso interessar mais ou menos às pessoas é um segundo quesito. Depois que o À Deriva ficou pronto percebi que é um filme ainda mais poderoso, nesse sentido de comunicação. Porque todo mundo que viu o filme amou, um monte de gente chorou, ele tem uma veia irônica, mas é um filme que emociona. E só vai melhorar, porque o filme está sendo finalizado, né? Então, acho que À Deriva vai dar muita alegria, mais ainda que o Cheiro. E é um filme que vai ter uma distribuição internacional, ele é da Universal, vai circular pelo mundo, vai ser exibido em vários países, acho que vai ter uma projeção bem maior.

Você disse à Tpm, em fevereiro de 2007, que queria chegar a Hollywood. Com o vínculo com a Universal, você acha que está chegando mais perto?
Olha, vou te falar que eu estou com um pé lá, viu? Porque eu rodo meu primeiro filme em inglês no ano que vem. Estou esquentando, acho que é uma questão de tempo para pintar um filme americano para fazer. Mas estou conseguido co-produzir cinema internacional. Tem um projeto que vou fazer fora, que é meu, mas que a co-produção vai se desenvolver em alguns países e será rodado em inglês. O esquema já rolou e talvez eu filme no ano que vem. Estou bem feliz com isso, batalhando, trabalhando para isso acontecer, me esforçando bastante, e está rolando. Os caminhos já estão feitos.

É o mesmo filme que você comentou, com a Trip, sobre guerra?
Não, mas esse está rolando também. Esse projeto novo é uma história de amor que vai se passar na Argentina, um filme meio noir, sobre relacionamentos. Sai de um país como Estados Unidos ou Inglaterra e passa por Buenos Aires e pela Patagônia. E tem outros projetos rolando como esse filme sobre guerra. São vários caminhos e vamos ver o que acontece. Mas a gente está bem encaminhado. O filme se chamará A girl and a gun, que é uma frase do Godard que dizia que para fazer um filme você só precisa de uma mulher e de uma arma.

Você fez o curta Conceição, em 1999, e depois passou para os longas, com Nina, em 2004. Qual a maior diferença entre as duas técnicas?
Foi bem rápido, passagem relâmpago, um curta e um longa logo em seguida. Com o curta você pode experimentar mais coisas. Mas acho que cada vez mais o curta também é um espaço bom para você tentar a dramaturgia. No longa você tem possibilidade real de construir uma história dramática, um movimento clássico, igual ao teatro, à literatura. Você pode fundamentar um personagem, construir uma trajetória, conflitos... No longa tem mais espaço para apresentar tudo isso de um jeito mais significativo. No curta tem que desenvolver rápido, é mais como um conto, enquanto o longa seria um romance. Mas também tem muito conto que dá filme, né?

O cinema brasileiro está com força, produções grandes, repercussão lá fora, mas continua tendo menos espaço do que as produções estrangeiras nas salas de cinemas nacionais. O que falta para reverter o quadro? Tem solução?
Olha, eu acho que tem uma porção de coisas que realmente são necessárias para que isso aconteça, e a primeira, e fundamental, é a melhoria na qualidade dos filmes. É claro que tem vários mecanismos que são falhos, e não dá para competir com cinema mais industrial, esquema de grana, distribuição, produção. Mas tem outra coisa que é o seguinte, as pessoas têm que gostar do filme, tem que ser um filme que as pessoas queiram ver. Não adianta você fazer o filme que quer fazer, não pensar em que veria e depois querer que as pessoas vejam. O Cheiro do Ralo, por exemplo, que foi um filme totalmente independente, feito com R$ 300 mil, de alguma maneira achou um público, um público grande ainda. Foi um filme muito visto no cinema, em DVD, eu tenho muito retorno do filme até hoje. Pergunto: por que foi visto? Porque tinha alguma coisa que as pessoas queriam ver ali. Acho importante fazer alguma coisa que as pessoas queiram ver, senão vira um monólogo, não um diálogo. A gente peca muito nisso. Você pega Shakeaspeare, que era o cara mais autoral de todos, gênio da literatura, e um cara totalmente encenável, montável, lido à exaustão até hoje. Dá um Google no Hamlet pra ver quantos milhões de sites você vai encontrar. O cara era um gênio e autor. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Tem autores que realmente são escritos para poucos, mas uma coisa não é inimiga da outra. Quando você se torna um autor mais maduro, faz aquilo que quer fazer e encontra um retorno das pessoas. Isso é a maturidade do autor, achar um público e estabelecer diálogo.

- Leia o perfil com a atriz Debora Bloch na Tpm #82

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