Gregorio Duvivier

por Layse Moraes

O criador, roteirista e ator do Porta dos Fundos conversou com a gente sobre ’Ligue os pontos - poemas de amor e big bang’, seu novo livro de poesia

O criador, roteirista e ator do Porta dos fundos conversou com a gente sobre Ligue os pontos - poemas de amor e big bang, seu novo livro de poesia

Além de ser um dos criadores, roteiristas e atores do Porta dos Fundos, Gregorio Duviviver também é poeta. E não é poeta mediano, não. Muito pelo contrário. A partir de hoje eu juro que a vida vai ser agora, seu primeiro livro, recebeu elogios de pessoas como Ferreira Gullar, Millôr Fernandes e Heloísa Buarque de Hollanda. Seu segundo livro, o recém-lançado Ligue os pontos - poemas de amor e big bang, tem tudo para ir pelo mesmo caminho.

Gregorio não consegue imaginar a literatura sem humor. E não podia ser diferente. Em seus poemas, o humor vem junto com o lirismo e sua poesia mais faz sorrir do que rir. Dividido em duas partes, “Cartografia afetiva” e “Aprender a gostar muito”, Ligue os pontos é um livro maduro e mostra um poeta de língua afiada e olhos atentos à grandeza das coisas pequenas do cotidiano: “A poesia pra mim tem que fazer parte da vida, e a vida tem que fazer parte da poesia, senão não serve pra nada”, diz Gregorio.

Nas páginas do livro, transitamos pelas ruas do Rio de Janeiro, cidade onde Gregorio nasceu. Passamos pela rua Mena Barreto, onde uma avó que nunca teve netos anda por uma feira em que todos carregam tristezas dentro de sacolas de plástico. Caminhamos pelos bairros e caímos em um mercado em que todos os corredores atestam a impossibilidade do encontro: “Se o leite desnatado por acaso caísse/ da sua mão no chão da seção de laticínios/ bastava para eu perguntar seu nome e fazer / alguma piada envolvendo a expressão chorar / pelo leite derramado e nós dois teríamos / uma longa-vida eu e você mas você já está / no setor de limpeza [...]”. E seguimos para dar de cara com dos mais belos poemas do livro:

ligue os pontos

enquanto você dormia liguei
os pontos sardentos das suas
costas na esperança de que
a caneta esferográfica revelasse
a imagem de algum ser mitológico
de nome proparoxítono o mapa
detalhado de algum tesouro
submerso formasse quem sabe
alguma constelação ruiva oculta
na epiderme e me deparei
com o contorno de um polígono
arbitrário que não me fornecia
metáforas não apontava direções
simplesmente dizia: você está aqui.

Quando a leitura termina, duas constatações: 1- há um grande poeta por aí. 2 - é fácil amar esse livro, que faz o leitor ser cúmplice desde o título.

Conversamos com Gregorio sobre Ligue os pontos - poemas de amor e big bang, influências, humor e literatura, e concordamos com ele: “só a poesia salva (mentira: o humor também)”.

Você fez Letras, certo? A escolha pelo curso se deu por conta da literatura? Em que momento a escrita surgiu? Conta um pouco sobre isso. Sempre gostei muito de escrever. Desde pequeno que escrevo, antes mesmo de escrever. Preenchia folhas e folhas com rabiscos que pareciam o eletrocardiograma de alguém com uma saúde péssima. Na hora de escolher a faculdade, eu já era ator e já vivia disso, mas queria expandir um pouco os horizontes. Escolhi voltar à paixão de infância. E foi aí que eu voltei a escrever. Minha letra não melhorou muito.

Como foi o processo de criação e a seleção dos poemas de Ligue os pontos - poemas de amor e big bang? Você escreveu os poemas já pensando em juntá-los num livro? Eu escrevi os poemas nos últimos cinco anos: desde que publiquei o meu primeiro livro até mês passado. Já pensava em publicar um segundo livro mas não tinha a menor pressa. A Clarice botou uma pressão e o pessoal da Companhia das Letras adorou a ideia. Passei um mês com eles escolhendo os preferidos e agrupando em temas.

Seus textos têm muito ritmo e parecem ser muito bem pensados, mas não de forma a perder a espontaneidade - muito pelo contrário. Como nasce um poema seu? Em geral tenho uma ideia na rua e anoto num caderno. Chegando e casa reescrevo a ideia num arquivo do word, em geral mudando tudo. Depois passa um tempo e eu reescrevo de novo. Isso às vezes acontece umas cinco ou seis vezes e na sexta vez já não tem nada a ver com a ideia do caderno. O objetivo de reescrever muitas vezes é aproximar o máximo possível da linguagem falada. Gosto muito da poesia oral, que parece uma conversa e não gosto nada daquela literatura pomposa, que fala difícil. A poesia pra mim tem que fazer parte da vida, e a vida tem que fazer parte da poesia, senão não serve pra nada.

Quais são as diferenças entre escrever poemas, colunas para jornal e textos de humor? O texto de humor da Porta dos Fundos tem que ser hilário. Não tem espaço, ali, pra algo que seja só um arroubo poético ou uma posição política: tem espaço pros dois, desde que apresentados de forma hilária. Tem que vencer por nocaute. Na coluna da Folha, posso me expressar sem a obrigatoriedade do hilário. Na poesia, mais ainda. Nos três textos, tem humor, porque não consigo fugir dele. Mas enquanto no primeiro, o humor é o objetivo maior, nos dois outros, ele é um acidente de percurso.

Em que ponto o humor e a literatura se encontram pra você? Não consigo imaginar uma literatura sem humor. O humor é a melhor maneira de dizer algo que surta efeito. Sem humor, a literatura vira panfleto político ou bula de remédio. Meus autores preferidos são muito engraçados: Machado de Assis, Tchecov, Cervantes, Eça de Queiroz, Vinicius de Moraes. Isso sem falar nos autores-humoristas, muitas vezes subestimados por serem hilários: Sérgio Porto, Millôr Fernandes, David Sedaris. A melhor literatura é aquela que ri do mundo e de si mesma. Não gosto dos autores que se levam muito a sério e que escrevem tratados sem humor ou estilo, ou que apenas experimentam a linguagem sem cortejar o leitor. Gosto da literatura puxa o leitor pelo colarinho e não deixa ele ir embora. E o humor é a melhor maneira de fazer isso.

 

"O humor é a melhor maneira de dizer algo que surta efeito. Sem humor, a literatura vira panfleto político ou bula de remédio"


Dá pra notar que você é muito bom em saber onde a palavra deve estar para causar o impacto que você quer que cause. São escritas exatas, que dão voltas mas ao mesmo tempo são diretas, que atingem o leitor e já apontam pra onde querem chegar desde o princípio. Você acha que é por aí mesmo? Acha que o humor ajuda nessa parte, nessa coisa de perceber o tempo e as pausas necessárias para o efeito ser o desejado? Humor é timing, pra usar um termo do teatro pra designar o tempo cômico ideal. Comédia tem muito a ver com música, porque só existe dentro do tempo. Uma piada só faz rir se for contada no tempo certo, com a pausa certa. Acho que "escrever engraçado" tem a ver com isso: pensar no tempo da leitura.

O que você tem lido no momento? Falando em literatura engraçada, li o livro Cadê você, Bernadette?, presente da Companhia das Letras. E morri de rir. É um romance mas com perfeito domínio da escrita cômica.

Quais são os livros/escritores que te influenciam como poeta? Gosto muito dos poetas engraçados. Pessoa é um deles, especialmente o ortônimo. Dentre os portugueses, também gosto muito da Adília Lopes. A geração marginal dos anos 70 influenciou muito a minha: Chacal, Cacaso, Chico Alvim, Geraldinho Carneiro, Carlito Azevedo. Minha geração também influencia muito a si própria: adoro ler minhas contemporâneas Bruna Beber e Alice Sant'Anna. Na faculdade, fui muito influenciado pelo meu professor Paulo Henriques Britto, que além de poeta brilhante me apresentou a maravilhosa poesia americana, de Walt Whitman a Frank O'Hara. A ligação com a oralidade e com uma linguagem despojada desses poetas me influenciou muito também.

Em 2008 você publicou o livro de poemas A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora e foi muito elogiado, inclusive por Ferreira Gullar e Millôr Fernandes. Agora o Ligue os pontos, também de poemas. Você pensa em transitar por outros gêneros literários? Sim, pretendo publicar uma coletânea das crônicas da Folha. E quero muito, um dia, escrever um romance. Mas me falta fôlego. Ainda.

Em entrevista ao Ornitorrinco, você disse que faz humor inicialmente pra suprir uma carência, mas que a coisa toda passa muito mais pelo afeto. Nessa mesma linha, por que você escreve poesia? Escrevo poesia porque ajuda a viver. Todo poema é uma tentativa de entender a vida. O bom poema explica o mundo, para o leitor e para mim mesmo. Só a poesia salva (mentira: o humor também).

Vai lá: Ligue os pontos - poemas de amor e big bang (Companhia das Letras), R$ 29,50

(*) Layse Moraes é uma jornalista apaixonada por livros e mantém o blog Coração Nonsense

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