O Fashion Revolution, que questiona o real impacto da produção de moda, prepara índice de transparência de 20 marcas brasileiras
Você sabe quem fez as suas roupas? É isso que o Fashion Revolution questiona. A inciativa, criada por um conselho global de líderes da indústria da moda sustentável, nasceu após a maior tragédia na indústria têxtil da história. Em abril de 2013, o Rana Plaza, um prédio em Bangladesh que abrigava diversas confecções que produziam peças para grandes marcas ocidentais desabou, evidenciando um lado cruel de como a moda é feita. O Rana era uma das chamadas "fábricas de suor", conhecidas pela mão de obra barata. No desastre, na capital Daca, morreram mais de mil trabalhadores, a maioria mulheres, e outros 2.500 ficaram feridos.
No dia 24 de abril de 2014, um ano após a catástrofe, acontecia o primeiro Fashion Revolution Day, com o intuito de fomentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu real impacto social e ambiental. Durante esse dia, as pessoas postam fotos nas redes sociais com peças do avesso e a etiqueta #quemfezminhasroupas (#whomademyclothes) à mostra.
A campanha global ganhou adeptos como a britânica Stella McCartney, uma das estilista mais engajadas por uma moda sustentável. E o movimento só cresce: em 2016, o day virou week no Brasil. Neste ano, a semana Fashion Revolution realizou 700 ações como exibição de filmes, debates e oficinas em várias cidades do país.
"É preciso perceber que os recursos são escassos e limitados, o planeta está passando por mudanças climáticas. A roupa envolve diversas etapas de produção para chegar até nós", diz Fernanda Simon, coordenadora do Fashion Revolution Brasil. Desde a colheita do algodão até o produto final, passando pela confecção da peça, o processo pode envolver países em lados opostos do globo, como China e Brasil, provocando custos ambientais.
Fernanda sabia exatamente a origem das peças que estava vestindo em nossa conversa, desde o tênis à carteira, passando pelo vestido, a bolsa e a jaqueta (única peça que comprou em 2015), todas de marcas éticas.
Transparência
Se o Fashion Revolution nasceu como uma campanha, hoje é uma ONG presente em mais de 90 países. Além de realizar eventos e ações, disponibiliza anualmente um Índice de Transparência da Moda. No de 2017, foram avaliadas cem das maiores marcas e revendedoras globais com foco na divulgação pública de informação sobre a cadeia de suprimentos. Os quesitos foram política e compromisso, governança, auditorias, reparação e rastreabilidade.
Entre essas marcas, havia duas brasileiras: Renner e Pernambucanas. As duas tiveram sua melhor nota no quesito política e compromisso, entre 41 a 50% e 21 a 30%, respectivamente (o índice estabelece faixas, ao invés de números exatos). E a menor nota em rastreabilidade: 0 a 10% para as duas companhias. Em outubro, será lançada a versão nacional do ranking. "Estamos desenvolvendo um índice de transparência da moda no Brasil que vai avaliar as 20 maiores marcas nacionais", conta Fernanda.
Com o índice de transparência poderemos acompanhar como as marcas se portam por aqui, já que o Brasil produz 5,4 bilhões de peças ao ano, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Com faturamento de US$ 45 bilhões em 2017, o país é o quarto maior produtor de malhas (roupas) do mundo, gerando 1,4 milhão de empregos — 75% da mão de obra é composta por mulheres.
"O consumidor ficou mal costumado, hoje a gente produz um tanto de roupa que não condiz com as necessidades reais de um ser humano nem com a capacidade de produção do planeta", diz Fernanda. Estima-se que 80 bilhões de peças são produzidas anualmente. Isso fica explícito no faturamento: o mercado global de vestuário está avaliado em US$ 3 trilhões e representa 2% do PIB mundial, de acordo com dados do Fashion United. Por outro lado, os trabalhadores das fábricas de suor, como as de Bangladesh, ganham em média US$ 3 por dia e estão entre os mais baixos salários pagos a trabalhadores têxteis no mundo.
LEIA TAMBÉM: O slow fashion de Pedro Andrade
Moda descartável
A partir do final dos anos 90, com a produção globalizada, as mercadorias foram terceirizadas para economias de baixo custo, onde as leis trabalhistas são brandas e os salários, baixos. Isso criou o fast fashion, uma cadeia de produção que mudou a forma como as roupas são vendidas e consumidas, baseadas em preços atraentes e peças com pouca durabilidade. "Esse modelo de negócio nunca vai ser sustentável. Mas como já existe, deve começar a criar menos impacto", diz Fernanda.
Iniciativas como o Fashion Revolution colaboram para a crescente consciência do impacto da moda no mundo. "É necessário comprar menos. Existem alternativas: refaça sua roupa, use formas de customização, de troca. São várias opções para que você não tenha que comprar uma roupa nova. Tudo isso passa por essa conscientização", diz Fernanda.
O movimento ainda provoca uma reflexão sobre a responsabilidade no consumo: "É importante que a gente entenda que o consumidor é um agente de mudança. Quando compramos, estamos beneficiando uma marca. Então, que a gente entenda esse nosso poder comprando de marcas éticas. Se tem uma marca que gostamos e não sabemos a procedência do produto, temos que exigir uma transparência maior. Pergunte: 'Quem fez minhas roupas?'".