Há muito mais entre o amor e o ciúme do que uma simples traição...
Catherine Millet gostava de se entregar aos homens. Teve muitos, principalmente em grupos, com a conivência de seu marido. Ela publicou sua experiência num best-seller chamado: A Vida Sexual de Catherine M., em 2001. Já o esperado sucessor desse relato picante foi surpreendente: chama-se Dia de Sofrimento (no Brasil, só em 2009) e narra as dores que sentia, consumida pela angústia da descoberta dos encontros do marido com suas sucessivas amantes. Não se trata de hipocrisia da parte dela nem de cegueira relativa a seus próprios atos, ela acredita que “assumir uma sexualidade muito livre não nos impede de cair na armadilha assustadora do ciúme e não nos protege de antemão contra a dor que a acompanha”.
O ciúme, como bem o prova Catherine, não tem nada a ver com atos nem fatos, faz parte do amor, é fruto das nossas inseguranças mais triviais. Num ataque de ciúme, ficamos obcecados, privados do controle, porque quem dirige a cena é o desespero. A vida perde completamente o sentido, só nos interessa saber se aquilo aconteceu, com quem, quantas vezes, onde. Quanto mais nos aproximamos da mórbida descrição da cena trágica, mais nos movemos em sua direção.
O amor que nos é dedicado faz parte das nossas posses e cuidamos dele como da própria pele! Por isso, se o perdemos, só nos ocorre que ele está nas mãos de outra pessoa, não pode simplesmente desaparecer. Na imagem daquela pessoa que seria o novo alvo desse amor, que antes era nosso, buscaremos nos mirar. O que ela tem que eu não tenho?
Objeto de desejo
Mas não é só disso que se nutre essa possessão: a fidelidade não é isenta de tentações, estas se traduzem em fantasias, sonhos eróticos, não necessariamente em atos. Freud explicava que a falta de intimidade com essas tentações, quando não estamos dispostos a admiti-las, produz o aspecto projetivo do ciúme. São esses pensamentos que se amontoam na porta – quando não é admitida sua entrada – que produzem o ciúme projetado, onde os próprios desejos são atribuídos, quer como feitos ou fantasias, ao companheiro. É ele que leva as culpas dos desejos que não admitimos sentir. Desconfie do ciumento: é ele quem está de olho na cerca!
Há ainda outro elemento que compõe o estado de espírito que nos leva a vasculhar bolsos, celulares, e-mails, Orkuts, a travar diálogos detetivescos com amigos. É uma parte mais difícil de explicar: o aspecto homossexual do ciúme entre os heterossexuais. As insistentes indagações na verdade são em torno da pessoa com quem estaríamos sendo traídos, pois ela nos fascina, ela é o objeto de desejo. É como ela que quero ser quando crescer! Sempre brinco com aquele a quem amo a respeito disso, pois nunca coincidimos em nossos interesses: as mulheres de quem eu fico ciumenta nunca são aquelas que ele acha atraentes, são as que interessam a mim! É nelas que vejo a mulher de verdade que nunca saberei ser e é nele que projeto minha admiração e meu desejo por elas. Como se vê, há muito mais entre o amor e o ciúme do que uma simples traição...