Encontramos a atriz e o pequeno Otto, aos 7 meses, para conversar sobre a montanha-russa que é a maternidade
A madrugada do dia 14 de março de 2016 foi a mais intensa, dolorida e gratificante da vida de Sophie Charlotte. Essa história começa no domingo pela manhã, dia 13, quando Sophie sentiu as primeiras contrações. Seriam apenas contrações de encaixe? Ela não tinha como saber e precisaria esperar. Um pouco apreensiva, chamou o marido, o ator Daniel Oliveira, e disse a ele o que estava acontecendo em seu corpo. Os dois sabiam que se aquelas fossem as contrações que antecipam o parto haveria muito a ser feito no domingo, e uma das coisas mais urgentes seria sair para comprar um protetor de colchão. Parto domiciliar tem dessas coisas: se você não proteger bem o colchão acabará tendo que jogá-lo fora.
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Sophie sempre quis ser mãe, mas, como toda a mulher hoje em dia, estava em dúvida se faria isso mais para frente, depois de estabelecer carreira mais sólida, ou se faria logo (ela tem 27 e o marido, 39) e então correria atrás da carreira. Uma das frequentes escolhas de uma mulher – a terceira alternativa, “não ter filhos”, nem lhe passava nas ventas. “Foi ficando cada vez mais difícil para a mulher escolher o momento em que vai fazer isso”, disse ela quando nos encontramos no apartamento em que mora com Daniel na Barra da Tijuca. “Existe um momento certo? Antes da carreira? Quando já tiver alcançado o lugar que queria?”, questiona antes de ela mesmo responder. “Sem falar que todo mundo se mete, todo mundo acha que sabe quando é o momento certo para você, só que eu acho que isso não existe.”
Havia, entretanto, outra escolha que ela precisaria fazer: onde e como ter o filho. Sophie desejava que seu filho nascesse de parto normal, embora a palavra aqui esteja sendo mal-empregada, já que a norma no Brasil é a cesariana. São três vezes mais cesáreas do que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). No índice geral, 52% dos partos são cesáreas; no SUS, 43%, e na rede privada, 88%.
Por isso, quando soube que estava grávida começou a ler tudo o que podia sobre partos até entender que queria que seu filho nascesse em casa. “Tenho muito cuidado com esse assunto porque quem escolhe o parto humanizado natural é vítima de preconceito, e o parto domiciliar, ainda mais.”
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Sophie fala baixo e escolhe as palavras com cuidado, característica daqueles que são alfabetizados em duas línguas e sabem como as palavras têm importância; no caso dela as línguas são o alemão e o português porque Sophie nasceu em Hamburgo, e lá viveu 8 anos. “Sobre a escolha do parto preciso dizer que me sentia tão bem grávida, tão disposta... Acho que foi a primeira vez que me senti mulher, dona do meu nariz, com uma vida crescendo dentro de mim. Então pensei: ‘Eu consigo fazer isso [parir naturalmente], e acho que consigo fazer isso na minha casa’. E nesse momento, que é absolutamente particular e fisiológico, estar em casa foi genial para mim.”
Sophie conversou com Daniel e os dois decidiram juntos que Otto nasceria em casa. No sábado, 12 de março, pouco antes de dormir Daniel se debruçou sobre a barriga da mulher e disse baixinho: “Filho, pode vir. Vem para esse mundo que tá legal aqui”. E foi nessa madrugada que as contrações começaram.
A enfermeira obstétrica Heloísa Lessa foi então chamada para ajudar a dar à luz seu 790º bebê. “A Heloísa foi importante porque ela de cara me disse que o parto natural não era nada cor-de-rosa e me pediu para não idealizar. Hoje sei que são equipes maravilhosas essas que lutam pelo parto mais humanizado possível, e isso não inclui apenas o domiciliar, mas também os partos em hospitais, então uma mídia negativa disso é ruim para a causa. Por tudo isso tive que convencer a Heloísa a fazer o meu, e ela topou.”
“Existe um momento certo [para ter filhos]? Antes da carreira? Quando já tiver alcançado o lugar que queria?”
Sophie Charlotte
Quando entendeu que a escolha por ter seu filho em casa era a mais polêmica que já tinha tomado na vida, e que seria julgada por ela, Sophie pensou que isso não era justo: “Eu era apenas uma mulher querendo parir. Só isso”. Antes de tomar a decisão ela pesou todos os fatores, como ser uma mulher ainda bastante jovem, ter passado muito bem pelo pré-natal, a saúde do bebê, morar perto de um hospital. “Claro que coisas ruins podem acontecer até mesmo em um hospital, mas depois de ponderar muito tomei minha decisão, e me senti bem com ela.”
Em média um parto natural e humanizado leva cerca de 12 horas, ao contrário dos 40 minutos de uma cesária, e Sophie se preparou psicologicamente para a travessia que deveria ser noite adentro. Ou assim imaginou.
No fim de tarde do domingo, enquanto Daniel levava seus dois filhos mais velhos – Raul e Moisés – para a casa da mãe, a atriz Vanessa Giácomo, e comprava o protetor de colchão, Sophie tomava um longo banho e esperava Heloísa e Sabrina, as duas enfermeiras obstétricas que fariam o parto, chegarem. Por volta das 9 da noite a jornada de Otto e Sophie teve início.
O parto humanizado não prevê o uso de anestesia e conta com a inteligência do corpo para dar o alívio que a mulher precisa. “É como correr uma maratona; uma hora a endorfina bate e tudo fica mais fácil.” Ou menos difícil.
“Fiz contato com a divindade, com a existência plena”
Sophie Charlotte
Nas horas de maior dor, Sophie olhava para Daniel e esperava que dele saíssem as palavras que ela queria escutar, que eram: “Está tudo bem”. E eles seguiram nesse dueto, com as batidas do coração da mãe e do bebê sendo monitoradas a todo o instante. Nas horas mais calmas, ela conseguia ir até o banheiro e tomar um banho. “Eu voltava e o Daniel tocava violão e a gente cantava.”
Lições do Universo
Para Sophie, o ato de parir natural é o de entrar em contato com alguma coisa maior em você. “Não sei se vou experimentar isso em outra circunstância na vida. É um momento em que você expurga todos os seus medos, coloca em prática toda a sua fé e potencializa o seu corpo. É uma experiência de expansão da consciência.”
Às 8h43 do dia 14, Otto apareceu. “Foi um momento de prazer físico, emocional e espiritual absoluto. Ele veio direto para o meu peito, sem cortar o cordão umbilical, e eu me lembro de gritar sem parar: ‘Sim! Sim! Sim! Meu filho!’. Porque a verdade é que gente faz questão de separar tudo o que é sexual da maternidade, e não é bem assim. Tudo ali é um ato sexual: veio disso, passa pelo seu sexo para nascer, tem um prazer enorme envolvido... Os meus seios, aliás, ganharam todo um outro sentido. Eu nunca tive peito grande e quando desceu o leite, aquela fartura, eu falei: ‘Uau, que supermulher’. É tudo muito legal.”
Otto foi então colocado sobre o ventre da mãe, onde ficou por alguns segundos até chorar. “Aos poucos ele foi parando de chorar e foi abrindo os olhos, e então me olhou. Nessa hora ele achou o meu peito sozinho, porque você não bota o bebê no peito, ele vai sozinho, e de repente ele encaixou a boca e sugou. Meu filho estava mamando.”
Quando o cordão finalmente parou de pulsar, Daniel separou mãe e filho. “Foi uma noite na qual fiz contato com a divindade, com a existência plena, com a beleza que é uma mulher ter um filho. Parir é muito poderoso e ao mesmo tempo a maior lição de humildade do Universo.”
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Logo depois do nascimento de Otto, Daniel ligou para a mãe e para os sogros e disse: “Vocês querem vir conhecer o seu neto?”. Em poucos minutos estavam todos dentro do apartamento, Raul e Moisés inclusive, celebrando a chegada de Otto. No dia seguinte chegaram a mãe e a avó de Daniel, que moram em Minas Gerais. “Elas chegaram trazendo uma galinha caipira enorme e anunciando que fariam a sopa da mulher parida para mim”, lembra Sophie, rindo mundo. “Foi a melhor sopa que já tomei na vida.”
Em seguida Sophie experimentou a primeira queda nessa montanharussa da maternidade. “Nos dez primeiros dias eu paniquei e não tenho vergonha de dizer isso. Me deu um baita frio na barriga. Eu pensava: ‘E agora? É isso: eu sou mãe e é definitivo’.” Uma estranha paranoia fez com que ela só saísse à rua com o bebê com o rosto coberto. “As pessoas estavam tentando ver ele, mas ele era uma coisa tão íntima minha, que saiu de dentro de mim... Era quase invasivo. Mas ele mesmo foi me ensinando a me abrir para as coisas e para a vida. Sorrir para estranhos, sorrir para a vida. O resultado é que agora eu converso com todo mundo em qualquer fila”, diz.
Sophie chegou ao Brasil em 1997 bastante contrariada. Tinha 8 anos. Filha de um cabeleireiro paraense e de uma bióloga alemã, acabou vindo morar aqui porque o avô materno, velejador, queria explorar águas brasileiras. Mas na época ela tinha sido escolhida como a primeira bailarina de Bela Adormecida em Hamburgo, e com a mudança teve que abrir mão do papel. Foi o primeiro grande trauma da vida. “Eu tive muita dificuldade de aceitar a mudança. Mas uma das belezas da maternidade é que imediatamente depois de ter um filho você entende e perdoa seus pais por tudo. Você saca que eles são apenas humanos e fazem as coisas tentando acertar.”
“Agora você deixou de ser um ponto e passou a ser uma linha no tempo-espaço”
Sophie Charlotte
No Brasil, Sophie foi fazer balé no Municipal, se formou em clássico, jazz e sapateado e acabou escalada para o Sítio do Picapau Amarelo em 2006. No ano seguinte ganhou fama atuando em Malhação e hoje, estabelecendo um equilíbrio entre cinema, teatro e TV, se prepara para lançar dois filmes (Barata Ribeiro 716, de Domingos de Oliveira, e Tamo junto, de Matheus Souza) e fazer a próxima novela das 11h, Jogo da memória, que começa a ser exibida em abril de 2017.
Hoje a mãe de Sophie, apaixonada pelo Brasil, diz que só vai à Alemanha com a passagem de volta na bolsa. Para que Otto fale as duas línguas, Sophie, a avó de 92 anos e a mãe só falam entre si em alemão.
No apartamento da Barra, onde nos encontramos para esta entrevista, Sophie passou boa parte do tempo amamentando Otto, que depois sorria e dormia. De vez em quando os gatos Dorival Caymmi e Miles Davis faziam uma aparição especial enquanto o weimaraner Sidarta, que Sophie se arrepende de não ter chamado de Buda porque isso indicaria algum tipo de iluminação, tentava um protagonismo que nunca foi dado porque ele possui tamanhos cavalares e queria lamber a cabeça de Otto.
Enquanto Sidarta causava, e Cremilda, a empregada, e Iria, a babá, tentavam colocá-lo para fora, Sophie ria e pedia desculpas. Não resta dúvida que a maternidade caiu muito bem a ela. Sete meses depois de parir, o corpo de Sophie perdeu os quilos que ganhou na gravidez, a paranoia dos primeiros meses ficou para trás e mãe e filho encontraram um ritmo tranquilo de seguir por este período tão fundamental do desenvolvimento de uma criança. Pouco antes de nos despedirmos ela me falou: “Sobre essa experiência maluca que é ser mãe, quem me disse a coisa mais bonita foi o Domingos [de Oliveira]: ‘Agora você deixou de ser um ponto e passou a ser uma linha no tempo-espaço’”.
Créditos
Imagem principal: Mariana Maltoni
Coordernador de produção: Alex Bezerra Tratamento: Walter Moreno/ Factory Retouch Agradecimento: barauna.com.br Assistente de fotografia: Eduardo Malta e Chrystian Henrique Assistente de moda: Diego Cunha, Carol Donato e Marcia Jorge Assistente de beleza: Otávio Gabriel