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Jout Jout, BFF da geral

por Lia Bock
Tpm #163

De pijama, de toalha ou com a louça por lavar aparecendo ali atrás, Júlia Tolezano entra semanalmente na vida de mais de 750 mil seguidores. A seguir, o que há por trás da melhor amiga de todo mundo

De pijama, de toalha ou com a louça por lavar aparecendo ali atrás, Júlia Tolezano entra semanalmente na vida de mais de 750 mil seguidores. Com intimidade, vai versando sobre angústias e aflições que todo mundo tem. Sua capacidade de abordar com leveza até os assuntos mais cabeludos a transformaram na melhor amiga de muita gente e em uma influenciadora digital de alto calibre. A seguir, o que há por trás do jeitinho Jout Jout de ser.

Única menina entre quatro irmãos, Júlia desfilava seus cachinhos pelas ruas de Niterói e se acomodava plena como a princesinha da casa. Não podia falar palavrão e tinha a mãe chiquérrima como inspiração. Dona de um salão de beleza, Marize a faria Cinderela assim que ela quisesse. Acontece que esse dia nunca chegou. Júlia renegou a hidratação, as unhas postiças e o sapatinho de cristal, pegou de crédito os palavrões que nunca tinha dito, emprestou a câmera do namorado e se jogou no mundo virtual. Determinada, ligou a câmera e... não disse nada. Em Expressão máxima do desconforto, primeiro vídeo de seu canal, Jout Jout, Prazer, Júlia faz um jogo de cena e passa 2 minutos se ajeitando para começar um vídeo que nunca começa. Hoje, do alto de mais de 80 milhões de views, esse primeiro vídeo soa absolutamente genial porque apenas introduz, sem palavras, o jeitinho Jout Jout que alguns vídeos adiante conquistaria o Brasil. Era dia 12 de maio de 2014.

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Dez dias depois, um novo vídeo. Dessa vez Júlia fala. Na verdade, reclama. Discorre sobre como as calcinhas deformam o corpo em vez de moldar. Tira uma a uma as peças do armário e arranca gargalhadas de quem já se viu estrangulada por uma tanga. Para o desespero dos pais, que num primeiro momento estranharam ver a filha falando suas intimidades na internet, o canal logo caiu nas graças da mulherada, havia tempos ávida por um humor inteligente e de mulher pra mulher.

Dois anos depois de estrear no YouTube, Júlia Tolezano, 25 anos, é hoje a voz de uma geração que quer, sim, os seus direitos, pero sin perder la ternura jamás. E o que significa isso, Jout Jout? (Para usar uma frase que costura muitos de seus vídeos.) “Falo das coisas de um jeito engraçadinho. Gosto de dar leveza mesmo a assuntos mais tensos”, explica. E, assim, ela se tornou a melhor amiga de um mundaréu de jovens que não conhece e é seguida como mentora e musa inspiradora. Abraços e lágrimas invadem seu caminho de casa até a padaria. Selfies invadem suas festas e, claro, cobranças invadem sua caixa de mensagem. Como é de costume na web, há sempre quem siga querendo mais. “Acho que essa frustração das pessoas vem porque acham o alcance tão incrível e pensam logo em ‘seja mais, faça mais’. Mas, cara, quero ser do jeito que eu sou, por favor, deixa?!”

Foi com esse jeitinho que Júlia conquistou 750 mil inscritos (e subindo) no canal e virou embaixadora do YouTube  para conclamar mulheres a seguirem o caminho dos vídeos na internet. No projeto, fez entrevistas com youtubers brasileiras, deu palestra e se encontrou com representantes de outros países. É também com esse jeitinho que Julia lançará em maio seu primeiro livro. Todo mundo tá mal (Cia. das Letras) reúne suas “melhores” angústias em textos espirituosos.

Júlia tem total consciência de que há uma horda de seguidoras do outro lado da tela e se policia sobre o que fala. Evoca a Glória Pires e manda “não posso opinar” sempre que um assunto foge a seu domínio. Política e drogas são alguns dos pontos que ela preferiu deixar de fora da conversa com a Tpm, por exemplo. Mas com o país pegando fogo lá fora – era 12 de março, véspera de manifestação pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff –, ela promete se atualizar no que se refere a Brasília. “Não pra fazer um vídeo, mas para me informar como cidadã mesmo”, emenda.

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Júlia tem a pressa e o desapego dos jovens da geração Y, assiste a temporadas inteiras de séries em um único dia, não pensa em comprar um apartamento e não tem planos para o futuro do canal. Abusando da juventude, ela assume que, por causa de uma festa, dormiu apenas 3 horas antes do compromisso de dia inteiro em que ia fotografar, gravar e dar a entrevista para a revista a 439 quilômetros de casa. Todavia, não perdeu o bom humor nem distribuiu estrelismo. Dançou Maroon 5 e Christina Aguilera, cochilou no sofá, folheou a Playboy da Nanda Costa e comemorou o Snapchat comedido da equipe de vídeo: “Qualquer lugar em que você vá agora, a pessoa abre a porta e já liga o Snap na sua cara. E você lá pensando, ‘Pô, só vim comer uma pizza com os amigos’”.

Com vocês, a princesinha que abandonou o reino e ganhou a coroa de rainha da web.

Tpm. Você sempre teve este jeitinho Jout Jout de ser? Desde pequena? 
Júlia Tolezano. Eu sempre fui assim do jeito que sou hoje. Digamos que eu não era oradora de turma, mas era o tipo legal de passar o recreio junto. As pes-soas sempre me encontram na rua e falam: “Meu Deus, é igual nos vídeos!”. Ficam surpresas porque todo mundo acha que tem um personagem. Nem sempre é assim. Aquela sou eu.

Porque era legal passar o recreio com você? Eu era muito legal, então todo mundo era meu amigo. Soa arrogante isso “eu era muito legal”, né? A gente não tá acostumado a falar bem da gente mesmo. Fica achando que é ruim, mas é bom gostar de si. Eu era a melhor amiga de todo mundo. Os meninos não queriam ser meus namorados, mas queriam ser meus amigos [risos]. Eu era meio esquisitinha.

Esquisitinha como? Quando entrei na puberdade, meu queixo parou de crescer e meu cabelo virou uma coisa sem definição, aí comecei a alisar, que foi a pior ideia que tive na minha vida. Pra piorar, amarrava sempre num rabo baixo simplesmente horrível, péssimo. Sério, eu não me ajudava nunca. Mas eu era divertida, engraçadinha, e as pessoas gostavam de mim. Só que vivia pra pensar: “Quero um namorado. Todo mundo namora menos eu”. Meu foco era nisso…

Quantos anos você tinha quando teve o tão sonhado primeiro namorado? Tinha 15, quase 16.

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Nem é tão tarde. É mais uma auto-imagem de ninguém-quer-namorar-comigo do que uma realidade. Ah… Mas na nossa galera, todo mundo começou a namorar e eu não. Para mim, na época, era um drama sem fim.

Foi nesta idade que você descobriu o sexo? Foi aí que perdi a virgindade, mas o sexo eu já tinha descoberto antes. Desde cedo eu me tocava, sabia que tinha algo gostosinho de mexer ali embaixo [risos].

Sua mãe tem um salão de beleza. Na  adolescência você não vivia lá se emperiquitando? Na verdade não. Nunca dei prejuízo pro salão. As pessoas sempre falam: “Gente, se a minha mãe tivesse um salão...”. Eu vou só quando tenho que cortar o cabelo e às vezes faço a unha, mas é raro. O salão é maravilhoso e as pessoas são ótimas, divertidas, não é um suplício pra mim. Só que, sei lá, tenho outras coisas mais urgentes... tipo ver séries.

O que a sua mãe acha disso? Ela é o oposto de mim, toda arrumada, linda. Sempre diz: “Júlia, bota um brinco!”.

Ela sempre foi dona de salão? Não. Minha mãe já foi muitas coisas. Ela é geração Y nesse sentido, superempreendedorinha. Ela já foi analista de sistemas, já vendeu brinquedos, puxadores… Salão ela tem há uns dez anos. Só que agora ela tem um salão maravilhoso. É grande, chiquérrimo, supersofisticado, tem tudo a ver com ela.

Você acha que esse seu jeito desencanado começou um pouco como provocação pra sua mãe sofisticada? Acho que não. Até porque estou virando minha mãe aos poucos. Uso todas as roupas dela. Mas por enquanto fico só nas básicas. A calça de oncinha eu nunca uso, mas eu sei que vai chegar o dia em que eu vou usar, sabe? E  falo igualzinho a ela… A gente renega um pouco, mas depois acaba virando aquilo. É incrível. Mas, olha, apesar de ser chiquérrima, sofisticada e toda dentro dos padrões, minha mãe sempre me deu muita liberdade. Nunca me podou ou me aconselhou a não ir vestida de ratinho pra escola, por exemplo. Eu queria, eu ia.

Ser desencanada acabou virando uma marca nos vídeos. Sim, mas foi supersem querer. Preciso gravar o vídeo na hora que a ideia vem e se eu for parar pra me ajeitar toda não vai sair vídeo nenhum. Caio, meu namorado, gosta de dizer que eu pago de foda-se. Mas eu não pago de foda-se, eu realmente sou aquilo ali. E não é uma coisa planejada, não faço um estilo bagunçada pra criar empatia. Se o tema vem e estou de pijama, o vídeo é com pijama mesmo.

“Não é que eu odeie me arrumar e não tenha vaidade nenhuma. faço minhas maquiagenzinhas singelas e, quando quero, me arrumo”

Mas você se “ajeita toda” de vez em quando? Claro! Às vezes eu me ajeito até pro vídeo. Não é que eu odeie me arrumar e não tenha vaidade nenhuma. Eu faço minhas maquiagenzinhas singelas e, quando quero me arrumar, me arrumo. Tem dia que você quer sair com saltão e tem dia que você quer ficar de moletom o dia inteiro. Eu apenas respeito essas minhas vontades. Nunca boto um saltão quando quero ficar de moletom, mas coloco saltão quando quero saltão. Isso é um superprivilégio, claro, porque nem sempre você quer se arrumar toda, mas às vezes você precisa porque trabalha num lugar que pede isso. Eu me agarro nesse privilégio com unhas e dentes, uso ele até o fim.

E fala do seu pai, ele faz o quê? Desencalha barcos, desencalha navios, plataformas. Encalhou um navio na costa brasileira? Chama meu pai que ele vai te dar uma solução. Ele trabalha pra uma empresa holandesa.

E você tem irmãos? Tenho três. Tem um mais novo, Paulo Manoel, de 15 anos, e dois mais velhos, só por parte de pai, o João, de 35, e o Pedro, de 38.

“Por um tempo fui bem princesinha, era toda dócil, cheia de cachinho e falava 'nhe- nhe-nhem'”

Você é a única mulher. É a princesinha? Por um tempo eu fui bem princesinha, era toda dócil, cheia de cachinho e falava “nhe-nhe-nhem”. Mas fui crescendo e fui ficando mais bronca. Vi que não tinha nada disso.

O que sua família achou do canal no começo? Apoiaram você? No início, minha mãe achava que eu estava me expondo demais. Porque eu falava de xereca e ela ficava “eita, tá tenso isso aqui”. E daí eu dizia que era melhor ela não ver. Mas ela foi se acostumando e hoje tem o maior orgulho, e meu pai também.

Quando você era pequena, para ser famoso e influenciar as pessoas era preciso passar pela televisão. Como você vê essa mudança em que hoje todo mundo pode falar pra uma multidão, passar suas ideias e ficar famoso? A reação das pessoas mostra o quanto isso é diferente. Se você encontra o
Reynaldo Gianecchini na rua, não vai falar com ele, talvez, em alguns casos, mas você meio que resmunga o nome dele, cutuca alguém do lado e pronto. Já o youtuber é aquela pessoa que tá ali com você no dia a dia. Existe um laço supersinistro porque não é um personagem, sou eu falando minhas experiências e elas são parecidas com as suas porque somos mesmo muito parecidos. Por isso, as pessoas têm uma liberdade, uma intimidade muito maior com a galera da internet. Não tem essa coisa inalcançável de uma estrela da Globo. Não sou uma entidade. Youtuber é gente como a gente. Você sabe o nome do cachorro, o nome da mãe, você conhece os parentes todos, você sabe o que deixa aquela pessoa insegura… E do Reynaldo Gianecchini você sabe o quê? O signo talvez… Isso é muito louco também em propaganda. As agências estão acostumadas a colocar um ator que vai fazer um personagem e às vezes, quando chamam um youtuber, querem que o sujeito diga uma fala pronta. Não é por aí.

Come esse presunto e diz: “Esse presunto está ótimo!”. É. Você fez um vídeo falando que você é judeu e não come presunto. E aí eles falam: “Queria que você falasse que gosta de presunto”. E você tem que dizer: “Mano, eu não posso atuar”. É uma linha fina porque não é um ator – por mais que seja um ator ou uma atriz que também é youtuber –, quando você está na internet tem várias opiniões e precisa seguir seus princípios.

Como você seleciona seus parceiros ou merchans? Sou bem cri-cri, é uma dificuldade. Digo não pra 90% dos que me procuram. Fico só com os muito esquisitos e que têm a ver comigo. Tipo spray neutralizador de odor de cocô [risos]. Tem que ser muito honesto, porque você não sabe qual a pasta de dente que o ator usa, mas a do youtuber você sabe porque ele fez um vídeo que passou pelo banheiro... As pessoas têm muito mais contato com a nossa vida pessoal.

A gente vê milhares de pessoas que celebram você e do outro lado gente que lhe cobra ser mais ativista. Você sente uma pressão? Tem isso... Desde o início o canal sempre foi muito eu sendo eu. Falo das coisas de um jeito leve e engraçadinho. Gosto de dar leveza mesmo a assuntos mais tensos. Acho que essa frustração das pessoas vem porque acham o espaço tão bom, o alcance tão incrível e pensam logo em “seja mais, faça mais”, sabe? Mas, cara, quero ser do jeito que eu sou, por favor, deixa?!

“Muita gente cobra que eu seja mais agressiva, só que não sou assim, não tem como fingir pra cumprir com as expectativas”

E parece que está funcionando… Entende? Desse jeito leve eu acabo chegando até em mais gente. Por exemplo, com o feminismo, falo de um jeito leve e com ele acabo atingindo meninas que talvez com uma abordagem mais agressiva não me assistiriam. E falo de um jeito que a pessoa vai entrando em contato com os princípios e vai pensando: “Ah, eu concordo com isso aí”. Tem muita menina de 13 anos que fala: “Jout Jout, tô concordando com você, achei interessante o que você falou”, e são meninas que antes diziam não querer falar de feminismo. Muita gente cobra que eu seja mais agressiva, só que eu não sou assim, não tem como fingir pra fazer uma propaganda e também não tem como fingir pra cumprir com as expectativas.

“Nunca falei: “vou fazer um canal para empoderar mulheres e rapazes”, foi virando isso sem querer”

Essas expectativas já chegaram a pesar pra você? Já foi um sofrimento, sim. No início a ideia era conseguir colocar vídeos no ar, sem chorar muito. Isso deu certo. Mas, com o tempo, o canal passou a ficar mais comunitário e as pessoas começaram a cobrar uma posição a respeito de tudo. Só que nem sempre tenho um posicionamento bem formado e, como eu influencio muita gente, é bom ter muita certeza antes de falar qualquer coisa. Prefiro ter embasamento pra falar e não ter que vir dois dias depois dizer: “Não era bem isso”. Em nenhum momento eu falei: “Vou fazer um canal para empoderar mulheres e rapazes”, foi meio que virando isso sem querer e foi maravilhoso. Fiquei muito feliz de ver o que o canal se tornou, mas eu sou desse jeitinho e os vídeos também, foi assim que eu cheguei até aqui e é assim que eu gosto de ser.

Como você vê o tamanho da sua fama agora? Ah, eu não lembro a última vez que eu fui pra qualquer lugar e não fui reconhecida. Abraço muita gente na rua e é muita selfie. Adoro. Porque não vejo as pessoas, não é um teatro, que você vê a plateia e ela te aplaude. Não tenho praticamente nenhum contato com as pessoas que estão vendo meu canal e quando vou na rua e encontro essas pessoas, elas dão um grito e eu também: “Ah, meu Deus!”. A gente se abraça e se ama muito e esse é o contato que eu tenho com elas. Então é maravilhoso.

Nunca passa do ponto? É… só às vezes perde o limite [risos]. Se estou numa festa, quero só dançar um pouquinho e não consigo porque tenho que tirar um monte de selfie, fico meio sem graça. Porque eu não gosto de falar: “Não tirem minha liberdade”. Dependo um pouco do bom senso do povo e nem sempre ele vem. Mas, no geral, as pessoas costumam ser respeitosas, é só um ou outro que destoa. E deve ter acontecido só uma vez de eu deixar de ir a algum lugar por saber que teria que tirar muita foto. Nesse dia pensei: “Talvez  fique em casa vendo um
netflixzinho”. Mas eu gosto de ver as pessoas que gostam de mim. E às vezes tem tremedeira e lágrimas, é arrepiante.

As pessoas choram? Choram copiosamente. É muito louco isso, porque quando você vai na casa de um amigo ninguém chora quando você chega. E aí vem uma pessoa que você não conhece e chora muito porque você tocou ela em algum lugar.

O Caio tem uma participação importante no canal, ele está com você desde o começo? É um projeto dos dois? Começou muito como um projeto meu e ele dava uma força: “Vai, Ju, você vai conseguir!”. Ele me emprestou a câmera, me ensinou como usar e sempre estava ali ao lado, mas trabalhava num outro lugar e fazia as coisas dele. Só que fui precisando mais e mais da ajuda dele até a gente começar a trabalhar junto mesmo.

Sempre foi tranquilo trabalhar em casal? Não. Já passamos por várias fases. Já foi muito horrível, aliás. Teve um dia em que Caio falou: “Vou ficar esse mês sem te ajudar em nada, tá bem? E aí a gente vai desgarrando dessa dupla de trabalho”. E eu falei: “Tá bem, ótimo. Você arranja suas coisas, eu fico com as minhas e está tudo certo”. No dia em que ele decidiu isso, a gente começou a trabalhar para sempre junto e dando muito certo.

E como é esse ponto certo? Vocês conseguem separar a firma do casal? É meio misturado, mas a gente tenta separar. É um emprego muito esquisito esse, você não sabe muito bem onde é trabalho e onde é pessoal. Mas tem dia que chega 7 horas da noite, a gente passou o dia inteiro trabalhando e fala: “Agora chega. Acabamos de trabalhar”. E aí, ficamos um do lado do outro até que alguém solta: “Tá, mas o que a gente vai responder naquele e-mail?”.

Caio foi seu primeiro amor pra valer? Onde vocês se conheceram? Tive outros namorados, mas com ele é diferente de tudo que eu já tive, tão maravilhoso. A gente se dá muito bem, é incrível. Nos conhecemos na faculdade. No penúltimo período. Quase que não vai, aí foi. Ele fazia cinema e eu fazia jornalismo, nos conhecemos quando fomos fazer a monografia e era a mesma orientadora. Mas não foi que eu cheguei na sala, olhei pra ele e falei “você para sempre será meu” ou ele me olhou e falou “vamos nos amar”. A gente ficou dois meses estudando junto sem se notar direito. Foi uma coisa construída.

Vocês moram juntos? Ainda não. Mas a gente está nesse processo. Eu moro com meus pais e ele mora com a mãe dele, só que mês passado a gente passou dois dias em casa, o resto ficamos viajando. A gente está meio sem lar, mas estamos atrás de um apartamento.

Vocês são novos. No meu tempo as pessoas só casavam com 35 anos. Que nada! Tá na maior onda agora casar cedo de novo. Acho que tá voltando essa moda.

Quando as pessoas descobriram que Caio é negro, acusaram você de escondê-lo por isso. Como foi a repercussão dessa história no casal? Chateou ter gente tomando conta da nossa vida. Mas entendo como algo natural. Não é que eu estava aqui em casa fazendo nada e de repente todo mundo quis saber da minha vida. Eu fiz vídeos, me tornei uma pessoa pública, já sabia que isso estaria no pacote. Mas não foi legal, não.

O Caio não aparecia nos vídeos pra criar um mistério? Não, nunca teve isso. Caio nunca quis aparecer, ele é muito introspectivo e tímido, ele não gosta que invadam a bolha dele. Mas quando surgiu essa polêmica ele ficou com muita vontade de se posicionar. E fez isso. Disse: “Quero falar sobre isso aqui” e aí estava lá a câmera.

Vocês nunca tinha sido vítimas de preconceito, racismo ou olhares estranhos? Não que a gente tenha notado. É aquele negócio do colorismo, Caio tem a pele clara... A gente nunca reparou olhares estranhos. Esse foi o primeiro momento mesmo.

Vocês pensam em ter filhos? Sim. Perpetuar a espécie, essas coisas [risos]. Mas mais pra frente. Seria uma bagunça tão grande ter um filho agora. Que responsabilidade! Meus cachorros já dão um trabalho! Acho que agora não é a hora, mas um dia, sim. Vários filhos. Talvez não parir vários. Eu quero estar grávida e quero todo o pacote, mas tem uma galera já aí no mundo esperando. Sempre penso: “Será que eu quero botar mais gente no mundo? Quero adotar?”. Muita coisa para pensar, ainda tenho que me debruçar sobre esse tema.

O Caio tem um salário? Não, não tem isso de salário [risos]. Eu não tenho um salário, cada mês é um valor diferente porque cada mês é um merchan a mais ou a menos e tem o dinheiro do YouTube que varia completamente. Então a gente trabalha com porcentagens, temos os nossos cálculos, tudo combinado direitinho.

Vi um vídeo do PewDiePie (canal com o maior número de assinantes no mundo) reclamando que as pes-soas ficam falando o quanto ele ganha. Incomoda esse tipo de assunto? Acho que falar sobre dinheiro incomoda os adultos, aí eu também me incomodo pra ficar com a galera. Nós, seres humanos, não lidamos bem com dinheiro, eu acho...

Sem falar em cifras, já vai dar pra comprar um apartamento? Eu não tenho interesse em comprar um apartamento agora. Mas talvez desse pra dar uma entrada daqui alguns meses. Na verdade, espera, eu não sei nem quanto custa um apartamento!

Vamos falar da entrevista do Jô? Ai, será? Meu Deus do céu. Falo disso todo dia. Sempre que eu encontro alguém na rua a pessoa fala: “Mas e a entrevista do Jô, hem?”. Na verdade, tirando a parte incômoda da entrevista, não me senti maltratada. Depois que as câmeras desligaram ele foi querido. Só que teve momentos tristes, como sempre nessa vida… Mas ele já está tão senhorzinho, acho que só queria ir pra casa e ver um filme.

Você acha que ele não estava muito ali? Eu acho que ele já não está muito ali há um tempo. E mais, essa entrevista há dez anos não ia causar simplesmente nenhum rebuliço, mas hoje a gente está a postos. Então tem que prestar muita atenção no que se diz. Antes podia até machucar algumas pessoas, mas a gente ficava quietinha, agora se machuca a gente fala mesmo! E me incomodou, fiquei meio constrangida, claro. Tiveram dois momentos bem do mal: o que incomodou todo mundo [Jô disse: “Mas não tem alguma mulher que realmente fique com cara de puta de batom vermelho?”] e também quando ele falou que Caio me usava. Hem? O que ele está falando? Nem conhece nossa dinâmica. É um pensamento retrógrado, né?

Os conceitos feministas estavam presentes na sua casa, na sua educação? Nunca é 100%, né? Tem muita coisa machista acontecendo nas melhores das intenções. Não era nada na linha: arranja um marido, tem que casar, tem que fazer o que eu mando. Eu era superlivre e fazia as coisas que queria. Mas eu não podia falar palavrão e meu irmão mais novo podia, por exemplo. Acho que tinha o lado feminista e tinha o lado machista.

Como foi levar o feminismo pra mesa de jantar? Ah, a gente vai trabalhando a família, né? Às vezes ainda tem umas coisas que você diz “gente, tá errado isso aqui”, estamos todos aprendendo, o tempo todo. Minha mãe é muito aberta às coisas, ela não se fecha pra nada. Gosta de se influenciar por novas ideias.

Você já foi criticada por algumas feministas por fazer um feminismo suave. Como recebe esse fogo amigo? Eu já me preocupei mais com isso. Mas é aquele negócio, eu não tenho condições de cumprir com as expectativas de todos os grupos do mundo. Então eu fico numas de fazer o que eu acho certo, às vezes eu falo umas merdas e aí quando identifico isso me retrato e tento fazer outro vídeo desfazendo a merda que falei. A gente vai aprendendo. Aprendo à beça com o canal.

Você tem muitos haters? Não. Eles estão aí no mundo, mas eu não vejo muito porque nos meus vídeos não tem muito comentário. Eu às vezes descubro que tenho uns haters, mas tenho que procurar, não é uma coisa que se apresenta a mim facilmente. E eu não procuro muito. Na verdade, não fico muito na internet, sou meio desleixada, só coloco o vídeo e vou embora passear com meus cachorros. Eu não fico muito no Facebook ou no Twitter procurando coisa e vendo os comentários todos.

Você gosta mais da Netflix? Eu gosto bem da Netflix. Gosto direitinho.

Você assiste de tudo ou tem uma linha? Vejo tudo que é série. Das piores até aquelas muito boas, todas são válidas no meu mundo. Quando me dedico, me dedico de verdade. Vejo temporadas inteiras em um dia, chego a ficar com o olho vermelho. Mas eu gosto de fazer umas outras coisinhas também, tá? Coisas que todo mundo faz: ir ao cinema, ir à praia, tomar uma cerveja com a galera! Mas preciso dizer que até meus ídolos são personagens de séries. Tipo o Phil de Modern Family, amo muito o Phil.

Girls você vê? Claro! Eu fiz a minha monografia sobre Girls! Escrevi sobre criar laços de empatia com experiências reais da vida. Essa coisa de assistir e falar “essa menina aí também está na merda. Não estou sozinha”. E meu canal é muito isso. Relacionamento abusivo, você acha que só foi com você? Não, tem mais gente aqui também. Na época da monografia tinham só duas temporadas, mas escrevi até um roteirinho de uma série, uma espécie de Girls carioca.

Vai filmar algum dia? Ah, acho que não, né? Ficou velho. Já fizeram muita coisa nessa linha.

Você se acha parecida com a Lena Dunham? É, falam isso. Mas acho que eu sou mais otimista. Ela é uma puta artista, tem uma densidade enorme e por isso talvez seja um pouco mais pesada. O que por um lado é bom porque você assiste Girls e sente que não foi só você que se humilhou daquela maneira. Mas acho que minha vibe é mais positiva: “Calma, vai dar tudo certo depois dessa humilhaçãozinha!” [risos].

Você já conheceu a Lena pessoalmente? Não. Meu Deus do céu! Estaria tremendo até agora. Mas nem sei se gostaria, porque sei que vou fazer um papel ridículo. Eu desaprendo a falar inglês nessas horas. Que nem quando eu fui entrevistar a galera de Orange is the new black, não sabia falar uma palavra, só falei idiotice.

E tem algum outro plano ou algum outro sonho que você pretenda alcançar? Talvez escrever séries. Acho que essa é a única coisa que eu consigo me ver fazendo. Gosto muito de séries.

Fazer stand-up ou uma coisa com teatro de jeito nenhum? Pavor! Não, de jeito nenhum. Eu não gosto de coisa “ah, pensei numa piada aqui e agora vou reproduzir ela pra você”. O que sei e gosto de fazer é ir falando e às vezes calha de ser engraçadinho, mas não é piada planejada para stand-up. É mais natural. Nunca temos sequer roteiro. Não sou atriz. Não adianta me dar uma fala, não vou saber decorar e falar naturalmente.

Conta do livro que você vai lançar. Como foi escrever? O que devemos esperar? Foi uma processo árduo e doloroso, mas quando entreguei fiquei com saudades. Cada capítulo fala de uma crise, tem até a crise de ter um tamagochi. A maioria das coisas saiu da minha vida, das minhas crises, mas são coisas comuns a vida de muita gente.

Você disse que não gosta de falar de política, mas fala de assuntos como assédio, violência contra a mulher. É um posicionamento político, não? Tenho posicionamentos sobre questões que envolvem a sociedade, a comunidade. Mas sobre a política de Brasília, não entendo. Sei que tenho que melhorar isso, vou sentar com a Débora, do canal da Bee, e ela vai me explicar tudo o que está acontecendo.

O Brasil está pegando fogo. Você acompanha de alguma maneira? [A entrevista foi feita no dia 12 de março.] Vejo o que está acontecendo, mas não me aprofundo. Não é um interesse natural, entende? Mas tenho cada vez mais vontade de saber. Não pra falar em vídeo, mas para me informar como cidadã.

“Se você quer ser youtuber, tem que fazer terapia. É muita coisa pra pensar sozinha”

Você já fez terapia? Faço. Amo! Eu levanto a bandeira da terapia. Faço desde que comecei o canal. Toda quinta-feira, 11 horas. Se você quer se lançar na carreira de youtuber, tem que fazer terapia. É muita coisa pra você pensar sozinha, precisa de uma ajudinha profissional.

Você tem medo de que a fama passe? Fico numas de viver o agora. Mas acho que é natural que passe em algum momento. Na verdade, nunca penso nisso [risos], só abraço, tiro uma selfie e acabou meu pensamento sobre fama.

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