Ao apresentar seu primeiro longa-metragem, Feliz Natal, Selton Mello conversa com o site da Tpm
Ao apresentar seu primeiro longa-metragem, Feliz Natal, Selton Mello diz: “Não fiz um filme para ser aprovado ou reprovado, mas quero que ele se instale em corações e mentes dentro e fora do Brasil”
Depois de 20 anos na frente das câmeras, o ator Selton Mello estréia na direção de seu primeiro longa-metragem, Feliz Natal. O filme acompanha a saga de Caio (Leonardo Medeiros), que decide voltar ao Rio de Janeiro para passar o Natal com a família, que não vê há anos. Darlene Glória vive Mércia, a matriarca, imersa em uma depressão e movida a altas doses de álcool e remédios. Ela se separou de Miguel (Lúcio Mauro), que gosta de transar com garotas bem mais novas. E Miguel, por sua vez, detesta Caio e não perdoa o erro que ele cometeu no passado. Um filme forte, que trata de uma família desestruturada e perdida e que tem recebido elogios e prêmios desde a estréia, há uma semana. Selton Mello conversou com o site da Tpm sobre a carreira, vontades e expectativas.
Você estreou na TV aos 11 anos, na novela Corpo a Corpo, da Globo. Depois disso, aos poucos, foi se tornando um dos mais importantes atores brasileiros. Agora, arriscou na direção e já recebeu elogios. Você tem alguma dificuldade em realizar suas obras?
A dificuldade é manter o brilho nos olhos. Quando você acha que já sabe fazer aquilo é exatamente a hora de reestruturar todos os seus pensamentos e começar tudo de novo. É um eterno recomeço, daí a grandeza da arte. A busca da reinvenção o tempo inteiro. Tento manter o olhar do menino que começou tão cedo a brincar de viver personagens, esse é meu desafio constante.
Cansou de ser ator? Seu negócio agora é dirigir?
Tenho me sentido cansado de tudo e entro agora em um período em que o bem-estar pessoal é mais importante do que fazer filmes etc. Sempre priorizei minha profissão em detrimento da vida pessoal, chegou a hora de inverter radicalmente esse quadro. Estou mais interessado em cuidar das coisas simples da vida e continuar trabalhando de maneira menos insana. Se alguém descobriu esse equilíbrio envie cartaz para a redação, pois estou atrás disso também [risos].
Como foi a escolha do elenco do seu filme? Tarefa difícil ou já tinha alguns nomes na cabeça?
Alguns nomes já estavam na cabeça, como o Leonardo Medeiros, um ator que tenho absoluta confiança e que trabalhou comigo em Lavoura Arcaica. Outros nomes simplesmente aconteceram, como a Darlene Glória e o Paulo Guarnieri. Convidei a Darlene depois de entrevistá-la no Tarja Preta [programa de entrevistas veiculado pelo Canal Brasil]. Fiquei fascinado com a história de vida dela e, mesmo sem papel, queria tê-la no Feliz Natal. Ela topou e, só depois, criei a Mércia, a mãe no filme. O Paulo me ganhou quando eu estava lendo uma revista. Era um momento difícil, seu pai havia acabado de falecer. Vi o olhar do Paulo, lembrei dele quando fazia milhões de novelas e liguei. Já o menino Fabrício Reis foi um daqueles achados inacreditáveis. Mérito do Oberdan Junior, que encontrou esse fenômeno e, depois de alguns testes, foi acolhido no filme. Eu gosto tanto da idéia de resgatar gente do passado, talentosa e muitas vezes deixada à margem, quanto lançar rostos novos. É interessante para a arte ter esse equilíbrio.
Você já tinha se aventurado na direção do curta Quando o tempo cair, além de apresentar o programa Tarja Preta. Com um longa é diferente? Em que sentido?
É muito mais trabalho. Como é tudo muito maior, multiplicam-se as responsabilidades. Fazer um longa-metragem é uma trabalheira e tanto. É um processo caro, muitas vezes longo, que envolve muita gente... E, depois de pronto, ainda tem todo um trabalho para o lançamento, a distribuição. Mas o prazer de apresentar algo tão pessoal é o combustível para ir até o fim.
Diga um momento memorável do período de produção do filme e um nem tão bom assim.
Minha equipe e eu vivemos momentos muito saborosos ao longo de todo o processo. Trabalhamos com delicadeza e muita alegria. E assim nos sentimos seguros para alçar um vôo arriscado, para representar uma família desestruturada. Apenas com o respeito que tínhamos um pelo outro foi possível travessia tão densa, nos proporcionando a sensação de ter vivido algo único.
Tem expectativas sobre a opinião do público em relação a Feliz Natal? Isso é importante para continuar?
Quero que o filme atinja o maior número de pessoas que puder. Esse é meu objetivo: que o filme seja visto. Não fiz um filme para ser aprovado ou reprovado. Isso é pessoal, a arte é muito subjetiva. Fiz para que as pessoas pudessem assistir e se identificar. O termômetro não é gostar ou desgostar, e sim fazer com que Feliz Natal se instale em corações e mentes dentro e fora do Brasil.
O que pode falar de Darlene Glória como Mércia?
Darlene é um vulcão. Não há melhor palavra para defini-la. E diante de uma câmera ou não. Depois que a conheci, não tinha nenhuma hipótese de não tê-la no meu filme. Só se ela não quisesse, mas ela topou mesmo sem eu ter um papel. Criei a mãe da história só depois do sim da Darlene. E hoje nem eu nem ninguém da equipe consegue imaginar Feliz Natal sem uma mãe. Ela paira sobre todos os personagens, está em cena mesmo quando não aparece. É a mãe de todos os males, como eu costumo dizer. Aquela família torta, desestruturada, não poderia ter uma matriarca que não fosse aquele delírio. Darlene em cena é puro delírio.
Já tem planos para o futuro? Quais são?
Não estou pensando em futuro a longo prazo... Mas posso dizer que tenho dois planos – dirigir outro filme e descansar. Não necessariamente nessa ordem [risos].
Há dois anos você deu uma entrevista para a Trip na qual dizia que toda sua energia estava voltada para o trabalho. Continua assim, um workaholic assumido?
Que prazer checar que eu disse isso há dois anos e verificar que agora penso o contrário. Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante [risos]. Hoje estou voltado para mim mesmo. Quero continuar trabalhando sim, mas minha prioridade agora sou eu. Meu corpo pediu isso. Meu espírito pediu isso. Estou muito preocupado com o meu bem-estar. Quero curtir o ócio, ler, ver filmes, namorar, encontrar meus amigos, ficar com minha família, brincar com minhas sobrinhas, fazer exercícios, ficar em contato com a natureza... Estou em um momento de mergulho interno, de autoconhecimento, como talvez nunca estive. E percebi que é vital ter um tempo só nosso, para as nossas coisas. Mudei de workaholic para lifeaholic, se é que essa palavra existe [risos]. E será um prazer dar uma entrevista para a Trip daqui a algum tempo e dizer algo completamente diferente do que eu disse agora... E assim caminha a humanidade...