Domingo à cubana

por Ana Manfrinatto

Um dia inesquecível que eu precisava registrar!

Na oooutra semana fui à Miami para cobrir o lançamento de uma nova série de tevê. Além do trabalho ter sido super bacana, eu estava de olho no fim de semana e na possibilidade de ir à praia. Parece uma idiotice mas, pra quem morava em São Paulo e vira-e-mexe “descia no feriado ou pegava a Dutra e se mandava pro Rio, a (não) beleza do litoral argentino bem como a (não) proximidade dele faz com que o mar, um tapete de areia e um coqueiro balançando sejam um sonho (quase) inalcançável.

Ou seja que no domingo eu acordei cedinho e, antes das 8h, já estava na praia. No entanto eu olhei pra cima e quis morrer com o que vi: aquele ceuzão de brigadeiro da semana anterior havia sido tomado por nuvens negras. Antes de me desesperar, fiz o que tinha que fazer. Pedi para um casal olhar a minha mochila, entrei no mar e só saí dele mais de meia-hora depois, quando começaram a cair umas gotas.

É que fazia dois anos e meio que eu não pulava n’água. Razão pela qual eu abri a minha canga de Iemanjá, sentei na chuva e compartilhei o meu drama com a senhora da mochila, a Marylin, uma cubana de 50 e poucos anos. “Sou brasileira, moro na Argentina, sinto muita falta de mar, fez sol a semana inteira e justo hoje, meu único e último dia e bla bla bla”.

No que ela deu risada, me chamou de filha e disse pra eu não me preocupar e repetir com ela uma oração que eles fazem em Cuba pra chamar o sol: “San Isidro labrador, quita la lluvia y trae el sol”. Eu não tinha outra opção, então repeti a frase e acreditei no marido dela, auto-intitulado “viejo perro del mar”, que disse que as nuvens iriam embora.

E ao passo que o céu começou a abrir, começaram a chegar os familiares e amigos deles pra celebrar o dia dos pais que, nos Estados Unidos e em muitos países da América Latina, foi comemorado no domingo passado. Ela havia cozinhado até às 3h da manhã da noite anterior e estava munida de muitas caixas térmicas e guarda-sóis. Bem que eu tentei afastar – só um poquinho – a minha canga dali. Mas quando vi já estava no meio de todo mundo. E adorei!

Teve uma hora que eu tava dormindo e o marido da Marylin gritou “filha, você está vermelha, tem que passar mais protetor”. E, durante um outro cochilo, a própria Marylin me acordou e me deu um pratinho e um garfinho descartável, dizendo que iria servir o almoço. E eu, que tinha planejado almoçar em um restaurante bacana indicado pela minha chefe, mudei de ideia na hora.

Mas, antes, disse:

- Imagina, Marylin, não precisa.

No que ela responde:

- Aqui em casa é assim, o que a gente tem a gente divide!

A entrada era um escabeche de yuca, tipo de preparação de mandioca que eu nunca d’antes havia provado, uma delícia. Depois ela serviu carne de porco, que eu não como, e moros y cristianos, um feijão-com-arroz todo junto e misturado, também delícia, especialidade cubana. Ainda por cima me deram uma cervejinha gelada e pra fechar com chave de ouro, a sobremesa: pedacinhos de manga – plantadas no quintal da Marylin en Miami – geladinha.

Com o sol bombando, bem instalada e com novos amigos, continuei alternando meus pequenos cochilos com mergulhos no mar e resolvi adotar aquela família como sendo minha, mesmo que fosse só por um dia. Assim como rezei pra São Isidro e acreditei no velho lobo do mar, não me importei com a opinião política deles e os aceitei tal qual eles eram, assim como eles fizeram comigo.

O Juan Rodríguez, também cubano e amigo da família, fez questão de declamar uma das suas poesias pra mim e eu também pude ter uma longa conversa com a Marylin no mar, onde ela perguntou sobre a minha vida, namorado e família e também falou muito sobre ela e os filhos. Ela também disse que havia conhecido o marido ali naquela mesma praia, há mais de trinta anos.

A gente só saiu da água às 17h30, minha hora de partir. Levantei acampamento, me despedi de todo mundo dizendo que nunca me esqueceria deles e, por último, fui dar um abraço na Marylin. Foi tudo tão lindo e forte e, quando nos abraçamos, ambas ficamos arrepiadas. Ela me disse “vai com Deus” e eu o fiz. Não sei se com Deus, a Iemanjá ou San Isidro; mas, sim com crença nas pessoas, na tolerência, na buena onda – como dizem aqui na Argentina – e  sobretudo naquela palavrinha mágica da Marylin, dividir.

p.s.: além do momento “poesia da vida”, a grande moral da história disso tudo é que eu preciso me matricular na natação ;-)

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