Lama Dzongsar Khyentse Rinpoche: não é como o George Cloney, mas é bofe e arranca suspiros
Ele não é o George Cloney, mas é bofe e arranca suspiros. Não é o Bertolucci, mas é um talentoso diretor de cinema, e assistiu o próprio na direção de “O Pequeno Buda”, com direito a uma ponta no final do filme. Dono de uma inteligência, charme e senso de humor peculiar, para muitos budistas ele é o próprio, o iluminado. Para quem ainda não teve o prazer, aqui vai uma exclusiva com o incrível lama budista Dzongsar Khyentse Rinpoche.
Estava parada na porta de um lugar com uma arquitetura não sei se greco ou se romana, em Bir, cidade que fica no norte da Índia, aos pés do Himalaia. Faz um ano que espero para conversar com o Rinpoche. Na fila comigo, pessoas do mundo todo, chineses, russos, indianos e ingleses. Estava no meu canto, sem blábláblá com os demais, ouvindo o som do mantra de Shiva, deus hindu da renovação, carregado pelo vento de algum templo na área. O Rinpoche aparece na porta, aponta para mim e fala “você agora”. Lá vou eu atrás do lama também conhecido como emanação de Manjushri, o buda da sabedoria. Confesso que estava um pouco preocupada em parecer burra, afinal o que perguntar de inteligente para aquele conhecido como emanação da sabedoria?
Elka Andrello_eu mesma: A mulher contemporânea tem bastante liberdade. Ela trabalha, tem seu próprio dinheiro, liberdade sexual. Você não acha que ela se esquece de ser mulher, que o feminino está se perdendo no ritmo de vida moderno?
Dzongsar Khyentse Rinpoche: Muito boa a sua pergunta. A minha resposta é a sua pergunta. Mas eu entendo porque elas se transformaram nisso, os homens de uma maneira geral perderam a mão das mulheres, e os homens também nunca foram justos com elas. Por isso que muitas acham que devem fazer alguma coisa para se colocar, mas o método que elas escolheram é um pouco errado.
Elka: E qual é a receita para manter a feminilidade e lidar com os desafios do dia-a-dia?
Rinpoche: Isso é difícil. Elas deveriam esquecer que são mulheres e agir apenas como um ser humano. No momento que entra o rótulo homem e mulher aparece um monte de problemas.
Elka: Como o feminino é representado no budismo?
Rinpoche: De acordo com o tantrayana a mulher é a personificação da sabedoria, uma posição muito, muito elevada. Normalmente a figura da mãe é usada como metáfora para falar sobre a mais elevada visão budista que é a vacuidade, shunyata.
Elka: Muitas mulheres enfrentam a difícil decisão de fazer um aborto. O que você tem a dizer sobre o isso?
Rinpoche: Eu acho que o melhor é ir na raiz do problema que é educar as mulheres, principalmente as gerações mais novas. Se falarmos sobre as consequências de não se prevenir, talvez possamos protegê-las para não terem que chegar ao ponto de fazer um aborto. Eu tenho certeza que quem fez um aborto passa por uma grande dor, não dor física, mas ter que abortar alguém deve ser muito dolorido, e muitas vezes acontece por falta de educação e informação. Tem que se cuidar desde o início. Se já aconteceu e a mulher estiver grávida, eu encorajaria a ter o bebê, porque muitas bençãos e alegrias vem junto com a criança. Não precisa ter medo.
Elka: Como ter consciência do corpo, se tratar bem e se manter presente no momento, não ficar viajando em situações passadas ou preocupações futuras?
Rinpoche: Isso tem haver com a importância que você dá ao que os outros pensam. Principalmente no mundo moderno, o que os outros pensam ganhou tanto peso, que ao se deixar levar por isso você abusa não apenas o seu corpo mas também da sua mente. E na verdade o que as pessoas pensam sobre você não é importante.
Elka: E a gente gasta tanta energia com a nossa aparência, não apenas por nós mesmas, mas para sermos aceita pelos outros.
Rinpoche: E isso não é de agora, sempre tem sido assim. Na China antiga os homens achavam que ter pés pequenos era sexy e por causa disso as chinesas enfaixavam os pés.
Elka: Sobre filhos e educação. Eu sempre aprendi que a melhor maneira para ensinar as crianças é através do exemplo.
Rinpoche: Alguém que inspire é sempre mais importante do que alguém que saiba ensinar.
Elka: Você recomendaria algum livro ou filme que ache inspirador?
Rinpoche: Corra Lola corra
Acabou a entrevista, saí digerindo a conversa e chutando um sapato que estava na entrada para longe. Quem estava do lado de fora me olhou com uma cara meio estranha. Mas e daí, quem se importa com o que os outros pensam? Corre Elka, corre!
***Essa entrevista é dedicada ao Wilson Rosa Melchiades, meu avô querido, que partiu no dia 17 de fevereiro de 2010.