A cartunista Trina Robbins, uma das mais importantes do mundo dos quadrinhos, vem ao Brasil e afirma uma revolução: ”É um espaço cada vez menos masculino”
A americana Trina Robbins vem percorrendo uma longa carreira de promoção do trabalho das mulheres nos quadrinhos. Ela mesma começou a desenhar em 1966 e foi quem criou o visual da personagem Vampirella e a minissérie The Legend of Wonder Woman. Em 1970, lançou o primeiro quadrinho feito exclusivamente por mulheres, It Ain’t Me, Babe, que deu origem à antologia Wimmen’s Comix (1972-1992), onde foi pioneira outra vez ao abordar abertamente temas como aborto e homossexualidade. Ela é também autora dos livros teóricos Women and the Comics, A Century of Women Cartoonists, The Great Women Superheroes.
Trina vem ao Brasil pela primeira vez para apresentar sua pesquisa sobre a história das cartunistas norteamericanas de 1986 até a metade do século XX, além de falar sobre a presença da mulher no mercado mundial de quadrinhos. “Nunca houve tanta mulher fazendo comics nos EUA como atualmente, e isso é incrível. Sinto como se eu estivesse testemunhando uma revolução nos quadrinhos”, diz.
Ela encerra a terceira edição das Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, o maior congresso HQs da América Latina, que acontece esse mês. Organizado pela USP, o evento reúne pesquisadores de todo o Brasil e do exterior, além de outros dois importantes convidados internacionais: Paul Gravett, especialista em mangá, e Ian Gordon, cartunista e um dos teóricos de quadrinhos mais importantes do mundo.
Veja a conversa que tivemos com Trina Robbins antes de sua chegada a São Paulo.
Existe alguma regra em relação à maneira como as mulheres são representadas nas HQs e o tipo de trabalho que elas deveriam fazer nos quadrinhos? Não há regras, mas eu acredito que a maioria das mulheres gostaria de ver um retrato realista do universo feminino. Mulheres que não têm seios enormes e uma cintura minúscula. Ou mulheres em poses estranhas, aquele tipo de postura de bumbum empinado, porque seria preciso quebrar a coluna para conseguir ficar parada daquele jeito.
Você foi uma das primeiras cartunistas a falar sobre aborto e homossexualidade, ainda nos anos 70. Acredita que as mulheres podem abordar qualquer assunto nos quadrinhos hoje em dia? Com certeza! É isso que eu quero dizer quando afirmo que existe um humor feminino.
Quadrinhos ainda é coisa de homem? É um espaço cada vez menos masculino. Ainda existem quadrinhos de superheróis machões e ainda há cartunistas homens que desenham esse tipo de mulher irreal. E eu sei que alguns fãs homens acham que nós mulheres queremos entrar para o clube dos meninos. Mas acredito que a maioria dos homens recebe muito bem as mulheres nos quadrinhos e que a atmosfera na indústria está cada vez mais convidativa às mulheres.
Por que você acha que há mais mulheres produzindo quadrinhos hoje em dia? Por causa das graphic novels. Nos EUA, a maioria dos comics era de superheróis. Mas agora, por causa desse estilo, os criadores de comics podem escrever e desenhar qualquer coisa: fantasia, histórias reais, humor e, sim, superheróis.
No seu livro mais recente, "Babe in arms", você diz que havia mais mulheres fazendo quadrinhos durante a II Guerra Mundial do que em qualquer outra época. O que aconteceu depois disso? Assim como em qualquer outra indústria, muitos cartunistas homens tiveram que ir para a guerra, deixando mesas de desenho livres para serem ocupadas por mulheres. Então, de repente, havia mais mulheres fazendo comics do que nunca antes. Mas, depois da guerra, os homens voltaram para casa e queriam seus trabalhos antigos de volta. As mulheres não conseguiam mais emprego e por todo o país foram encorajadas a voltar para a cozinha, para o casamento, para os filhos. Com o tempo, os quadrinhos começaram a ser destinados apenas aos leitores homens e rapidamente as editoras passaram a dizer que mulher não lia quadrinhos, já que não eram mais produzidas histórias que o público feminino gostava de ler.
Nas últimas edições das revistas da Mulher Gato, pela DC Comics, da roteirista Genevieve Valentine, a personagem se declarou bissexual, por exemplo. Você acredita que o mercado de quadrinhos trilhou o mesmo caminho do feminismo? Na verdade, esse é um mercado muito conservador. Nos anos 70, havia um grande número de feministas nos quadrinhos, mas demorou muito tempo para isso chegar ao mainstream. Apenas recentemente as grandes editoras começaram a publicar comics que podem ser considerados feministas. Já a indústria de graphic novels é muito mais femininas por conta de todas as mulheres que vêm publicando esse tipo de história.
Vai lá: http://www.trinarobbins.com
3ª Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos
De 18 a 21 de Agosto
Escola de Comunicação e Artes / USP - Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443
http://www2.eca.usp.br/jornadas/index.php
Trina também vai participar de um encontro na Gibiteca Henfil, no Centro Cultural São Paulo, na manhã do dia 19 de agosto. Para participar é preciso enviar um e-mail até o dia 14/08 para gibiteca@prefeitura.sp.gov.br, com nome, endereço e telefone.
Em tempo: quem quiser conhecer a minha pesquisa sobre a representação da mulher nos quadrinhos, no dia 19/08, às 16h, eu apresento o trabalho “Encuentre su clítoris: observações sobre uma revista de história em quadrinhos de Gênero na Argentina” na mesa “Quadrinhos, História e Cultura”, sala 202, na ECA-USP. Com ele, sou finalista do prêmio HQMIX, na categoria “Trabalhos acadêmicos - mestrado”. É só chegar!
*Gabriela Borges é jornalista e mestre em antropologia, especializada em história em quadrinhos. Diretora de conteúdo na Agência Pulso e criadora do Mina de HQ.