Rayssa Leal: garota esperta

por Eduardo Ribeiro

Conhecida como a “fadinha do skate” e promessa da modalidade street para a Olimpíada, a pequena de 11 anos mostra que não está (só) para brincadeira

Nascida no interior do Maranhão, Rayssa Leal, a “fadinha do skate", ficou famosa aos 7 anos, quando um vídeo em que ela aparecia vestida de Sininho, personagem de Peter Pan, encaixando um heelflip no maior estilo, viralizou na internet. É impressionante notar que ela, hoje com 11 anos, já tenha se tornado a mais jovem campeã do SLS (Street League Skateboarding), cobiçado campeonato do momento na modalidade street, para onde as grandes marcas miram seus olhares.

Desde que bombou com o vídeo de fadinha, ela conquistou o troféu do Far’N High, na França, o bronze da etapa londrina da SLS e, em julho, o posto alto do pódio da etapa da SLS em Los Angeles. Como se não bastasse, logo na sequência pegou o quarto lugar na etapa de Mineápolis dos X-Games, em sua estreia no evento.

Rayssa iniciou sua ascensão no esporte num momento-chave, quando a marginalidade conferida ao skate até meados dos anos 2000 deu lugar a grandes investimentos e a entrada nos jogos olímpicos. Em 2020, ela tem sólidas chances de ser não só a primeira, como a mais jovem atleta feminina a vencer na estreia do skate na Olimpíada de Tóquio. A vitória em Los Angeles, que valeu pontos na classificação para Tóquio, garantiu a Rayssa o segundo lugar no ranking mundial de street feminino, logo atrás de Pâmela Rosa (19.7 pontos), com diferença de apenas dois décimos, e à frente de Letícia Bufoni (15 pontos).

Rayssa chegou para a entrevista com a Tpm acompanhada da mãe e da assessora de imprensa da Nike, equipe que passou a integrar. Ela tinha acabado de sair de uma sessão de fotos e sentou-se à mesa com um doce de brigadeiro numa mão e uma joaninha na palma da outra.

Tpm. O que é isso, Rayssa, uma joaninha?
Rayssa Leal. É estranho [risos]... As patinhas dela [comenta, colocando o inseto sobre a mesa]... Não, não, não… [a joaninha cai no chão]... Ela está bem? Diz que ela está bem…

Sumiu [risos]… Mas não se preocupe, ela vai ficar bem... Tá bom… Vai… Vamos lá.

Você quer procurar a joaninha? Eu te ajudo. Não, pode começar.

Quanto tempo faz que você começou a andar de skate? Fez cinco anos agora.  

O seu sonho sempre foi ser campeã de grandes campeonatos, como vem acontecendo? Não deu tempo nem de sonhar [risos]!

Qual foi a primeira manobra que você encaixou? A primeira manobra que consegui acertar foi o ollie. Tipo, eu só pulava. Daí comecei a ver os vídeos no YouTube, que tinha que bater o pé de trás primeiro. Depois, comecei a pular algumas calçadas, aí foi indo.

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Como o skate chegou até você? Um amigo do meu pai tinha um skate, e quando eu vi, me apaixonei.

O cara era adulto? Ele tinha uns 19 anos. Daí, ele começou a andar de skate, eu comecei a ver, gostei, pedi um skate para o meu pai, e ele comprou. Aí, comecei a andar com esse amigo do meu pai.

Tem uma galera pra andar junto lá na sua cidade? Agora tem, o Felipe e o Tiago.

Na época em que você descobriu o skate não tinha ninguém? Só uma menina, a Sara, que tinha 21 anos. Ela que mais me incentivou a aprender as manobras e ver os vídeos.

No Street League que você ganhou, já chegou com uma linha ensaiada? Não, montei ali na hora, no campeonato mesmo. Fui tendo a ideia na hora, com a minha mãe do lado me ajudando. Os juízes prestam atenção no estilo, na velocidade e na dificuldade das manobras.

Depois de alcançar o mesmo nível das garotas que eram suas heroínas, como fica esse lance na sua cabeça? Eu me inspirava e ainda me inspiro nelas, sempre assisto a vídeos em casa, seja full ou uma video part de algum que elas participam, e fico, tipo: “Meu!”. Teve um dia que eu até falei: “Vou ser igual à Pâmela e a Letícia”. E estou conseguindo! É bem louco!

Tem manobras que elas fazem que você ainda não domina? Sim, as novas… Tem uma menina aqui do Brasil, a Karen Feitosa. Gosto muito do hardflip dela. Estou querendo aprender. Já acertei uns, mas não saiu igual ao dela.

Tudo está caminhando para que você se dê bem na Olimpíada. Existe algum limite de idade que lhe impeça de competir ou só depende de pontuação mesmo? Por enquanto, sim, a meta é essa, ir para a Olimpíada. Não botaram restrição de idade até agora. E espero que não botem! [risos] Estou sonhando muito. Já pensou?

Tem uma galera que pensa que você se vestia de fadinha para andar de skate, que esse era seu estilo. Mas a história não é bem essa, né? Era 7 de setembro e minha escola decidiu ter o Peter Pan como tema do desfile. E fui escolhida para ser a Sininho. Então minha avó fez a roupa. Sempre que acaba o desfile, todos os skatistas vão para um pico que é muito conhecido lá, que a gente chama de Calçadaria da Terra. Quando acabou o desfile, como eu estava no fogo de andar de skate, nem troquei a fantasia, só botei a meia e o tênis. Minha mãe decidiu filmar, e eu acertei de primeira o heelflip. Ela editou botando aquela expectativa para o vídeo ficar maior.

Vão continuar te chamando de fadinha por um tempão. Foi muito marcante. É muito louco! E sabe que teve um cara adulto, lá na gringa, que se vestiu de fadinha e refez o vídeo, pulando e todo mundo imitando as mesmas reações que a galera fez no meu vídeo [risos]. Foi muito engraçado!

Como é essa coisa de ter apenas 11 anos e virar profissional do esporte? Ainda é uma brincadeira, só que um tipo de brincadeira que levo muito à sério. Uma brincadeira com responsabilidade. E é uma coisa que vou fazer até o meu último suspiro. Só quando estou bem doente mesmo que não ando. Fora isso, ando todo dia, todo dia.

Você se vê andando de skate quando estiver bem velhinha? Acha que combina? Com certeza. O Tony Hawk mesmo, ele é bem velhinho, e anda muito! O Bob [Burnquist], o Sandro [Dias “Mineirinho”]. Se você anda sempre, fica sempre em forma, então não tem aqueles problemas de saúde quando fica com mais idade.

Antigamente, tinha todo aquele preconceito, de gente falando que skate não era esporte de mulher. Mas a sua geração já pegou os caminhos mais abertos. Nomes como a Elissa Steamer tiveram que enfrentar uma barra... Mais ou menos, viu? Já sofri bullying na minha escola: vieram me dizer que skate não era coisa de menina.

Sério que ainda rolam essas coisas? Sim, mas agora deu uma melhorada, é bem difícil eu sofrer bullying hoje.

Qual foi o primeiro campeonato que você correu? Foi o Campeonato Brasileiro de Street Skate Mirim, em 2015, em Blumenau, Santa Catarina, onde acabei sendo campeã. Fui de avião e voltei de ônibus. Foram uns dois ou três dias pra voltar, a cadeira dura… Mas tenho que agradecer muito aos meus pais, que não me deixaram parar de andar de skate.

Isso é bom, ficar em casa moscando sem se mexer não está com nada. É, tem gente que fica mais em casa, jogando muito videogame. Meu irmão também joga muito videogame… [risos]

Já saquei que você também curte um videogame, né? Sim, eu amo jogar videogame!

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Tem pistas legais na sua cidade? Tem algumas pistas que o governo fez, só que eles não pedem ajuda para os skatistas, fazem tudo mal feito e ninguém anda. Só uns meninos que ficam lá, brincando de escorregar. Os corrimãos são muito altos e muito grossos, não dá pra treinar. A única pista que presta é a que tem a uma quadra da minha casa, uma que nós mesmos, skatistas, fizemos. Agora que a gente vai ter uma reforma, vamos destruir tudo e fazer uma nova pista, bem melhor. Fica na Praça Manoel Garrincha. O Garrincha era um jogador de futebol.

Para terminar e você poder comer o seu brigadeiro em paz: o que a molecadinha da sua escola pensa de você ter ficado tão famosa? Eles acham muito louco, porque uma menina que anda de skate é raro lá na nossa cidade [Imperatriz, no Maranhão], só tem eu e mais duas meninas. E essas duas pararam [risos]. Depois que apareci na TV, todo mundo começou a querer aparecer lá na pista pra andar de skate. O meu pai está com planos de abrir um galpão para fazer uma pistinha para as crianças aprenderem, tipo escolinha. Daí, vai ficar melhor. Vai ser legal, vai que aparecem novas pessoas com talento, né? Aí não fica uma cidade só pra futebol, fica mais pra outros esportes também.

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Imagem principal: Divulgação

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