Aqui não é lugar de mulher?

por Letícia González

Analista política comenta ministério 100% masculino de Michel Temer: ”retrocesso total”

A foto está na capa dos sites de notícia: o presidente interino Michel Temer toma o poder ao lado de um grupo de homens, políticos e assessores. Às 17h desta quinta-feira, ele empossou seus 23 ministros, todos, novamente, homens. Para a professora da FGV-SP Luciana de Oliveira Ramos, pesquisadora da representação política feminina, a imagem do novo governo diz uma coisa: "aqui não é lugar de mulher". Em entrevista à Tpm ela avalia o cenário e prevê: “Um dia, a questão do gênero não vai importar, mas neste primeiro momento é preciso, sim, trazer mais pontos de vista, não só o dos homens. É fundamental ter mulheres pensando a política toda”.

Tpm. Desde os anos 70 não tínhamos um ministério 100% masculino. Como isso deixa a representação política das mulheres? 
Luciana Ramos. Deixa bem mal. O Temer fez um único convite [à ex-ministra do STF Ellen Gracie, que recusou] e só. Não contribuiu em nada para avançar nessa agenda. O Brasil tem uma posição absurda no ranking mundial que mede a presença feminina nos parlamentos. Somos o 155º colocado das 185 posições. Esse é o cálculo feito e atualizado trimestralmente pela União Interparlamentar (IPU), vinculada à ONU. Estamos na pior posição da América Latina e atrás de países conhecidos por violar o direito das mulheres, como o Afeganistão. De modo geral, cargos executivos dão visibilidade e fortalecem candidaturas futuras. Sem nomes de peso, menos mulheres são eleitas e aí a coisa toda atrasa mais.

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Michel Temer não apontou ninguém para ocupar o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que já substituía a Secretaria das Mulheres, extinta em outubro. Tem um prejuízo aí? Um prejuízo enorme. A Secretaria foi importantíssima para reinserir o tema da legalização do aborto, trazer à tona os dados de feminicídio e trabalhar contra a violência com, por exemplo, a criação do disque 180. Ela concebia a política de gênero como algo universal, para o Brasil inteiro. Isso acabou. Você precisa de mulheres pensando nessas ações porque, se não, ninguém pensa. Vai deixar na mão de um Renan Calheiros? Aí nada vai acontecer. Alienar as mulheres da política é um absurdo. Já foi um grande problema fechar a Secretaria. Formar um ministério só de homens é retrocesso total.

Em abril também tivemos a questão da criação da Comissão das Mulheres proposta pelo deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada religiosa na Câmara, e empurrada para segunda votação por Eduardo Cunha. Como analisa o atual momento? A verdade é que retrocedemos muito em um ano. A manobra que criou a comissão foi como esfregar na cara de todas as mulheres que aquele espaço não é delas. E que Eduardo Cunha vai fazer de tudo para tirá-las de lá. Esse grupo tenta tirar os avanços conquistados na agenda da equidade de gênero e isso parece se consolidar com a entrada do Temer. Simbolicamente isso também é muito forte. Tínhamos a primeira mulher presidente. Agora, isso. Só para se ter uma ideia, até o ano passado não havia banheiro feminino no plenário do Senado. É como se o lugar fosse todo deles.

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Uma pergunta bem banal: por que é importante ter mulheres no governo? Um dia, a questão do gênero não vai importar, mas neste primeiro momento é preciso trazer mais pontos de vista, não só o dos homens. É fundamental ter mulheres pensando a política toda. Somos mais de 50% da população e estamos em 2016. Além disso, diversos estudos de governança corporativa mostram que melhores decisões são tomadas quando há divergência e perspectivas diferentes.

Há algo positivo nesse cenário? O cenário é triste, mas há pontos positivos. Diante das situações horripilantes que vimos em Brasília recentemente, as pessoas se aproximaram da política. Acho que disso virá uma reflexão sobre o que queremos com ela.

Créditos

Imagem principal: Reprodução / @micheltemer

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