Autora do livro ”A gorda” e convidada da Flip deste ano, a moçambicana Isabela Figureiredo emagreceu 40 quilos e reflete sobre o próprio corpo misturando ficção e realidade
“Baleia”, “orca” e “monstro” são ofensas que atravessam a memória de Maria Luísa, protagonista do romance A gorda, da moçambicana Isabela Figueiredo, lançado em maio pela editora Todavia. A obra narra a história de uma mulher cuja vida é marcada por uma experiência: ser gorda em um mundo em que só o “homem tem direito a ser grande”, como ela define.
Isabela gosta de embaralhar a cabeça do leitor e logo no prefácio adverte que, na história, tudo é “mera ficção e pura realidade”. Assim como Maria Luísa, a escritora se submeteu a um procedimento de redução de estômago. Em 2010, ela fez a gastrectomia e emagreceu 40 quilos, depois de décadas se sentindo encurralada dentro do próprio corpo. Ela ainda é uma mulher gorda, mas que aprendeu a se gostar. “Tenho uma gordura que acho bela, que não me impede de saltar, dançar, correr, não interfere na minha saúde”, explica.
A escritora acredita que para enfrentar a gordofobia é preciso falar abertamente sobre o assunto, expor a própria experiência e desconstruir o mito de que todo mundo pode (e deve) emagrecer. “Andem atrás de mim, vigiem minha vida, vejam como é a minha alimentação! É extraordinariamente cuidadosa. Eu não sou menos saudável por ser gorda”, afirma.
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Isabela vai participar de um bate-papo na Flip, feira literária que rola até o dia 29 em Paraty, ao lado do escritor Juliano Garcia Peçanha, no sábado, às 15h30. No dia 1 de agosto estará em São Paulo para falar sobre feminicídio, racismo e literatura com a escritora argentina Selva Almada, no Instituto Moreira Salles.
Ainda nesta edição da Flip, a moçambicana lança seu segundo romance, Caderno de Memórias Coloniais, em que escreve sobre a infância na África e reflete sobre o racismo latente no continente.
Em entrevista à Tpm, ela fala sobre corpo, preconceito e literatura.
Tpm. Quando você esteve em São Paulo, em 2017, disse que começou a sentir orgulho de ser gorda depois que ficou mais magra, por conta da gastrectomia. Como foi isso? Isabela Figueiredo. Quando eu estava mais gorda havia um sofrimento enorme dentro de mim e não conseguia sentir orgulho. Eu não cabia nas roupas, sentia que meu corpo estava, de fato, pesado demais. Me sentia encurralada. No momento em que consegui emagrecer, mesmo ainda sendo uma mulher gorda, passei a apreciar meu corpo. Tenho uma gordura que acho bela, que não me impede de saltar, dançar, correr. Não interfere na minha saúde. Comecei a ver a que a mulher que emagreceu os tais 40 quilos, mas continua sendo grande, é uma mulher potente, poderosa e bela.
Como foi perceber o próprio corpo depois da cirurgia? Foi muito bom por um lado, mas a cirurgia é uma grande violência física e mental. Não pude comer coisas sólidas no primeiro mês, só líquidos, caldos... A perda de peso é brutal. Emagrecia meio quilo ou mais todos os dias. Todas as semanas há uma diferença enorme na balança. Estava vendo nascer uma outra pessoa .
Qual o peso da gordofobia na sua vida? A gordofobia nos exclui, sobretudo em relação à exposição do corpo. Por exemplo, ir à praia com trajes de banho não é uma coisa confortável pra mim. Eu me moldei para não ter que expor meu corpo aos outros. Toda vivência social é marcada por isso.
Nas redes sociais e em reality shows, como em O Grande Perdedor, ainda rola um discurso de que é possível emagrecer tendo força de vontade e foco. O que pensa sobre isso? É um mito. Há pessoas que vão ser grandes e gordas para o resto da vida, assim como existem pessoas magras que querem engordar e não conseguem. Nós temos uma estrutura corporal, isso não depende da nossa força de vontade. Eu fiz a gastrectomia, como muito pouco e continuo sendo uma mulher gorda. Serei até morrer.
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E como desconstruir esse mito? Falando abertamente, exatamente como estou fazendo agora. Andem atrás de mim, vigiem minha vida, vejam como é a minha alimentação! É extraordinariamente cuidadosa. Eu não sou menos saudável por ser gorda, não tenho diabetes nem doenças cardíacas.
Você optou por falar sobre o assunto de maneira muito direta e pungente no livro. É a forma como eu falo e escrevo, não gosto de pessoas e conversas barrocas. Sou muito direta e muito, muito, má [risos].
Qual a grande mensagem de “A gorda”? As características físicas fazem parte de nós, mas não definem o nosso ser, não falam sobre a nossa alma, que é o mais importante, é o que fica de nós para os outros. Muitas vezes me sinto zangada com este mundo em que vivemos, que liga tanto para o que é superficial e pouco para o que é essencial.
Quais escritoras te inspiram? A primeira obra de uma mulher que me marcou foi o romance Jane Eyre, da francesa Charlotte Bronsteins. Clarice Lispector também foi fundamental. Descobri a literatura dela em 1986, quando entrei para a faculdade e uma das minhas cadeiras era literatura brasileira. Li Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade. E fiquei muito obcecada pela Lispector, tanto que meu português europeu estava sendo influenciado pelo português do Brasil.