A menina do olhar aguçado

por Renata Leão
Tpm #80

Daniela Thomas dá seus toques nesta edição da Tpm e enche a revista com arte, texto e idéias

Daniela Thomas é a mulher por trás de algumas das produções cinematográficas e teatrais mais relevantes desses últimos dez anos. Pouco antes da estréia de seu novo trabalho – o filme Linha de Passe, que co-dirigiu com Walter Salles –, ela dá seus toques nesta edição da Tpm e enche a revista com arte, texto e idéias

“Me sinto desconfortável dando entrevistas, é algo que me arrepia”, me disse Daniela Thomas há mais de um ano, quando a convidei pela primeira vez para ser entrevistada na Tpm e fazer as vezes de editora convidada da revista. “Além disso, estou enlouquecida filmando. Quando o Linha de Passe estiver pronto, prometo que a gente se fala de novo.”

Daniela Thomas, é uma das mulheres mais interessantes do Brasil. Low profile, dificilmente é vista em revistas de celebridades ou programas de TV. Aos 49 anos, tem um currículo invejável. Assina cenografia ou direção de arte de mais de 50 espetáculos, alguns encenados em Nova York; direção de três longas; roteiro de quatro; e prêmios como o Troféu APCA de Melhor Roteiro (por Terra Estrangeira, em 1996) e o Grande Prêmio BR de Cinema (pela direção, com Walter Salles, de O Primeiro Dia, em 2000). Além disso, é recordista do prêmio Shell de cenografia – faturou cinco – e faz a cenografia da São Paulo Fashion Week desde sua primeira edição, em 1996. Mãe de dois filhos, Alice, 13, e Vicente, 10, é com eles que passa seus momentos mais felizes. “Gosto muito de trabalhar, mas assim que saio de casa já começo a pensar em que horas vou voltar pra ficar com eles. São meus companheiros, meus amores.”

Silêncio
Mulher de palavra, assim que soube a data de estréia de Linha de Passe, que co-dirigiu com Walter Salles, Daniela topou não só editar este número da revista com a gente, mas também bater um papo sobre vida e trabalho. Me ajudou a fazer a pauta da entrevista que você lê a seguir com o parceiro Waltinho; deu a idéia de entrevistarmos a Nalva, mãe de Kaíque Santos, mascote de Linha de Passe; e também escreveu os perfis dos quatro atores do filme – que você lê na página 103. Foi também dela a dica de começar a seção Amigo-do-amigo com Matheus Nachtergaele (página 30).

Impôs apenas uma condição: eu precisava ver o filme. Às dez da manhã em uma sala de cinema paulistana, Linha de Passe foi exibido para jornalistas. E lá estava ela, agradecendo a presença de todos: “Obrigada por terem caído da cama aqui”. O longa, que fez barulho em Cannes e faturou o prêmio de Melhor Atriz (para Sandra Corveloni), é uma das estréias mais esperadas do ano. Ainda embalada pela tensão da trama, quando a luz se acendeu me dei conta: Daniela tinha ido embora. Não estava lá para presenciar o silêncio sepulcral que se instalou no fim da sessão. É que não dá pra falar nada depois de Linha de Passe. Ainda bem que nosso encontro aconteceu apenas no dia seguinte, num café da Vila Madalena, quando já dava pra falar sobre o filme e teatro, São Paulo, Nova York, Londres, Ziraldo...

Tpm. Mesmo 24 horas depois, ainda não sei dizer sobre o que é Linha de Passe.
Daniela Thomas. Sabe que meu pai [o Ziraldo] teve a mesma reação? O filme é indefinível mesmo. É sobre essa incansável busca do ser humano pela felicidade, por viver inteiramente.

É o terceiro filme que você dirige com Walter Salles, depois de Terra Estrangeira e Abril Despedaçado. Vocês nunca se estressaram?
Muito pouco, nada memorável. Somos amigos, mas nossa intimidade é suficientemente rasa para nos preservar. Temos uma intimidade artística profunda, mas na vida pessoal freqüentamos pouco um ao outro.

Como vocês se conheceram?
Foi na minha volta ao Brasil, depois de oito anos fora. Quando saí, estava passando a novela Selva de Pedra, a mesma que estava no ar quando voltei. Com a diferença de que, em vez de Francisco Cuoco, tinha o Tony Ramos tomando banho. Aquilo me deu uma depressão... Até que, mudando de canal, vi um documentário chamado Japão, do Waltinho, e pensei: “Tem gente boa aqui”. Ele também tinha visto Mattogrosso [de Gerald Thomas e Phillip Glass, 1998] e gostado da cenografia, que eu fiz. Até que, em 1992, me chamou para fazer o cenário de um show do João Gilberto no Ibirapuera.

Você foi morar em Londres aos 19 e ficou até os 27?
Meu pai me mandou pra casa do Gerald Thomas para estudar inglês, eles eram grandes amigos na época. Cheguei lá, comecei a namorar o Gerald e disse pro meu pai: “Au revoir”. Ele ficou louco, disse que não ia mais me bancar. Trabalhei nas situações mais loucas, na Anistia Internacional, no departamento de artes de uma loja de vinhos e até como caixa de cinema. Foi uma época abençoada. Até que fui morar em Nova York, em 81, fazendo cenografia para as peças do Gerald. O primeiro foi pra All Strange Away, do [Samuel] Beckett. Saiu no New York Times uma crítica assim: “O cenário brilha como um sol”. Aí eu engrenei.

Vocês foram casados por nove anos. Era uma convivência tranqüila?
Tranqüila nada. Quando voltamos pro Brasil, em 86, ele se apaixonou pela Bete Coelho e nossa vida virou um caos. Até que saí daquela relação maluca, me casei de novo e engravidei. Estou há 22 anos com o pai dos meus dois filhos, o Felipe Tassara, arquiteto e parceiro de exposições.

Raro ver alguém casado por 22 anos. A família é algo importante na sua vida?
Tenho uma família muito companheira. Talvez justamente por isso nem tenha amigos fora do trabalho e consiga manter os relacionamentos profissionais, como a amizade com o Waltinho, numa linha que não ultrapassa as intimidades. Ele é exatamente igual, você vai ver!


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