A base da escolha

por Redação
Tpm #73

Ando pela eternidade, presa em situações eleitas para me libertarem. É sempre intrigante que justamente o que tem a proposta de me fazer livre pode me escravizar se a linha tênue que separa o aprisionamento da liberdade tiver sido apagada pela ausênc

A meta da minha vida pode ser o amor, a iluminação, a filantropia ou qualquer outra razão aparentemente nobre. Mas, nos dias em que penso friamente sobre quem sou, sinto vergonha das minhas conclusões. É minha insatisfação que me move. Tudo que digo ter hoje, desejei ontem. Neste instante me falta capacidade intelectual para averiguar a razão pela qual o que não dispunha ontem, presente agora não basta hoje. O ponto é que, decorrente do que aparentemente falta, surge a busca por aquilo que supostamente me completará – já que não me vejo como plena. E com isso invento opções para chegar às metas, também imaginadas, na esperança de ser feliz. Como se este momento, sem nenhuma mudança ou melhoria, não fosse digno de satisfatório contentamento.

O zen-budismo tem uma prática muito reflexiva, que consiste na observação da natureza. Então, quando digo que invento minhas opções, não posso deixar de considerar as ditas opções que são apresentadas para mim em conseqüência do meu próprio caminho. Mesmo que por um lado eu imagine opções, estas ou até outras são apresentadas naturalmente assim como uma fruta madura que simplesmente cai da árvore, ou as águas do Ganges, que correm levando as propriedades das plantas curativas do caminho e tornam o rio um curador natural. O Ganges não tem opção. As plantas não têm. A fruta também não. Isso simplesmente ocorre. A vida acontece. “Mas não para mim!”, penso calada. Eu vivo na ilusão de que devo fazer a vida acontecer! Justo eu que nem sequer controlo meu batimento cardíaco ou que debilitadamente consigo respirar, justo eu fazer a vida acontecer!

Na Índia me ensinaram que minha estupidez é ainda maior: Estou em um trem e teimo em carregar as malas na cabeça sem considerar que elas também chegariam comigo se eu as pusesse no chão. A tal da entrega que de falo a respeito - e a possessividade que demonstro. Eu quero colocar o mundo nas costas! E não ter torcicolo. Sou um bichinho incoerente. Obviamente meu pescoço dói e eu, distante de ser sábia, culpo a pobre da minha porca prática de hatha ioga, que expõe a praticante e denigre o método da ashtanga.

Aqui estou diante de minha obscuridade mental. Onde está meu discernimento para diferenciar o que é alternativa de destino? Afirmo que creio no destino com base em evidências como meu sexo e família, porque mesmo que eu possa contar com a sorte não vejo acidentes na natureza. Para piorar a situação, pouco confiaria nas minhas conclusões caso chegasse a um veredicto, mas não admitiria isso. Furtivamente perguntaria pela opinião dos que respeito dissimulando uma necessidade de validação. Agora quem me vê como mulher independente talvez queira reconsiderar a percepção!

Há anos estive com Kristos Tsompanelis, que absolutamente marcou minha trajetória. Em um retiro perguntei a ele como posso saber o que é melhor para mim. Então me perguntou: “Você ama seu pai?”. E prontamente respondi que sim. “Como você sabe?” “Porque sinto!”, disparei. E entendi minha sentença. Jamais devo esquecer que tenho a opção de escolher meus dramas e comédias com base no que sinto como verdadeiramente certo, não no que intelectualizo com razões pragmáticas sobre o que é bom ou ruim para mim. Mesmo que os motivos não sejam justificados, eles são aceitos porque, onde reina o coração, a mente é meramente uma serva.

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