42 graus, cobras, coiotes e solidão. A pintora Renata de Bonis encara o deserto californiano
Não fazia ideia do que esperar do deserto americano. Meu projeto de arte tinha sido selecionado para a residência artística em Joshua Tree. Eu passaria quatro semanas sozinha numa casa no deserto californiano, com um ateliê à minha disposição. Corri com a burocracia do visto, agendei a passagem e fui.
No início de julho passado desembarquei em Dallas. De lá, peguei um avião minúsculo para Palm Springs. Saí do avião e um calor de 40 ºC me esperava. Era demais para a minha bota de couro preta, calça jeans e jaqueta. Fui até a locadora de carros e peguei a chave do meu super-Cobalt. Ainda bem que aluguei um GPS. Sem ele, é bem provável que tivesse me perdido. Ouvindo no talo Prolonging the Magic, do Cake, saí do aeroporto e dirigi por uma paisagem esquisita. Montanhas, muita areia, pouca vegetação e vários moinhos de energia eólica. Depois de quase uma hora na estrada, avistei uma placa para Joshua Tree. Logo estava na avenida principal do vilarejo, de onde podia avistar um posto de gasolina, alguns cafés e o centro de visitação do parque nacional de Joshua Tree.
Meu olhar foi sugado por um letreiro que dizia “Eat Love – Eat at Ricochet”. Na porta, várias botas de cowboy e uma arara de roupas vintage. Não resisti. Estacionei e comecei a fuçar um baú cheio de peças incríveis. Separei de cara uma bota vermelha de couro (que hoje não sai do meu pé) e algumas camisetas que estavam socadas no baú. Entrei um pouco envergonhada no lugar, afinal, mal cheguei e já tinha feito compras? Meu sotaque logo foi descoberto pela chef do café, Rosa Ficara. Ela me abraçou ignorando meu suor, me deu um mate gelado – “igual ao que vocês tomam no sul” – e me pediu pra experimentar o feijão que estava preparando. Pulou de alegria quando eu disse que estava bom. Só depois é que foi perguntar o que uma brasileira estava fazendo sozinha com um carro num lugar como aquele. Disse que tinha sido selecionada para a residência e ela me explicou o caminho para a casa dos donos do projeto.
Me apressei e dirigi até lá. Entrei no deserto propriamente dito. Cheguei a uma casa estilosa e fui recebida com abraços calorosos, um drink de cranberry e um novo apelido: Warrior. Isso porque Fred e Jim duvidavam que uma garota de 24 anos fizesse todo o trajeto que eu fiz pra chegar lá a fim de passar um mês no meio do nada. Eu mesma não acreditava muito bem que estava ali. Orgulhosa de mim mesma, me senti mais forte.
Frederick Fulmer e Jim Berger moram em Venice, Los Angeles. Fred é professor de Pilates e Jim, roteirista de seriados em Hollywood. Têm algumas casas no deserto de Joshua Tree e as alugam para veraneio. De julho a agosto, os meses mais quentes do ano, destinam os imóveis a um programa de residência artística – bolsas que incentivam a produção e o intercâmbio cultural, tendo como mote o desenvolvimento e o aprendizado do artista. Logo me senti acolhida e percebi que estava em mãos de ótimas figuras. Eles me deram as chaves da casa em que eu ficaria e me levaram até lá.
Solidão e sol ardente
Encontrei uma casa mobiliada com todo cuidado, com móveis dos anos 50 e 60, um aparelho de som, banheira, Jacuzzi a céu aberto e um estúdio imenso para trabalhar. Tudo isso no meio do deserto, ao lado de montanhas imensas. “Você vai demorar uns dias pra se acostumar à altitude, ao calor, à secura”, disseram. “Fique ligada nos coiotes e nas ‘rattlesnakes’.” Depois, descobri com meus próprios olhos que se tratavam de cascavéis. As redes nas janelas não estavam ali à toa. Queria descansar da viagem e me preparei para tomar um banho. Fui surpreendida, então, por centenas de aranhas que estavam morando no ralo daquele chuveiro por algum tempo. Ai. Deserto.
Meu mês foi seguido por dias incrivelmente quentes, noites com céus estrelados e ventos fortes surpreendentes. Trabalhava pela manhã religiosamente, aproveitando a temperatura mais fresca, e nas tardes de calor quase insuportável ia até a internet, no café do vilarejo vizinho, o Water Canyon. Precisava matar a saudade do meu marido. Não esperava que fosse tão difícil o isolamento.
Acabei conhecendo pessoas maravilhosas que aliviaram minha solidão. Madeleine, chef aprendiz do Ricochet, foi uma delas. Típica americana, loira, olhos claros, botas de cowboy, nos identificamos imediatamente. Nas semanas seguintes, nos encontramos muito. Ela me apresentou para a comunidade atípica de Joshua Tree e me levou ao bar mais legal que já fui: o Pappy & Harriets, um lugar totalmente western, inteiro de madeira, com cardápio recheado de cervejas e famoso por seus pratos. Tive a sorte de ver o show do Widower, banda fantástica de Seattle. Nesse dia entendi que Joshua é um reduto de artistas, todos meio hippies.
Meus dias seguiram observando coelhos, esquilos, roadrunners, me escondendo de cobras e assistindo a brigas de coiotes. Muito sol, muito protetor solar e vários dias dedicados somente à pintura, enfiada no ateliê. Além de apresentar meu trabalho para um bando de gente que nunca tinha visto e em inglês, conheci pessoas interessantíssimas, como o Brian Kewew, que é tecladista do The Who. Ele me convidou a conhecer os melhores pontos de LA, e foi o que fiz nos meus últimos dias nos EUA. O deserto de Joshua Tree acabou se revelando um dos meus lugares preferidos no mundo. Já estou organizando uma viagem para retornar em 2010. Dessa vez com o marido.
DICAS
Quem leva:
Mexicana de Aviación, ida e volta, de São Paulo a Dallas, com conexão na Cidade do México, R$ 1.779. TAM e American Airlines, ida e volta, de São Paulo a Dallas, com escala em Orlando, R$ 2.334. De Dallas a Palm Spring, a American Airlines oferece voos diretos por R$ 880.
Carros:
Para chegar a Joshua Tree é necessário alugar um carro. O trajeto dura uns 45 minutos. A Enterprise tem guichê no aeroporto de Palm Springs. Um modelo econômico alugado por um dia sai por R$ 234,75, www.enterprise.com.
Onde ficar:
A Clickhoteis oferece hospedagem no mundo todo. Reservas Clickhoteis, (11) 2196-2900, www.clickhoteis.com.br. São 12 opções de hotéis em Palm Springs, como o Hyatt Grand Champions Resort. 44-600 Indian Wells Lane, +1 760 341 1000, www.grandchampions.hyatt.com; e o Wyndham Palm Springs. 888 East Tahquitz Canyon Way, +1 760 3226000, www.wyndhampalmspringshotels.com. Em Joshua Tree, você pode alugar uma das quatro casas de Fred e Jim pelo www.joshuatreehighlandshouse.com. Todas são lindamente mobiliadas, em diversos pontos do deserto. Elas têm estúdio de arte e o serviço não é exclusivo para artistas. Fiquei na Highland House por US$ 1.900 semanais, mas a Sky House é mais bacana, sai por US$ 2.100.
Não perca:
1. Ricochet, onde surtei comprando roupas e aplaquei minha solidão, funciona como um ponto de encontro e tem o melhor cardápio de comida vegetariana que já provei. www.ricochetjoshuatree.com
2. O Crossroads, café ao lado do Ricochet, tem o melhor smothie de Joshua Tree.
3. No Pappy & Harriets, o bar western todo de madeira, rolam bandas incríveis como Calexico, Eagles of Death Metal, Jon Spencer, Peaches. Vale se programar pelo site, que é superatualizado. Assim, você não perde a chance de ver sua banda preferida, no meio do deserto, com apenas 200 pessoas na plateia. www.pappyandharriets.com.
4. Joshua Tree National Park. Sensacional. Bem sinalizado, você pode entrar de carro ou de bicicleta comprando um passe de US$ 15, que vale uma semana, no Visitors Center. Os fins de tarde são perfeitos para piqueniques: o pôr do sol é imperdível e a chance de observar os animais é maior por causa do clima fresco. Chapéu, protetor solar e muita água são indispensáveis. Vale dirigir mais um poquinho até o Keys View, a parte mais alta do parque. De lá é possível avistar o deserto de Mojave até Coachella.
5. O Joshua Tree Music Festival sempre acontece em outubro e tem uma seleção de primeira www.joshuatreemusicfestival.com.
6. Farmer’s Market. Logo que chegar no deserto você vai sentir a necessidade de se alimentar bem. Brownies e cookies não rolam por causa do calor. Essa feira é organizada pelos fazendeiros da região e nela você encontra alimentos orgânicos muito saborosos. Nunca vou esquecer o gosto dos morangos que comprei lá. Aos sábados, ao lado do Ricochet e, às quartas, ao lado do Water Canyon.
Trilha sonora:
Prolonging the Magic (Cake); Marquee Moon (Television); Sky Blue Sky (Wilco); Harvest & Decade (Neil Young); Vavoom (Brian Setzer Orchestra); Together Through Life (Bob Dylan ); Widower (Widower); The Black Light (Calexico).
Tpm+
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Capitol Records Building. Localizado no Hollywoow Boulevar, perto da famosa intersecção de Hollywood & Vine, está o edifício da Capitol Records. Repare na foto dos Beatles na entrada e nas estrelas de George Harrison e John Lennon no chão (elas sempre mudam de lugar, mas procure-as! Estão por ali). Vai lá: 1.750 Vine Street, Hollywood, CA.
Amoeba Records. Parada obrigatória. Loja imensa de vinis, CDs, pôsteres e camisetas. A Amoeba pede um dia inteiro para encontrar tudo o que você sempre quis ter. A visita que fiz à loja me rendeu 25 discos em vinil e uma baita dor nas costas. Vale a pena ficar atento à agenda de shows. Elvis Costello e até Os Mutantes passaram por lá neste ano. Vai lá: 6.400 Sunset Blvd., Hollywood, CA, www.amoeba.com
Venice Beach. Se você adora o filme Lords of Dogtown (2005), vai adorar ir à Venice Beach e passar uma tarde nessa praia cheia de loucos, hippies, halterofilistas e skatistas! Vai lá: www.venicebeach.com
Rainbow Bar e Grill. Ótimo começo de noite neste restaurante/bar com clima roqueiro, pratos suculentos e várias opções de cerveja. É o bar preferido do Lemmy do Motorhead. Ele vai lá às terças e aos domingos. Uma boa pedida é o drink Jack And Coke por US$ 8. Vai lá: 9.015 W Sunset Blvd, Los Angeles, CA, www.rainbowbarandgrill.com
Standard Hotel. Depois de comer no Rainbow, a melhor pedida é ir até o Standard Hotel para a festa que rola no rooftop. O rooftop tem uma das melhores vistas de L.A. e design hipercontemporâneo, com colchões d'água e sofás a céu aberto. Vai lá: 8.300 W Sunset Blvd, West Hollywood, CA, www.standardhotels.com
Moca. O Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles tem uma coleção imperdível com Mark Rothko, Barnett Newman, Allan McCollum, Julian Schnabel, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg e artistas contemporâneos. Vai lá: www.moca.org