Sueli Carneiro, diretora do Geledés, acredita no movimento social para enfrentar a discriminação
Uma das fundadoras do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli Carneiro, 63 anos, acredita no movimento social para enfrentar a discriminação e o confinamento que a mulher negra conhece no dia a dia
“Nasci em São Paulo e cresci entre Lapa, Vila Bonilha e Pirituba. Minha mãe era costureira e meu pai, ferroviário. Sou a mais velha de sete filhos. Meus pais tinham compreensão da questão racial, sabiam da existência do problema e éramos alertados. Minha mãe exigia que fôssemos capazes de reagir, da maneira que fosse necessária, por quaisquer meios. Se não desse pra ganhar no debate, então reagíamos com força. Era a pedagogia da época. Tínhamos que ser capazes de enfrentar o racismo. Nascer negro é viver a experiência da discriminação ao longo de toda a sua vida. A diferença é você ter sido preparado para enfrentar o racismo.
Um divisor de águas é a escola, o primeiro espaço de sociabilidade em que o racismo se manifesta de forma bastante explícita. E ele passa pelas crianças, pelos professores, por todos os agentes da escola. É um evento diário que acontece em todos os setores da vida de um negro. Às vezes de forma sutil, às vezes agressiva.
"A militância antirracista virou propósito de vida"
No meu caso, primeiro formei minha consciência individual para perceber o racismo. Depois, politizei-a. Percebi que a luta contra a discriminação podia ser organizada em um movimento social. A militância antirracista virou ativismo e propósito de vida para mim.
Existem fantasias em torno do racismo que afirmam que ele é fruto da ignorância. Nunca. Ele foi uma construção ideológica de uma inteligência europeia interessada em legitimar a opressão e a expropriação de povos não brancos – notadamente, os povos africanos e indígenas. Então, é uma ideologia de dominação, uma arma de exploração, e isso não é assunto para leigos. O racismo faz história e continua fazendo. Ele legitimou a segregação dos negros na África do Sul e nos Estados Unidos. Em países como o Brasil, o racismo define a própria estrutura de classe.
A mulher negra é a síntese de duas opressões, de duas contradições essenciais: a opressão de gênero e a de raça. Isso resulta no tipo mais perverso de confinamento. Se a questão da mulher avança, o racismo vem e barra as negras. Se o racismo é burlado, geralmente quem se beneficia é o homem negro. Ser mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social. Por isso criamos o Geledés, uma organização liderada por mulheres negras que surgiu há 26 anos para dar conta da questão ‘ser mulher negra no Brasil’. Éramos seis garotas na época. Das nossas vitórias, a coletiva é sempre a maior delas. As mulheres negras hoje são protagonistas sociais e políticas, estão firmemente posicionadas em todas as situações em que se debate a promoção das mulheres e o combate à discriminação de gênero.”
Vai lá: Sueli Carneiro está também na Trip deste mês