Aos 31 anos, um dos fundadores do Porta dos Fundos abre seu cérebro: ’’Tento me controlar para não me atropelar’’
A primeira coisa que você precisa saber sobre mim: eu sou viciado em trabalho. Não existe possibilidade de eu estar fazendo nada. Eu sempre dou um jeito de transformar o nada em alguma coisa útil. Pelo menos pra mim. Diversão é trabalho e vice-versa. Assistir a um filme ou a uma peça pra mim é trabalho. Ler um livro é trabalho. Ou seja, os meus prazeres estão ligados sempre ao meu trabalho. Tudo é sempre uma possível inspiração ou um bom ponto de partida para alguma ideia.
Eu tenho ideias. Fico tendo ideias o dia inteiro. Boas, ruins, péssimas, mas sempre ideias. Anoto as ideias para não perdê-las. Perder uma boa ideia é como perder o bilhete premiado da loteria. A segunda coisa que você precisa saber sobre mim: eu não tenho rotina. Cada dia é um dia diferente do outro, com afazeres e obrigações diferentes. Minha terça é diferente da minha outra terça. Minha cabeça funciona como uma grande agenda de compromissos que não para de se programar. Tudo entra na agenda, Porta dos Fundos, Meu passado me condena, a coluna de domingo que escrevo para o Estadão, minha mãe, o almoço com a minha avó, o jantar pós-peça com os amigos de São Paulo, tudo está aqui, na minha agenda mental.
Eu tenho energia para acordar às 8 da manhã e ir dormir às 3 e meia e acordar tranquilamente às 8 de novo
A terceira coisa que você precisa saber sobre mim: eu abro mão da minha vida pessoal pelo trabalho. Tento conciliar o máximo que posso, mas o trabalho sempre fala mais alto. A quarta coisa que você precisa saber sobre mim: eu faço várias coisas ao mesmo tempo. Meu cérebro funciona caoticamente de forma organizada. Eu estou escrevendo uma série no set de filmagem, paro, gravo um vídeo e volto a escrever a série. Qualquer lugar é lugar. Escrevo no táxi, na cama, na sala de espera do médico, enquanto eu dirijo (mesmo), no avião... Tendo em mãos o meu computador, tudo é possível. Otimizo meu tempo para conseguir encaixar tudo. E dá. Sempre dá. Se você quer mesmo, dá. Eu tenho energia para acordar às 8 da manhã e ir dormir às 3 e meia e acordar tranquilamente às 8 de novo. Sem Red Bull, sem cocaína, sem café, só na base do oxigênio mesmo. Quer me xingar, fala que eu tô com cara de cansado, eu fico destruído com o comentário.
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Sexta-feira: acordo 9 horas para fazer prova de figurino para o filme Vai que dá certo 2, vou em seguida para o Porta dos Fundos para a reunião de texto. Aprovamos seis roteiros meus. Um bom dia! Avião para São Paulo. No avião bato o texto da peça com a Miá Mello, minha parceira de vida que encontro sem querer. Chego e vou direto para o hotel. Tenho 40 minutos antes de ir para o teatro. Escrevo um roteiro do Porta dos Fundos para vendermos para uma empresa de produtos de beleza. Mando o texto para a produção. Vou para o teatro. Hoje é a reestreia das peças. Estou em cartaz de sexta a domingo no Frei Caneca com duas peças, uma em seguida da outra. Meu passado me condena e meu show solo de stand-up, Fora do normal. Ao final de cada sessão, tem foto com o público. Em média umas cem pessoas por sessão ficam para as fotos. Entre uma peça e outra minha empresária aparece para eu assinar uns documentos, contratos e para falarmos sobre a minha empresa e sobre como será 2015. Meia-noite e 40 eu saio do teatro. Vou jantar com meu pai e chego no quarto às 2 da manhã. Tomo banho ou deixo para tomar pela manhã depois de fazer exercício? São Paulo está sem água, resolvo economizar.
Me angustia não conseguir fazer tudo que eu quero. Porque tem muita coisa para ser lida, para ser vista, para ser feita
Estou com preguiça também. Deito na cama, olho para o computador. Começo a escrever o texto da Trip que precisa ser entregue em cinco dias. Paro o texto no meio e vou dar uma lida no roteiro do Vai que dá certo 2 que estou escrevendo e preciso entregar o novo tratamento do roteiro até segunda de manhã. Durmo. Durmo fácil. Sem remédio, nunca precisei. Deito, fecho os olhos e durmo. Só não consigo dormir pensando em trabalho. Aí a cabeça ferve. É o único momento do dia que não penso em trabalho, me proíbo, para conseguir dormir. Eu adoro dormir. Se pudesse, eu só dormia e comia. As melhores coisas da vida. E transava. E viajava. E tomaria um vinho com os amigos. E trabalhava. Pensando bem, eu faço exatamente o que eu quero. Terminaram as minhas 24 horas de hoje. Pode-se dizer que eu seja ansioso. Tá, é óbvio que eu sou ansioso. Tento me controlar diariamente para não me atropelar.
Coisas com as quais não consigo lidar bem: fila, trânsito, gente lerda, pessoas que pra tudo dizem não. Acordo no dia seguinte para o pilates e o exercício lá no espaço do Atala. O Márcio Atala conseguiu que eu pegasse o meu dia, abrisse uma fenda no espaço-tempo e incluísse nele exercício físico. Ele apenas reiterou a minha teoria. Dá. Tudo dá. Se você quiser mesmo, dá. Eu quis e agora eu me exercito. Três vezes por semana. Podia ser quatro. Mas tá bom. Saio de lá, vou cortar o cabelo para o Vai que dá certo 2. Hotel e caio dentro do roteiro do filme. Hoje tem duas peças de novo. E, depois da última sessão, tenho reunião com um ator que eu chamei para fazer meu próximo filme. Me angustia não conseguir fazer tudo que eu quero. Porque tem muita coisa para ser lida, para ser vista, para ser feita. Não assisti Relatos selvagens e ainda estou na terceira temporada de Homeland. Mas comecei The Black List. Queria terminar Girls e não assisti Breaking Bad nem The Walking Dead. Mas fechei a segunda de House of Cards. Estou terminando um García Márquez e já de olho num Murakami em cima da minha cabeceira. Embora eu tenha lido que vai ser lançado uma biografia do Brasil e eu sou péssimo em história do Brasil, então, já fiquei na fissura. De qualquer forma, meu pai me deu O pintassilgo e falou que vale a leitura. Vou perguntar pra minha tia Lúcia, que é minha conselheira de literatura.
Como ter o cérebro funcionando a todo vapor e não ser ansioso? Eu quero que as coisas se resolvam na mesma velocidade com a qual eu vivo
Neste ano, provavelmente, não vou viajar tanto e isso me deixa injuriado. É a coisa que mais gosto de fazer na vida. Depois de trabalhar, claro. Estou reservando meu mês de dezembro para uma viagem ao leste asiático. Trinta a 40 dias. Vai dar! Mas ainda falta Machu Picchu, Alasca, Polinésia, Namíbia, China, Índia... É estranho ter sua vida já pautada até o fim de 2016, mas ao mesmo tempo dá uma sensação de que a bola ainda não começou a cair. Sempre cai. Para qualquer um em qualquer profissão. O importante é estar preparado para a queda, ou a estabilização, como diz minha otimista empresária. Eu tenho uma empresa que cuida de tudo que eu faço, organiza as coisas burocráticas e resolve problemas. Problemas que eu mesmo muitas vezes crio, óbvio. Isso é ótimo. Poder contar com pessoas que façam as coisas é fundamental. É difícil achar pessoas que queiram trabalhar. Trabalhar, trabalhar mesmo. Não é escrever meia dúzia de palavras num papel e dizer que é um texto. Tô falando de dedicação, empenho e comprometimento. As pessoas não gostam de trabalhar, elas querem só os louros, o sucesso... É que trabalhar dá trabalho.
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Tudo isso que estou falando aqui passa pela minha cabeça numa fração de minuto. Como ter o cérebro funcionando a todo vapor e não ser ansioso? Eu quero que as coisas se resolvam na mesma velocidade com a qual eu vivo. Eu sei que tudo tem seu tempo, mas é que as vezes é um tempo tãããããão longo. O meu iPhone é praticamente meu inimigo. Ele não deixa eu me concentrar. E-mail, WhatsApp, Instagram, Twitter, Facebook... A cada 5 segundos acontece alguma coisa. Tirei todos os apitos e avisos. Ah, sim, e de vez em quando alguém liga. Por isso que o avião virou meu melhor amigo. Lá não pega celular, não tem ninguém pra me distrair (a não ser o piloto ou a propaganda que fica passando na televisãozinha na sua frente) e eu consigo fazer as minhas coisas tranquilamente, com foco. Minha coluna do Estadão é escrita semanalmente no avião. Jornal, livro, tudo é lido na decolagem e no pouso, quando tenho que desligar os eletrônicos. Meu dia é todo programado, eu sei exatamente o que vai acontecer. E meu carro é uma espécie de bolsa de canguru, para o caso de algum imprevisto. Nele você encontra de tudo. Tem livro, se por acaso estiver tudo parado na Jardim Botânico, tem audiobook em inglês, para treinar meu inglês. Tem uma mochila com roupa para correr, caso me sobre uma hora e eu esteja perto da praia ou da Lagoa. Minha mochila com meu computador, ou seja, eu posso estar em qualquer lugar do Brasil, que eu tenho coisa pra fazer.
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Agora, se alguma coisa sai da minha rota e atrapalha meu plano diário, é nessa situação que você vai me ver de mau humor. Mas eu tento estar preparado para qualquer tempo ocioso. Abriu uma brecha nos afazeres, imediatamente eu me pego pensando como eu posso preenchê-la. O ano só tá começando, eu estou escrevendo isso dia 9 de janeiro, faltam só 355 dias para acabar este 2015. Estou tranquilo, vai dar tudo certo. É só trabalhar, fazer, agir, tomar a iniciativa que não tem erro. E, se não der certo por aqui, vai por ali. Não deu por ali, vai por lá. O que não pode é parar para se lamentar. Eu nem tenho esse tempo. Aliás, na boa, quem tem?