Russo Passapusso e BNegão têm uma história de parceria que extrapola a fronteira dos palcos
O primeiro carnaval do BaianaSystem foi sofrido. “Me lembro das pessoas dando o dedo, xingando, mandando a gente embora. Lembro de ver umas crianças em cima das árvores e pensar ‘os pivetes vão achar legal que eu estou aqui rimando’. Mas eles também me mandaram embora. Foram 6 horas de rejeição, fiquei bem triste”, lembra Russo Passapusso, vocalista da banda. Mas teve um cara que colou junto naquele dia e que, ao contrário dos pivetes, sacou que o lance ali era revolucionário. “Eles vão ser uma banda mundial gigante, maior que o Sepultura. Só que cantando em português. Eu vejo isso claramente”, acredita o carioca BNegão.
Bem antes do fiasco do primeiro desfile do Baiana, ele já tinha sacado a cena da cidade baixa de Salvador e sentido a vibe Brasil-Jamaica poderosa de Russo, que, nessa época, se apresentava com o coletivo de soundsystem MiniStereo Público. “O Russo tinha uma coisa diferente, uma mistura de ritmos jamaicanos com o samba do recôncavo baiano. Eu olhava aquilo e sabia que ali tinha muita coisa”, lembra.
Em 2009, Robertinho Barreto, guitarrista e idealizador do BaianaSystem, trombou BNegão em uma madrugada em Salvador e contou que estava afim de botar de pé um projeto em que a guitarra baiana comandasse em um ambiente de música moderna, misturada com soundsystem, que tem tudo a ver com a parada do trio elétrico. “Trocando ideia, começamos a pensar em quem seria o vocalista. Falei na hora: ‘irmão, vai no Russo porque ele é o cara, tem muito recurso, meio inesgotável’”, conta.
“BNegão falava com o Beto, falava comigo, ele foi um elo. Eu já vinha brigando com a galera porque não queria fazer música jamaicana. Queria fazer simbiose. A minha ideia era misturar derivados de samba com derivados de reggae. Comecei a brincar com o canto falado, em cima do repente com o raga. O arrocha tem a ver com o dubstep, o ska tem a ver com frevo. Começamos a fazer essas misturas no Baiana”, explica Russo.
Com ele no vocal, Barreto na guitarra baiana, Marcelo Seko no baixo e Filipe Cartaxo na concepção visual, o BaianaSystem teve seu batismo naquele fracassado carnaval de 2010. “O Russo conta que só foram trinta pessoas no show aquele dia. Mas é mentira. Tinha zero mesmo”, brinca BNegão. De zero, eles chegaram a 70 mil foliões no primeiro desfile do bloco fora de Salvador, que rolou este ano em São Paulo.
BNegão, testemunha ocular do processo, enxerga no lançamento da música “Terapia”, em 2013, a virada de jogo. “Eles tiveram a sacada de misturar pagodão e arrocha no som, dar uma levada ainda mais popular. E aí estouraram para além do circuito alternativo”, conclui. Depois disso, em 2016, lançaram o segundo disco, Duas cidades (que foi dedicado ao amigo, BNegão). Nele, emplacaram hits como “Lucro” e “Playsom” e se firmaram de vez como gigantes da cena nacional.
Tudo no BaianaSystem é original. Inclusive o jeito de fazer carnaval. “Quando eles começaram, era o auge da corda em Salvador, que já caiu, graças a Deus. Eles foram um dos responsáveis por fazer a parada cair”, diz BNegão. Estar em cima do trio com milhares de pessoas em volta, rolando de tudo, confusão, loucura, briga, amor, é sinônimo de precisar lidar com muita energia fluindo ao mesmo tempo.
“Tenho que escolher quais palavras usar para evitar que a polícia espanque aquelas pessoas, para evitar que as pessoas joguem lata na polícia e a polícia bata mais, que um cara machista passe a mão na bunda de uma mulher e que ela cuspa na cara dele e que ele bata no rosto dela. É muito delicado esse processo do carnaval, a gente sofre muito, é uma carga muito pesada. O BNegão é a pessoa pra quem eu ligo para saber o que dizer, ele é a cura de muita coisa. Tiro das conversas com ele, intuitivamente, o que falar em shows importantes como esses do carnaval, ou no Rock in Rio, por exemplo”, confessa Russo.
BNegão é um cara profundamente espiritualizado e tudo em que ele toca transparece esse sincretismo, das letras de suas músicas ao relacionamento com os amigos. E no caso de Russo Passapusso, a amizade é ainda mais fundamentada no lance espiritual-musical. “Nos shows, a gente não caminha só para catarse externa, mas para a interna também. E essa história é muito guiada por BNegão. Ele traça com a gente onde é que queremos chegar. É produtor, músico, compositor, tem um discernimento com a palavra. Em todos os momentos, sem exceção de nenhum, em que foi fundamental ter postura, espiritual e social, a gente falou com ele. Todos”, diz Russo.
Apesar de estar diretamente relacionado à áurea otimista do Baiana, BNegão se surpreende sempre com a força da banda. “Eles são a própria revolução, a própria mudança de atitude. Eu vim de uma onda diferente, com mais raiva, mais rock. Os shows do Planet tinham isso. Eles chegam com a energia foda do amor, uma parada que é emocionante. No show deles você pula abraçado, não existe tomar uma cotovelada. Fazer isso na multidão é foda. Não tem confusão, a não ser a causada pela polícia, infelizmente. Mas eles conseguiram revolucionar também isso. Fizeram reunião com o comando policial e, se tudo der certo, vão conseguir mudar uma postura que está aí desde que o mundo é mundo”, diz.
Muito da força de transformação que o Baiana tem exibido vem do carisma de Russo no palco. Ele se expressa, se comunica, se faz entender, estabelece a ponte. Mas não foi sempre assim. “Foi o BNegão que pegou minha mão e falou: ‘quando você vai rimar, você rima assim. Quando você for cantar o refrão, faça assim’. Levantou meu cotovelo e botou minha perna para frente. Aquele simples gesto mudou minha vida. Hoje eu sou esse cara no palco, que pula, derrubo tudo, vou para qualquer lado e quebro a quarta parede”, conta Russo.
Antes de se encontrar em seu som e em sua performance, Russo era Roosevelt Ribeiro de Carvalho. Quando trocou o recôncavo pela capital baiana, se envolveu com música de várias formas diferentes e uma delas foi como repórter de uma rádio comunitária, em que trocava ideia com artistas que passavam pela cidade. “Depois que a gente estava irmãozasso, um dia falei pro Russo ‘que maneiro que a gente se conheceu no MiniStereo Público e tal’. E aí ele falou que não foi lá que a gente se conheceu. E disse: ‘A parada é a seguinte: lembra uma vez que um cara que foi te entrevistar, em 2002, 2003? Era eu!’.” O nome era outro, a barba e o cabelo também. Mas a conexão entre os dois já estava ali. “O BNegão caminha por todos os cantos, misturando tudo, e essa é a grande importância dele. Ele nunca levantou muito troféu disso, porque ele não é o cara de levantar troféu. Mas sempre o vi como um diplomata. Ele pega as energias boas e vai trazendo, distribuindo”, agradece Russo. Saravá!