Bacanal de sentimentos
O rapper baiano Baco Exu do Blues grava seu terceiro disco, com participações especiais de Duda Beat, Kiko Dinucci, Ney Matogrosso, Hamilton de Holanda, BK e Urias
Baco Exu do Blues está chegando ao fim – ou pelo menos é assim que ele se sente ao concluir seu terceiro disco, que deverá ser lançado nos próximos meses. Gravado em duas semanas no estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro, o novo álbum encerra a trilogia de entidades que batizam o jovem rapper baiano de 23 anos Diogo Moncorvo. Depois das conexões africana e norte-americana dos discos Esú (2017) e Bluesman (2018), ele agora reverencia o deus grego do vinho Dionísio, cujo nome romano é seu prenome de rapper.
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““Se eu fiz dois discos em nove meses, o que eu posso fazer um em duas semanas?””
Baco Exu do Blues
“Eu tava meio desanimado com a música e, apesar dos lugares pra onde o Bluesman me levou, estava de saco cheio”, conta Baco, depois de mostrar o disco em primeira mão para a Trip, num estúdio em Perdizes, São Paulo. “Tô numa situação confortável, podia seguir o próximo ano tranquilamente trampando com esse disco, mas aí tive um estalo, que eu queria fazer uma coisa que poderia me levar no limite como músico, saca?” Sem título definido, o álbum sempre teve a intensidade do deus Baco como régua e foi isso que o obrigou a tirá-lo a fórceps, compondo quase tudo no mesmo período em que estava gravando e mixando.
“Achei que era hora de dar um foda-se a tudo: foda-se como o público vai pensar, o que a imprensa vai pensar, quis me desafiar a só fazer música. E eu tava vendo aqueles vídeos dos Novos Baianos, de todo mundo numa casa produzindo sem parar, vivendo e respirando música, uma entrevista do Tom Zé também, os Mutantes também viviam assim…”, ele continua, falando em público a primeira vez sobre o disco. “Queria ter essa vibe de fazer música só por fazer música.”
“Se eu fiz dois discos em nove meses, eu posso fazer um em duas semanas?”, pergunta-se. “Tenho um ritmo muito acelerado. No começo, a ideia era fazer um EP com os moleques da 999 [os rappers de seu selo, Vírus, Celo Dut e Young Piva], eu queria que eles tivessem uma experiência de estúdio antes de gravarem. Aí eu pensei em fazer o disco e eles estariam junto, acompanhariam tudo, todo o processo de composição e gravação, e funcionou de uma forma muito louca. Eram quatro ambientes e os quatro estavam ocupados o tempo todo. Enquanto tava sendo gravada uma parada, outro tava fazendo um beat em outro lugar, fazendo melodia no piano, escrevendo. A gente teve, nessas duas semanas, cada uma das vinte quatro horas de cada dia dedicadas ao disco. Dormia cinco da manhã, acordava às dez e já gravando.”
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O disco, ainda sem título, começa e termina musicalmente leve, flertando com cordas e jazz para concentrar fogo em seu miolo, com músicas como “Bacanal” (que tem a participação da cantora mineira Urias) e o épico de dez minutos “Exu is King”, em que Baco anuncia que vai “matar o seu Messias”, apontando o dedo para o presidente da república numa frase em duplo sentido, acenando para o Jesus is King, de Kanye West, ao mesmo tempo em que convida Kiko Dinucci para incendiar o terreiro da parte final da música. O álbum ainda conta com várias outras participações especiais: Duda Beat, Ney Matogrosso, Hamilton de Holanda e o rapper BK, por exemplo. "Foi uma experiência mágica para mim. Sabe quando você passa a vida inteira torcendo para alguém te chamar para gravar junto? Pronto, era ele", conta Duda.
“Eu nunca fui de querer puxar participação com outros artistas pra aumentar público, eu faço minha arte pra chegar nas pessoas. Acho que chegou o momento de querer compartilhar com artistas que eu admiro e que já têm um certo nome. E foi foda, porque quando você conhece a pessoa com a intenção de fazer música não tem como esconder as coisas. A música é muito sincera, ou é ou não é. E se a energia não batesse, eu ia ter que tirar música e fazer outra parada. Mas graças a Deus todo mundo que colou teve uma energia muito foda.”
Ele lembra que o processo de composição foi quase todo dentro do estúdio. “Eu só tinha duas paradas mais ou menos prontas: o refrão de ‘Isso é o Limite’, que é a primeira música, e muita coisa da ‘Aceitei’”, Baco continua. “Quando a Duda chegou lá, a gente tava querendo escrever uma música nova. Eu tava muito nessa vibe, de receber um convidado e fazer tudo do zero, mas quando ela chegou, eu disse que tinha um bagulho pra mostrar que eu achava que era a cara dela. Falei: ‘A gente pode começar uma música do começo ou fazer essa’. Aí eu mostrei e ela 'aaaaah, quero muito fazer essa música!'”
Entre as participações que não conseguiu fazer, ele lamenta a ausência de Liniker para o disco – as agendas não batiam. Baco considera a cantora “a pessoa por quem eu mais me sinto mais representado”.
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Mas, segundo o rapper, o principal tema do disco talvez seja o seu fim. Ele tem ideia de um novo rumo que quer seguir, mas desconversa – só reforça que está fechando o ciclo que começou há três anos. A relação de amor e ódio com o showbusiness o faz pensar em abandonar a música e várias canções podem ser entendidas como despedidas. Faixas que cantam relacionamentos se referem à sua conexão com a música e com o mercado. “Teve uma nesse álbum que eu chamei de 'A Morte de Baco Exu do Blues', porque era um bagulho tão sincero que, se saísse, todo mundo ia saber muita coisa minha. Achei melhor guardar”, desconversa de novo. “É que meu processo é muito de entrega. Quando não é, dá pra perceber. É sobre minhas revoltas, minhas dores de relacionamentos, sobre tudo... É um bacanal de sentimentos, uma grande suruba de emoções e ritmos. Eu digo que o começo do disco é o fim, e durante todo disco eu tô meio que dando adeus. O final do álbum fala muito disso, sobre o término de alguma coisa que eu já sei o que é mas não posso falar.”
Créditos
Imagem principal: Filé com Fritas