por Luiz Alberto Mendes

 

Você sabe o que é uma cadeia? Você sabe o que estar preso em um espaço contido tendo por inimigos aqueles que ali estão para tomar conta de você? Sabe o que é ver em teus companheiros de sofrimento uma ameaça contra você e sua vida? Já viu alguém ser morto com facas e espetos improvisados? A ferramenta atravessando o corpo e rasgando tudo pela violência, pelo ódio contido no ato e retinindo na calçada? Você sabe o que é não poder dormir porque tem um ou mais inimigos no xadrez onde você mora, sua casa, sua moradia por anos? Com um pedaço de ferro, só com uma ponta, seu medo e sua coragem para defender sua vida? O desespero, o mundo sem amor, sem carinho, só ódio destilado de cada olho vermelho que te fita? Sabe o que é olhar em volta e só ver possíveis inimigos? Pessoas que podem te estraçalhar, até separar sua cabeça do corpo por nada, para apenas dar vazão à dor que sentem? Sabem o que é aguardar o choque da PM de armas embaladas invadir a cela que habitas e te olharem como se olhos matassem? Sentir a coronha de suas armas abaixando sobre tua cabeça, teu corpo, com toda força e velocidade e não poder fazer nada, nem se esquivar? Sabe o que é estar contra a parede e esperar as balas atingirem seu corpo várias vezes e nada poder fazer senão receber e esperar que sejam  de borracha? E a dor, a dor que não é do corpo porque você já não sente, a adrenalina te consome, a dor da alma que grita sem voz dentro de você? Sabe o que é ser manietado, amarrado e torturado a choque elétrico ou afogado em barris de água? Ser pisado, quebrado, algemado e ter a bota fatal em seu pescoço? Sabe o que é ser transportado em um cofre de aço que joga você para os quatro cantos, ferido todas as pontas de seu corpo e deixando tudo em carne viva? Sabe o que é quatro ou cinco homens armados de cano de ferro te espancando todos de uma vez, cheios de raiva, ódio, ao ponto de se entre acertarem, na gana de te ferirem? Já viu o sadismo escorrer de bocas espumando de robocops policiais, ensandecidos de ódio de você e você nem sabe porque? Já se viu correndo desesperado como rato para escapar de tiros que vêm nem se sabe de onde e que vão derrubando companheiros ao teu lado? Ver homens caídos, ensanguentados, sem saber se mortos ou ainda vivos, à sua frente e ter que pulá-los? E, sem querer, pisar em uma poça de sangue, escorregar e se lambuzar todo do sangue alheio? Conhece o adocicado, gosmento e nauseabundo cheiro de sangue? Sofreu esse massacre constante por mais de 30 anos?

E ainda tem preconceito contra mim, ainda quer me sacrificar quando consegui atravessar e sobreviver a tudo isso e chegar aqui fora, vencendo o ódio, as neuroses de guerra (porque foi uma guerra) e sendo capaz de conviver com você? E acha pouco, julga que além disso tudo eu devia estar morto. Nem imagina a luta desesperada que foi para conservar minha sensibilidade, a minha capacidade de amar para ser igual a qualquer pessoa comum. Além de haver crescido, aprendido, assumido meus erros, sofrido minhas consequências e estar vencendo nesse mundo cruel de preconceitos que você inventou para mim. Estou a mais de 10 anos lutando, tendo seu preconceito a me barrar, e me impedir; abrindo brechas e me inserindo e sendo reconhecido por outros mais sensíveis que você. Estou aqui suando a bicas, tentando explicar o inexplicável, porque você não sabe o quanto sofri e sacrifiquei para poder alcançar você. E sem a mínima vontade de revanche; ainda encontro os que me sacrificaram nas ruas e os olho com  piedade: estão velhos, carcomidos pelo ódio, derrotados. Não me perdi no desespero da revolta. Não me deixei vencer pelos preconceitos, impedimentos e barreiras que me são impostos diariamente. Não me sinto humilhado quando recusam um livro meu. Não destilo ódio, sequer raiva. Estou é louco para abraçar e ser abraçado, amar e ser amado. Quero fazer poesias que surpreendam pela profundidade, escrever textos que tentam alertar e discutam o que não foi discutido antes. Triste, sim triste, angustiado e ainda sofrendo os males e marcas de dores que carrego. Mas sem culpar ninguém a não ser eu mesmo.

Desculpem-me, é apenas um desabafo necessário para poder continuar carregando o fardo na vida que segue.

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Luiz Mendes

20/03/2015.

                                            

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