Novela no sangue

por Redação
Trip #237

Trip pediu para Mario e Antonio Prata que trocassem perguntas (e respostas) sobre novela

Em 1976, Mario Prata escreveu Estúpido Cupido, a última telenovela gravada em preto e branco no Brasil. Seu filho, o cronista Antonio Prata, foi um dos roteiristas do folhetim de maior sucesso recente entre nós, Avenida Brasil.

 

 

Mario > Antonio

Mario Prata. As telenovelas darão lugar às séries no Brasil?
Antonio Prata. Acho que não. A meu ver, são coisas diferentes que não competem pelo mesmo espaço. Novela é um produto diário, de massa, série é um produto sazonal, de nicho. Mesmo nos EUA, Sopranos e Breaking bad são mais fenômenos comportamentais do que de Ibope. Dão 6 ou 7 milhões de telespectadores por episódio, uma vez por semana, durante três meses do ano. (Em parte, aliás, é isso que os faz ser tão ousados e geniais, podem se dar ao luxo de falar com relativamente poucos.) Já um capítulo de novela, no Brasil, chega a dezenas de milhões de espectadores, seis vezes por semana, oito meses por ano. É fato que o Ibope da TV aberta vem caindo. Isso irá se estabilizar? Não? Sei lá, o futuro a Deus pertence. Ou, no caso de as novelas acabarem e eu perder meu emprego: adeus, pertences.

Você não acha que as séries brasileiras são uma cópia das americanas e inglesas? Não – infelizmente. Para copiarmos os americanos e ingleses ainda temos que comer muito feijão com arroz. E não só no roteiro e na direção, mas na produção. Uma temporada de 13 episódios de séries como Sopranos, Mad Men, Breaking Bad; ou as de humor como Seinfeld, Friends, 30 Rock, é escrita por dez pessoas, durante um ano. São pessoas que só fazem isso e ganham suficientemente bem pra só fazerem isso. Aqui no Brasil, na maioria dos casos, neguinho te chama pra conversar, oferece pouco dinheiro e pede 13 episódios pra daqui a três meses, com duas ou três pessoas na equipe.

Queria que você falasse sobre o aprendizado com o diálogo, a ação e a emoção numa telenovela. Pretende
usar isso como? Numa telenovela sua, numa série, num romance? Acho que meu aprendizado de roteiro (que está longe de terminar) já vem mudando a minha prosa. A maneira de pensar histórias – mesmo os microenredos de uma crônica –, a forma de criar suspense, de construir uma piada. Agora, responder como pretendo usar esse aprendizado é meio como responder o que pretendo escrever até o fim da minha vida – que será aos 156 anos, num acidente de asa-delta. Sei lá. Quero fazer filme, novela, romance, conto, crônica, série... Só poesia (e asa-delta) é que não, por total e completa inaptidão (apesar da rima –
involuntária – desta última frase).

O que você gostaria de fazer na televisão? Uma série de humor, tipo Louie (do americano Louie C. K.) ou 30 Rock, com uma equipe grande e um ano pra escrever 13 episódios.


Antonio > Mario

Antonio Prata. Como você aprendeu a escrever pra TV?
Mario Prata.
Em 1968 e 1969 vi todas as peças em cartaz em São Paulo, algumas mais de dez vezes. E assim fui conhecendo os textos, os autores: Guarnieri, Lauro Cesar Muniz, Plínio Marcos, Leilah, Consuelo de Castro, Zé Vicente, Fauzi Arap, Paulo José. Comecei a jantar com esse povo no Gigetto. Tinha 22, 23 anos. Publiquei um livrinho de contos, mimeografado. E todo mundo falando que o meu diálogo era bom. Em 69, escrevi uma peça, Cordão umbilical. Eu nunca havia lido nada de teatro. Conheci o Bertolt Brecht só porque a Censura Federal havia mandado prendê-lo! Aí, sim, me interessei e comecei a ler peças e livros sobre teatro. Em 1973, 1974 eu fazia uma peça de teatro – como ator – com a Regina Duarte, que me convidou para escrever um Caso especial para ela. A princípio, a Globo não topou fazer. Mas, por sorte, o Ziembinski, que na época era diretor por lá, leu o texto e – dizem – deu uma porrada na mesa e gritou: “Contratem esse cara!”. Eu só tinha visto uma novela, dez anos antes: Beto Rockfeller. Fui aprendendo enquanto escrevia. A única pessoa que me dava dicas era o Boni.

Com Estúpido cupido, muito rápido, você ficou famoso. Um dia você morava em Lins, no outro o Caetano te tietava na pizzaria Guanabara. Como foi isso? Você não pode se esquecer de que dez anos antes do Estúpido cupido eu ainda morava em Lins, interior de São Paulo, mas o Caetano também estava saindo de Santo Amaro da Purificação, interior da Bahia. Os tempos eram outros. A gente estava fazendo 30 anos. Claro que foi legal o que o Caetano me disse, e eu nunca esqueci. Mas era normal. Se fosse o Jorge Amado minhas pernas teriam tremido.

Se você tivesse crédito ilimitado, todos os atores/atrizes que quisesse, tempo pra escrever um roteiro: que história escreveria? Com essa grana eu ficaria um ano inteiro num quiosque em Paris e/ou Barcelona, pensando. Se necessário, mais um ano. Um bom filme depende de uma ideia certeira. A maioria dos filmes brasileiros peca pela ideia inicial, que é sempre a primeira. E a primeira nem sempre é a melhor. As sérias brasileiras não são ruins por causa dos roteiristas, mas sim por causa dos produtores: muita pressa e pouca grana.

Que dicas você daria a um jovem roteirista? Uma boa história não precisa de esquemas. Procure assistir às atuais séries suecas e dinamarquesas e às da BBC. Leia muitos livros policiais bons. Um bom livro policial é sempre um roteiro vivo. A dramaturgia dos livros policiais é uma aula. E ainda: leia as 16 peças do Nelson Rodrigues e todos os seus romances. Isso sim será uma alta ajuda. O Nelson é o avô e pai de todos os roteiristas brasileiros.

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