Festival carioca coloca sonoridades obscuras em evidência
Quando Caetano Veloso escreveu “Quem lê tanta notícia?” em "Alegria, Alegria", talvez não imaginasse que, anos depois, o trecho da sua canção pudesse ser substituído por “Quem ouve tanta música?”
Pode-se arriscar dizer que nunca antes tanta música foi produzida, distribuída, compartilhada e consumida no mundo. Nesse mar de sons, há espaço para tudo, inclusive para o menos ortodoxo, como produções vanguardistas ou experimentais - a chamada música avançada.
Para Chico Dub, esse título não serve, mas também é imprescindível. “Acho importante se diferenciar de outros festivais por aí”, diz ele, curador e diretor artístico do Novas Frequências, festival que acontece na primeira semana de dezembro, no Rio de Janeiro.
Dedicado a sonoridades pouco usuais, mesmo para quem não consome apenas música pop, o evento chega a sua terceira edição com algumas diferenças. Dessa vez, haverá mesas de discussão e uma festa com alguns dos artistas escalados.
O lineup, contudo, segue a ideia de ineditismo, tanto na criação dos artistas quanto na sua representatividade para olhos e ouvidos do público brasileiro. “A questão da vanguarda é de artistas que, de alguma forma, querem mudar o status quo da música pop”, diz Chico.
Veja abaixo a conversa que tivemos com ele.
Trip: Música de vanguarda, música avançada, experimental. Esses rótulos funcionam?
Chico Dub: Não é nem um rótulo. Não é um gênero. Sob ele vocês tem outros gêneros. Ao mesmo tempo existe a discussão se existe isso ou não. Acho importante se diferenciar de outros festivais por aí. Acaba sendo válido. Ele precisa entrar dentro de uma categoria e se você não criar essa categoria o público não vai entender. Entendo que é um guarda-chuva, mas você precisa disso. Por ser um festival pequeno de norte estabelecido o público compra ou não compra. A questão da vanguarda são artistas de alguma forma querem mudar o status quo da música pop. São artistas muito preocupados em criar uma linguagem, criar uma identidade sonora. Pode ser um artista mais ligado a música eletrônica, como o Milles, mas pode ser algo mais ligado ao jazz, como o São Paulo Underground. O festival tem sempre essa preocupação de trazer artistas que não tocaram aqui. Ou você viu o cara lá fora ou você não viu.
Existe público no Brasil pra esse tipo de música? O Novas Frequências tem dado muito certo em termos de público. Esse DNA do Novas Frequências está carente no Brasil. Essa época do ano também contribui, porque não tem nada acontecendo. E como no Rio, ao contrário de São Paulo, tem uma questão difícil em relação a cena, o pessoal fica falando meses atrás de um evento como esse. Esses fatores acabaram ajudando o festival, que é de pequeno/médio porte. Tem uma parcela de público, com uns vinte e poucos anos, que é uma galera muito mais propensa a sair a noite e tomar um choque. São pessoas mais abertas a experimentações em todos os sentidos.
E existe produção desse tipo de música no Brasil? Vejo uma galera muito jovem fazendo esse tipo de som. A médio prazo, você já vê festivais novos, artistas produzindo e lançando selos de música online. Alguns até mesmo se aventurando em festivais lá fora, como o Psilosamples em Barcelona. Você vê uma cadeia se formando com dificuldade, mas é um começo. Ainda vai demorar a virar algo como na Europa e nos Estados Unidos, mas vejo isso com bons olhares. Tenho trocado mensagem com pessoas de fora e o que talvez falte para essa turma é se embalar. Fiquei muito espantado com a repercussão do Hy Brazil [coletânea de novos artistas da música eletrônica brasileira criada por Chico Dub]. Você precisa se apresentar. Mandar email pro selo. As coisas não são tão complicadas, mas realmente precisa de uma apresentação, de um carinho.
Como funciona o trabalho de um curador? Hoje a gente vive esse boom da curadoria. No momento em que você tem um blog, faz uma mixtape ou que você publica algo no seu Facebook você já tem uma curadoria. Potencialmente todo mundo é curador, editor ou artista. Mas em relação a um objeto específico, como no caso do festival, você tem que entender muito bem para o que é essa curadoria, qual o tamanho desse evento, para quem é esse evento. São patamares diferentes, tamanhos diferentes. Não existe criar um evento para satisfazer seu ego. Você não pode esquecer de público, patrocínio, local. Curadoria é um pouco isso. Não existe uma lista de nomes no Word.
O que mudou do último festival até esse? Uma mudança significativa é o aumento considerável do número de artistas. Mas a mudança principal são os novos espaços agregados ao festival: o La Paz, um clube de dança, e o Pop, um espaço de troca de pensamento. A gente está com festa, palestra e show. Esses espaços estão interligados. Os shows do Oi Ipanema são shows intimistas, sentados, mas já ouvi comentário de gente querendo festa nas outras edições. E também temos um espaço para discussão de música e comportamento nos dias de hoje. Esses artistas que participarão são artistas complexos com níveis variados de pesquisa. Acho interessante colocá-los numa sala para contarem o processo de criação. Essa ideia pretende ganhar corpo nos anos seguintes. Espalhar os espaços de música de vanguarda e novas tendências. Acredito nessa história de criar uma coisa específica para um lugar. Você não pode pensar numa parada maneiríssima e não pensar no lugar.
A programação completa do festival pode ser vista no site.
Vai lá: Festival Novas Frequências
Onde: La Paz, Oi Futuro Ipanema e POP - Rio de Janeiro, RJ
Quando: de 30/11 a 8/12
Quanto: de R$ 10 a R$ 40
www.facebook.com/novasfrequencias
