Eu como uma deusa

por Arthur Veríssimo
Trip #184

Arthur Veríssimo passa uma tarde dividindo o microfone com Rosana e Serguei, numa boa

Nosso repórter excepcional convida o roqueiro Serguei, já quase seu assistente oficial, para uma tarde de karaoke com a diva Rosana, em plena Feira de São Cristóvão, no Rio. Na pauta, os segredos dos corpos em eterna transformação de dois sobreviventes do pop-rock nacional

Imagens de diversas deusas entrelaçavam meus pensamentos. Estou em um quarto de hotel numa tarde calorenta em Copacabana. O telefone toca. Saio do transe. Uma voz diz: “Querido, estou aqui”. Estava conectado. Uma força estranha me desloca. Chego à calçada e não vejo nada, quando, de um pequeno veículo, a voz reaparece: “Venha comigo, Arthur”. Estou lado a lado com a essência de Lakshmi, Parvati, Isis, Iansã e Gaia. Cruzando o Rio rumo à Feira de São Cristóvão, como convidado da Deusa. Nossa conversa era deliciosa. Aquecimento global, beleza, 2012, simulacros políticos, néctares, música e Lilith. Rosana “Como uma Deusa” Fiengo, sorry, Rosana pilota o bólido com destreza.

Sua nobreza é incontestável. Iniciou com 13 anos como cantora na banda Casanova’s. Seu pai, Aldo Fiengo, era líder do Combo, que tocava o mais cascudo rock’n’blues no Brás, em São Paulo. Pergunto sobre o seu retorno, mas a música na rádio interrompe. “Loving you” surge como prova incontestável do revival da Fênix. Número 1 nas FMs do Rio, a música de Minnie Riperton na voz de Rosana é tema da novela global Caras e bocas.

Com muita cautela pergunto à Deusa sobre o enigma de sua idade. Imagine um simples mortal questionar a longevidade dos deuses... a voz reverbera: “Parei de falar sobre minha idade. Canseeeei! Alguns dizem que tenho 30. Outros malucos, 60. Então tenho a idade que você quiser”.

“O artista merece respeito, e sua arte é a mais pura magia.” Seu rosto me intriga, tento decifrá-lo. Sou fulminado por um olhar que, por pouco, pouco mesmo, não derrete minha consciência. Pergunto à Deusa como é seu dia a dia no Olimpo. Ela solta uma gargalhada e faz troça com este humilde vassalo: “Querido, adoro nadar e fazer musculação. No mínimo três vezes por semana. Sem o corpo não somos nada. A mesma máquina que você ferra hoje, irá precisar amanhã. Não cuidar do corpo é desrespeitar o que Deus te deu”. Ela capta meus pensamentos e emenda: “Danadinho, sei o que você quer”. Não há como enganar uma Deusa. “Quer saber qual a parte de que mais gosto do meu corpo? Minha cintura é divina. Minhas medidas são: 98 de busto, 63 de cintura, 102 de quadril, calço 36 e, ahhhhhhh, uso sutiã meia taça. Tá bom assim?” Sim, Deusa.

Serguei abraça Rosana com o mesmo carinho que enlaça seu amado jatobá em Saquarema

Magia negra, sedução
Ela pergunta por que vamos à Feira de São Cristóvão. Não disfarça, Deusa, você sabe. Vamos a um karaoke, com Serguei. “Arthur, Serguei é mito, um ícone. Uma pessoa com um legado maravilhoso. Extrovertido, feliz.” Procuro a calle Paraíba, entre as alamedas da feira. Rosana está animadíssima.

Serguei está espevitado, sacode a juba e nos abraça com fervor. Sou fã de carteirinha desse pansexual. Reverencia a Deusa e declama: “Rosana, você é espetacular. Sua voz é belíssima. Outro dia te escutei cantando ‘Summertime’. Fiquei de cara!”.

O karaoke de São Cristóvão é cheio de bossa. A cabine do DJ é recheada de bonecos Falcon. É a primeira vez de Serguei e Rosana juntos. Aquecemos com “Born to be Wild”. Os trinados ecoam pela feira. Serguei dá um parafuso no ar e engata “Dazed Confused”, do Led Zeppelin. Uma série de outras músicas imortais deságua pelas vozes das duas eminências. O karaoke é invadido por uma pequena multidão de devotos, e a plateia vai abaixo com “O amor e o poder”: “Como uma Deusa, você me mantém/ E as coisas que você me diz, me levam além/ Aqui nesse lugar não há rainha ou rei/ Há uma mulher e um homem, trocando sonhos, fora da lei”.

Rosana precisa partir. A saideira é “Move Over”, Janis Joplin. Serguei serpenteia, cai, levanta e se joga. Abraça Rosana com o mesmo carinho que enlaça seu amado jatobá em Saquarema. Acompanho a Deusa até o estacionamento e beijo sua bochecha na despedida. A música na sombra, o ritmo no ar, um animal que ronda, no véu do luar. Eu saio dos seus olhos. Eu rolo pelo chão. Feito um amor que queima, magia negra, sedução.

Vai lá: www.twitter.com/verissimoarthur

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