Walter Casagrande Jr. 39, já teve imagem de doidão, mas hoje é um pacato pai de família. Leia entrevista com o ex-jogador e comentarista esportivo na íntegra
“Eu não chuto”. De achismos, ele quer distância. Walter Casagrande Jr. 39, já teve imagem de doidão, mas hoje é um pacato pai de família. De ídolo corinthiano nos anos 80, virou um comentarista ponderado, que não torce “pra time nenhum”. Sempre politizado, porém, não perdeu a precisão de matador: afirma que jogador de futebol “não bota a cara pra bater”, diz que “não convocaria o Romário” e considera José Serra “um jogador lento”. com a palavra, um craque — dentro e fora das quatro linhas da TV.
Um gol é um fato cristalino. No instante em que a bola cruza a linha e se aninha na rede, não há discussão. Certo? Errado. O paulistano Walter Casagrande Júnior, 39, que já foi um especialista na exata ciência de marcar gols, mudou de lado e hoje faz golaços na Rede Globo na nada exata arte de comentar futebol. Todo comentarista é sujeito às vaias dos telespectadores e aos desmentidos do futebol ao vivo, mas, na simpatia, Casagrande vem mandando bem — para público e crítica.
Filho de um caminhoneiro e de uma dona-de-casa, o popular Casão nem concluiu o segundo grau. Não teve tempo: logo aos 17, ascendeu ao futebol profissional, na Caldense (MG); aos 19, já era campeão, no mítico Corinthians de 1982. Um esquadrão que, liderado pelo gênio Sócrates, encontraria sua vocação para a história com a “Democracia Corinthiana”, movimento que defendia as eleições diretas e quebrava regras no clube: os próprios jogadores decidiam quando fariam concentração, e sair à noite não era pecado. A visibilidade política também rendia jogadas em outras áreas. No palanque com Lula, Ulysses Guimarães e FHC, Casa também dividiu as telas com Carla Camuratti, Vera Zimermann e Regina Casé em filmes como Onda Nova e Procuro uma Cama — numa época em que as fãs não saíam de sua chuteira 44,5. O assédio só foi estancado quando Casagrande pirou em Mônica, professora de educação física, mãe do palmeirense Victor Hugo, 16, do são-paulino Ugo Leonardo, 12, e do santista Symon, 9. Todos devidamente escondidos pelo comentarista em sua casa em Alphaville: “Em casa não entra jornalista”.
O desajeitado centroavante de 1,91 m e “2,5 ou 3,5 graus” de astigmatismo ostenta marcas de responsa. Cravou cerca de 300 gols (“nunca contei”), conquistou dois campeonatos paulistas (1982-83), uma Eurocopa (Porto, Portugal, 1987) e uma Copa da Itália (Torino, Itália, 1993), encerrando a carreira no Corinthians, em 1993. De lá para cá, o ex-jogador se aproximou do universo roqueiro e começou a trocar passes com o finado titã Marcelo Fromer, seu colega no Piloto, programa que apresenta na Transamérica FM. Apaixonado por música e sonhando cursar jornalismo, está lendo Mate-me Por Favor, livro de Less McNeil e Gillian McCain sobre o movimento punk. Não conquistou independência financeira na Europa, mas vive confortável com o salário global, cerca de R$ 30 mil. Comentando jogos na Rede Globo há cinco anos e há oito meses assinando uma coluna no Estadão (iniciada no fatídico dia 11 de setembro: “minha contribuição para a queda do império”, brinca), o ex-atacante irreverente firma-se hoje como um rebelde com causa. Um comentarista equlibrado, de opinião convicta.Pouco antes de cair no saquê na Copa Japão/Coréia, entre uma pint escura num pub dos Jardins e um chopp claro num restaurante da zona oeste, o ex-ídolo alvinegro falou à TRIP sobre futebol, sexo, drogas, TV, política e rock’n’roll. Suas opiniões são veementes como gols. Direto, Casa pensa, diz — e assume o que pensa. Zidane, Owen, Figo, Ortega, Ronaldinho? Nada. Essa Copa é de Casagrande.
Quem ganha a Copa do Mundo? Se não se cruzarem antes, Brasil, Argentina, Itália e França vão às finais. Talvez Inglaterra e Camarões também. Qualquer um desses seis pode ganhar. Mas colocaria a França dois degrauzinhos acima, porque não joga de salto alto.
O Brasil jogou de salto alto em 1998? Porrrra! [Enfático.] Nunca vi tanto jogador viajando na fama. O Roberto Carlos, hoje mais contido, em 1998, em roda de jornalista, chegava e mostrava o relógio: “Tenho um apartamento no pulso. Não sei como vocês no Brasil conseguem viver com menos de 10 mil dólares”. O defeito do jogador brasileiro é esse. O Ronaldinho disse: “Quero voltar a ser o melhor do mundo”. Muita pretensão. Às vezes a cabeça deles funciona para eles mesmos.
Você teria convocado o Romário para a Copa do Japão/Coréia? Não acho que o Romário tivesse mesmo de ir à Copa. Joga parado, mãos na cintura — em 90% dos gols está sozinho na área, a bola sobra e ele mata. Pra sobrar bola na Copa é difícil. Vem um negão de Senegal motivado, não vai sair de cima do Romário. Felipão está certo.
Em 1993, você vivia seu melhor momento da carreira. Mas o Parreira não te convocou. Como foi viver essa frustração, parecida com a do Romário? Depois que saí da Seleção em 1986, nunca mais voltei. Em 90, o Lazaroni fechou o grupo e me excluiu. Já 1993 foi mágico para mim. Teria o jogo Brasil X Milan, na Itália, tinha certeza de que seria chamado. Mas Parreira preferiu o Careca. Opção dele, nunca me senti injustiçado.
Conhece essa história de que o Romário teria tido um rolo com uma aeromoça antes do jogo contra o Uruguai [a primeira e última vez que Scolari o convocou]?Isso quem falou foi o [comentarista Jorge] Kajuru, não posso afirmar. Mas, viajando que a hipótese seja verdadeira, Romário foi muito burro: passar com mulher na frente de jornalista? De graça, bateu de frente com o Felipão, que se sentiu desafiado.
A tristeza que ele demonstrou pedindo a convocação procede? Jogo. Vendo de fora, achei oportunismo. Posso estar errado, mas não me pareceu muito real.
Por que você não jogou bem em 1986? Treinei demais, estava tão empolgado com a Copa que treinei nas férias, e quando cheguei ao México entrei em declínio físico. Stress não tem jeito.
O mesmo que aconteceu com o Ronaldinho em 1998? Com ele foi stress emocional. Agora, está tudo a seu favor. Ele saiu de um monte de contusões e quer arrebentar. Sei o que é isso: operei 7 vezes o joelho direito e 5 o esquerdo, quebrei perna, rompi 2 ligamentos do tornozelo, semilunar do punho — sei como é. Agora, o Ronaldinho zerou: se não se machucar, vai subir.
Quem mais vai explodir? Michael Owen, da Inglaterra... Beckham deu azar de se contundir, mas é um puta jogador. O Figo é grande só no Real Madrid, contra o Brasil não jogou. Aliás, com Portugal e Espanha não acontece nada.
Qual sua seleção titular? Minha escalação pessoal é muito semelhante à do Felipão. Como a de todo o mundo, aliás. O maior crítico do Felipão só mudaria uns 5 jogadores dentre os 23. Meus titulares seriam: no gol, qualquer um entre Dida, Marcos e Rogério; Cafu, Lúcio, Anderson Polga e Roberto Carlos; Emerson, Kleberson, Kaká e Ronaldo Gaúcho; Ronaldo e Rivaldo.
No auge do futebol-arte, 1982/1986, havia jogadores que se destacavam por suas opiniões fortes, o que contrasta com o discurso um tanto vazio dos jogadores de hoje... Às vezes o jogador se faz de trouxa, não quer entrar em polêmica. O lance é ganhar grana pra caralho e foda-se. Na minha época, vínhamos de fim de regime militar. Não podíamos fugir da raia.
Hoje, haveria espaço para uma outra “Democracia Corinthiana”? Teoricamente, vivemos numa democracia. Mas, agora, que podemos falar, falamos qualquer coisa. A Democracia surgiu para lutar por espaço dentro do regime militar. Foi uma coisa mínima, mas demos fôlego para aqueles que lutaram anos e anos, e estavam, talvez, desgastados para a briga — fomos lá tomar porrada, como a turma da emergência [ri]. Antigamente você sabia quem era o torturador, o matador. Hoje não tem um alvo. Talvez o inimigo seja o dinheiro, que confunde os valores das pessoas.
Hoje, qualquer cabeça de bagre ganha por mês o que você ganhava num ano. Sente um pouco de injustiça nisso? Podia ter ganho mais, mas o que ganhei dá pra segurar e seguir trabalhando. Batalho por reconhecimento. Conheço muita gente que, envolvida com grana, perdeu seus valores. Não quero ser escravo do dinheiro.
Qual é sua opinião sobre o sindicato dos jogadores de futebol? Jogador de futebol não quer união, não bota a cara pra bater. “Pra quê? Pra foder o meu time e não ganhar mais minha grana?”
Embora tenha vestido sete camisas, você foi muito identificado com um clube. Mas hoje é cada vez mais difícil um jogador fazer parte de uma só torcida... Não há mais ídolos. Hoje o torcedor vai torcer pelo clube. Isso acaba com o romantismo. Essa falta de paixão vai se perder também no torcedor. Pode ser ruim para o futebol.
Os sete anos de Europa te trouxeram independência financeira? Não. Mas tenho condição de fazer rádio e jornal e não ganhar nada. Só não abro mão é de meu salário na Globo.
Quanto você ganha lá? Uns 30 paus, mais ou menos.
No que mais gasta? Em viagens com a família. Adoro ir à Disney. Nunca fui gastão. Fico com a mesma calça dez anos seguidos.
Você já disse que não gosta de assistir a jogos de futebol... Dificilmente vejo um jogo inteiro, não gosto de ver aquele quadradinho. Às vezes é chato mesmo.
E quando você tem de comentar um jogo horrível? Falo que é chato, falei várias vezes.
Não tem ex-jogador demais comentando? O ideal é ter um jornalista e um ex-jogador. Tem coisas que só o jogador pode saber. Há quem não goste de ex-jogadores comentaristas. Tento ser imparcial. Mesmo quem não gosta de ex-jogadores me respeita.
Torce para algum time? Fui corinthiano, de garoto. Hoje não consigo torcer. Ontem, assisti ao Corinthians X São Paulo [semifinal da Copa do Brasil], não senti nada. Já torci para os dois times.
Que acha de jornalista com ligação com clube? Tem uns caras assim, o [comentarista Roberto] Avallone, palmeirense, o Chico Lang, corinthiano... Sou fã dos dois, mas se mostrar torcedor, sendo jornalista esportivo, não gosto.
Qual é sua opinião sobre o Falcão ser convidado a participar da comissão técnica e, ao mesmo tempo, ir à Copa como comentarista da Globo? Estranho. Não se pode ficar lá e aqui. Por exemplo: às vezes vêm me pedir dica de jogador. Falo: “Sou comentarista, não me interessa! Se você vender o moleque por 30 milhões, não quero saber!”. Por isso nunca me interessou ser empresário. Não me chame pra fazer nada com números. Esse negócio de ser empresário deve ser estranho. Se vou te vender por 8 milhões, é lógico que não vou ganhar só 20%, né? Devo ganhar aí uns 20 milhões, pô... não sei como funciona, não conheço, mas alguma coisa estranha deve ter.
Você hoje está na Globo, uma emissora que, quando você fazia parte da “Democracia Corinthiana”, era ainda identificada com o regime militar. Como explica essa contradição? Fui à Globo com um pé atrás. Mas me deram carta branca. Quando o Felipão elogiou o Pinochet, por exemplo, dei bronca nele ao vivo. Muitos me dizem, na brincadeira: “Se vendeu pra Globo!”. Não sou advogado da Globo. Mas não concordo também quando criticam a Globo por mudar o horário dos jogos. Quem critica não põe nenhum para os clubes. Se a TV largar, o futebol vai falir. Se decidirem que sábado vai ter novela e domingo reality show, acaba o futebol.
Na TV você fala o que quer? Meu negócio é comentar para o jornalismo. Não comento para o Faustão, para o Luciano Huck, não gosto, não me interessa o público deles.
E quando você dá uma mancada no comentário? Não sou vidente. E também não chuto. Não afirmo, não sei ser arrogante. O comentarista não tem que acertar. O comentarista tem que “ler” o jogo.
Não se sente meio ridículo naqueles terninhos da Globo? Preferia usar camiseta e jeans. Mas na Globo tem um cara péssimo pra cuidar disso. Detesto gravata; acaba o intervalo, tiro a gravata, a camisa, fico normal.
O que pensa das mesas-redondas? Nunca gostei de ir, porque você não consegue falar. Os caras ficam batendo boca, e aí, quando finalmente o jogador fala, dizem “não foi assim”. Hoje em dia ainda é mais chato. São preocupados com números, ibope, criam polêmicas falsas pra prender o telespectador... Em poucos momentos há espontaneidade. Gosto só da Bola da Vez, na ESPN.
E TV em geral? Não gosto. É difícil ver TV hoje. Das 15 às 19 h não dá pra ver TV aberta.
Não considera que os jornalistas abusam das perguntas cretinas para os jogadores, que dão respostas mais idiotas ainda? Em geral, o jornalista é meio prepotente, por ser formado, ler muito, então não aceita um cara que pense diferente. O jogador sempre é o cara que responde errado, que responde do mesmo jeito a mesma coisa... Nunca é o repórter quem tem de fazer uma pergunta mais interessante. Vício de profissão: jornalista nunca erra. O cara chega: “Você perdeu aquele gol?”. O jogador vem: “Não falhei, tinha outro companheiro mais bem posicionado”. Sai: “Fulano falha e não assume”. Foda!
Já teve algum incidente com a imprensa? Uma vez... eu estava apaixonado pela minha mulher, a Mônica, pouco antes de a gente se casar, e vivia pichando frases de amor para ela, no Parque São Jorge e no Morumbi. O Pacaembu eu não pichei, porque já estava bem malcuidado naquela época, e é público. Aí falaram disso na TV: “Como podem restaurar o Pacaembu, se o próprio jogador picha o estádio?”. Liguei na hora, explicando que tinha pichado o Parque São Jorge...
Você conquistou a garota na base do spray... Pichava, saía, pegava a Mônica e aí, estrategicamente, passava perto dos lugares que tinha pichado [risos]...
Você está casado há 17 anos. Qual o segredo? Gosto da minha mulher pra caralho, sou apaixonado.
Rola ciúmes? [Da minha parte], às vezes. Ciúmes por gostar, sabe? Agora, o instinto dela é mais agressivo, ela é mais séria...
Já tomou umas broncas? Nunca. No nosso relacionamento nunca teve um dedo em alguém.
Nunca traiu? O que é trair? Nunca saí de sacanagem com ninguém. Nunca fiz isso e não sei se faria. Não tenho que procurar nada. Gosto dos filhos pra caralho, curto buscá-los na escola, o moleque vem com a malinha, me vê e abre um sorriso...
Quando você fez o primeiro “gol” na cama? Acho que foi com uns 14, 15, 16 anos.
Como foi? Ah, foi vagabunda, né? Foi em festa, uma boate de garotas. Era grandão, entrei como se fosse maior. Nunca tinha dado uma paulada, a menina na roda e aí brincaram: “O cara é virgem”. Peguei. Não foi pago nem nada, mas foi prostituta. Não foi uma coisa marcante.
E a primeira marcante? Com a minha mulher, pô.
Ela vinha de uma família meio rígida... Ela era virgem, pô.
... e você ficou meio de marcação, marcando a saída de bola... Conquistei na resistência, estava em todos os lugares em que ela ia estar. A menina deve ter pensado: “O cara é foda”.
E balada? Hoje não. Há muitos anos não faço balada. Desde que saí do Brasil. Da balada mesmo, volto, o mais tardar, uma e meia. Mas sempre curti bar com música ao vivo, shows. Nunca saí pra dançar na minha vida.
Como é seu relacionamento com os filhos? Vocês falam muito de futebol? Nunca. Nunca nem incentivei a jogar bola. Confio neles. E não tem essa de “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Sou crianção, gosto de brincar, jogar botão. Mas já fiz todas as merdas que todo adolescente faz. Imagine se faço agora?
Você costuma dizer que não gosta de ler entrevistas antigas suas... Verdade. Olho aquilo e falo: que puta papo idiota. Rasgo.
Mas é raro hoje um jogador de 18 anos falar sobre política. Como começou a pensar em política no futebol? Sempre fui político, no dia-a-dia. Nunca quis ser político, mas já fui convidado, uma vez, pelo pessoal do PT, para sair como vereador.
Pretende fazer faculdade? Sonho em fechar o segundo grau para estudar jornalismo em 2003. Até para eliminar a cobrança: “Ah, você não é jornalista”. Já poderia me considerar jornalista, afinal, atuo há cinco anos. Sempre gostei de jornal, me interesso por política, comportamento. Outra coisa legal é memória, tenho uma memória ducaralho.
Você começou a comentar na época em que conheceu o Marcelo Fromer... Conheci o Marcelo em 1982, quando fui a um show dos Titãs na Fábrica do Som [programa da TV Cultura que revelou bandas como Titãs, Ultraje a Rigor e Barão Vermelho]. Ia muito a shows, a bares underground, como o Madame Satã. Aí, em 1994, o Fromer me ligou, convidando para um programa na MTV, o Bola na Rede. Aí fizemos mais um jornal, na SporTV, trabalhamos na 89, na Brasil 2000, na Transamérica, um programa durante a Copa de 1998... Éramos fortemente ligados, amigos de se falar umas 5 vezes por dia. Ele quis fazer a minha biografia. Mas eu não queria nada épico, queria algo pop, criativo, com HQs.
Aí rolou o acidente... Pois é, foi bem no dia do programa [13 de junho de 2001]. Outro dia teve um negócio... Antes do programa, marcávamos as reuniões no restaurante Bolinha. Aí, fazia tempo que eu não ia lá, marquei com o Lobão e cheguei antes. Lembrei do Fromer, porque a situação era sempre assim: eu chegava antes e ele passava. Tive a impressão de que ele ia chegar... me deu uma sensação assim... meio saudosa [fica com os olhos vermelhos].
Você sente falta dele? Muita. Era o cara com quem falava todo dia por telefone. Não sabia o que era amizade até conhecer o Marcelo [emocionado, voz sumindo]. Um amigo que se preocupava sem interesse, em qualquer momento, sabe? Tinha total confiança. E ele em mim. Se hoje me interesso por coisas fora do futebol, foi ele quem me passou. Hoje, não tenho mais com quem conversar sobre determinados assuntos.
E aí o que você faz? Falo sozinho. Vou ao Ibirapuera de manhã e começo a caminhar, a pensar e a falar sozinho.
Vocês se conheceram na época em que você encerrava a sua carreira, encarando aquele frio na barriga que todo jogador sente. Como foi? Tranqüilíssimo. Parei querendo parar. Tive um: “Que fazer agora?”. Mas dei sorte: assim que parei, o [José] Trajano me convidou para comentar na ESPN, o pessoal gostou.
E crise como homem, mesmo, de envelhecer? Até hoje, sem crise. Tenho o espírito jovem. Sou inquieto, não gosto de ficar sozinho. Adoro conversa, falar merda, é maravilhoso, um banho de cachoeira.
Como ficou a biografia que seria escrita pelo Marcelo? Me desliguei disso. Fico confuso, porque nunca fui muito a fim.
Você não se preocupa muito com marketing pessoal, não? Por exemplo, quantos gols você fez? Trezentos e pouco... não lembro. Sei que fiz 103 pelo Corinthians.
Você parece meio desleixado com suas coisas... Fiz sei lá quantos gols, porque fui jogador. Era o meu trabalho. Poderia ter empilhado 800 livros numa biblioteca. O que passou, passou.
Já pensou em ser técnico? Fiz curso de treinador, mas nunca rolou.
E ser cartola, passa pela sua cabeça? Jamais.
Ainda se considera um socialista? Ainda [ele mostra a tatuagem do Che Guevara no ombro]. E sempre fui PT.
O que você acha de um bicheiro tomar conta do Botafogo? É tradicional no Rio. Funciona. Hipocrisia dizer que bicheiro não pode. Só o [senador cassado] Luís Estevão pode ser dono do Brasiliense-DF? Contravenção por contravenção, o bicheiro pelo menos dá. O Luís Estevão tirou.
O Luís Estevão está com um lance agora com o Flamengo... É ducaralho mesmo o Luís Estevão e o [presidente do Flamengo] Edmundo Santos Silva juntos. Vão acabar de afundar o Flamengo [risos].
Falando em contravenção: você já declarou que reprimir as drogas só complica: “Numa sociedade aberta não haveria crise”. Qual é sua postura hoje? Acho que já teve o momento em que o Brasil poderia ter descriminado as drogas. Não vivíamos uma violência tão grande. Passou a época das drogas como coisas que iluminavam a criação. Hoje a droga é nociva.
Qualquer droga? Estou generalizando. Tem pessoas que têm que dar um “doisinho” para tirar o stress. Você trabalhou pra caralho, em vez de tomar um uísque, fuma um baseado. Porra, sossegado. O cara indo trabalhar no dia seguinte, tudo bem. Maconha não dá nem para considerar muito nesse conceito. Mas para que crack, ecstasy?
O que você acha da descriminação da maconha? Já deveria ter sido feita. Embora no Brasil isso seja meio confuso. No Brasil ninguém preparou a cabeça do povo para uma descriminação de drogas ou da maconha ou combater o cigarro. Até gostaria que aqui fosse Amsterdã, mas não funciona.
Fuma cigarro? Não. Fumei quando atleta, um maço e meio... fui parando, não fumo há 15 anos.
Bebida, só choppinho? Nunca fui de beber, bebo raramente. Mas gosto de tequila. Sou lento, coisas que me deixam sossegado não me atraem, gosto de umas três ou quatro tequilas, fico meio espertinho.
E maconha, já fumou? Experimentei, mas nunca fui “fumador”. É divertido, deixa você engraçado, mas passa, e meu bode era um bodaço, por eu ser devagar.
E coisas que aceleram, como cocaína? Muita gente acha que você gosta... As coisas que aceleram pra mim são isso aí, uma tequila... Fui muito confundido porque sempre fui desse jeito: não me interessa o que você faz. Se estamos numa roda, foda-se, acabou. As minhas rodas eram rodas de loucos e de não-loucos. Pra mim tanto faz o que estão fazendo do meu lado. Nunca me preocupei em desmentir se estou dentro ou não. Não quero saber o que acham de mim.
Você poderia falar “não cheiro de jeito nenhum” ou “cheiro e foda-se”... Pra mim não tem “de jeito nenhum”, não existe. Não uso agora. Amanhã, talvez.
Como foi a história da sua prisão [por porte de cocaína], em 1982? Foi uma semana louca. Em 1982, fui jogar pela Seleção Paulista contra os Cariocas. O Afonsinho [primeiro jogador de futebol a conquistar o próprio passe na Justiça] me levou à casa do Fagner, onde fiquei uma semana. Joguei no sítio do Chico Buarque, ducaralho... Aí 23 de dezembro, voltei pra São Paulo, passar o Natal. Cheguei à Penha, no meu carro, e fui pra porta da casa de um amigo, outro amigo chegou estacionando. Nisso passou a Rota e enquadrou a gente. Sabiam quem eu era — falaram que não, mas sabiam.
Estavam de olho. Tinha acabado de ser campeão pelo Corinthians, artilheiro, era absurdo não saberem quem eu era. Eu era a personalidade do momento, não só pelos gols, mas porque representava a juventude da época. Os caras desceram, o cara veio revistar minha bolsa, saiu e voltou com um vidrinho: “Que é isso?”. Falei: “Cocaína, acho”. Aí me levou embora. Eram cinco mi-nutos até a delegacia, ele ficou girando comigo meia hora, ligando para repórteres policiais...
Armando o circo... “Peguei o Casagrande, uma puta matéria!”, falavam, na minha frente. O cara me disse: “Nós pegamos a Rita Lee e o Gilberto Gil, um moleque de merda que nem você a gente não ia pegar?”. Quando cheguei à delegacia, um monte de repórter, todas as Rotas de São Paulo dando ca-valo-de-pau... Comemoração! Os caras buzinando, sirene ligada, festaço. Fiquei detido uma noite, depois fui liberado, por falta de provas. A cocaína não era minha.
Rola muita droga dentro do futebol? Rola droga na sociedade. No futebol aumentou. Mas nunca vi droga no futebol, na época do Corinthians. Como nunca vi homossexualismo.
A imprensa se intromete demais na vida dos jogadores? Os caras dão espaço pra isso. Quando eu jogava, se ia a um bar e vinham tirar foto, foda-se. Agora, em casa, não. Não tem matéria em casa, não tem foto da minha mulher e dos meus filhos.
Então você não abriria a sua casa para a Caras? Pra Caras, mas nem tem negócio [risos]! Minha casa é minha casa. Até entendo que você vira uma personalidade e os caras têm curiosidade de saber o que você faz. Mas esse tipo de foto que fiz para a Trip nunca faço.
Existe uma supervalorização da celebridade? Porrrrrra! [Indignado.] Se um zé-mané faz ponta na Casa dos Artistas, você nem encosta nele, o cara fica metido, anda com segurança. Metido tem que ser o gari, sem grana, com três filhos em casa, honesto, que limpa o teu lixo.
Falando em ponta, você atuou em um filme erótico, o Onda Nova... Era brincadeira. Fiz Onda Nova e Procuro uma Cama, foi divertido.
Teve alguma cena quente? Não rolou nada real. Nunca fui comedor, mesmo solteiro.
E a mulherada não ia muito em cima? Sempre me confundiu esse negócio de fã. Se é o cara mesmo, o personagem, ou se é amor. “Você é um tesão e o caralho, mas vou sair com meu namorado” [risos]. Às vezes os caras vão pra cima e é uma furada...
Mas hoje tem marias-chuteiras profissionais... Profissionais! [Rindo.] Elas saem com os caras e depois vão para a TV, no João Kléber ou na Márcia pra foder com eles — de novo [risos].
Você deve ter visto muito jogador dando fora... Tem uma legal. A gente esteve em Los Angeles pra jogar pelo Corinthians e chegaram uns americanos. Estava o Biro Biro na frente, e eu, Wladimir e Sócrates atrás. Um cara falou para o Biro: “Soccer, soccer?”. Ele: “Não, sou o Biro Biro, o Soccer é aquele” [risos].
Voltando ao tema “sexo”: um dia os jogadores gays vão sair do armário? Sem chance. O meio do futebol é muito machista, e o barato do jogador é sempre falar que o cara é viado: “Tá sentando, hein?”. O cara que se revelar não vai jogar, de tanto barato que os caras vão tirar.
E esses jogadores que posam nus, tipo o Vampeta? Não acha meio mico? Ninguém obrigou o cara a fazer. Eu não faria porque tenho uma certa timidez. Mas por 300 paus jogava a timidez pra casa do caralho [risos].
Créditos
Christian Gaul