É nóia minha?
Focadas em proporcionar um espaço acolhedor e transparente, festas da cena eletrônica em São Paulo oferecem tendas para redução de danos em caso de usos de drogas
“Só se começa a resolver um problema quando se aceita ele”. É assim que Nicolli Penteado, produtora e criadora da festa independente Blum e mais conhecida como Nikkatze, começa a falar sobre a tenda T.E.C.O. (Tenda Especializada para Cuidar da sua Onda). Iniciativa inovadora dentro da cena de música eletrônica de São Paulo, a tenda conta com profissionais especializados em redução de danos em casos de uso de drogas, psicólogos e folhetos explicativos.
A ideia do projeto surgiu de uma noite em que uma mulher teve uma bad trip na Blum, o que desencadeou uma crise de ansiedade, e teve que ser assistida por algum tempo até, enfim, ser levada ao hospital. “Se naquele dia tivéssemos tido um acompanhamento psicológico como o da T.E.C.O., tudo teria sido facilmente resolvido e a pessoa em questão não teria tido essa experiência traumática de acordar em um hospital”, lembra Nicolli.
O psicólogo e coordenador da T.E.C.O, Gustavo Baptista de Siqueira, explica que todas as decisões são tomadas coletivamente, buscando sempre o consenso entre os membros da equipe, que é fixa. “O mais significativo é o desejo de cada um de estar ali fazendo esse trabalho, entendendo a importância de tratar do tema 'drogas' de maneira menos moralista, menos careta e, ao nosso ver, mais assertiva”, explica. “O testemunho do fracasso da guerra às drogas e dos prejuízos que o viés ideológico proibicionista traz para a sociedade nos incomoda, nos afeta e nos atravessa. Precisamos fazer algo a respeito”.
O espaço costuma ficar em um local afastado da música alta das festas, mais arejado e com um som relaxante, sofás e água. Em uma das edições, teve até uma piscina de plástico para quem quisesse se refrescar. Muitos curiosos passam pela tenda para entender do que se trata, além de descansar e se informar. “Devemos aceitar que o abuso pode acontecer e ter o máximo de carinho e cuidado possível, tornando nossa festa em um ambiente seguro e acolhedor para quem se dispõe a essas experiências. Nosso principal objetivo é informar. A informação é a maior ferramenta de cuidado. Um público educado e informado é um público sem abusos”, completa Nicolli.
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Informação não é apologia
Ainda que a T.E.C.O seja inovadora por ser idealizada pela própria Blum, as tendas de redução de danos em festas não são novidade. Criado em 2011, o projeto ResPire tem a mesma função e, desde então, atua em raves, jogos universitários, festas de rua e, hoje em dia, foca suas ações no público LGBTQI+. O projeto já atuou em edições de festas como Mamba Negra e Caps Lock, inseridas na mesma cena paulistana que a Blum, e em festivais como Universo Paralello, na Bahia, e SP na Rua. “Nas ações em festas, as intervenções vão desde trocar informações sem julgamento e oferecer água até acolhimentos para manejo de experiências difíceis”, explica Maria Angélica Comis, coordenadora do projeto.
Em alguns aspectos, as práticas de redução de danos são parecidas em contextos de festa e de uso em cena aberta, como a Cracolândia, por exemplo. O que os difere são as vulnerabilidades envolvidas em cada um deles. “A falta de moradia é um fator que contribui imensamente com a desorganização das pessoas, assim como a falta de água potável acessível dificulta a hidratação de quem está em situação de rua, que também aumenta a confusão mental. São contextos bem diferentes, claro, mas algumas demandas se assemelham, principalmente quando se trata de um assunto tabu, como o uso de substâncias ilícitas. As pessoas sentem necessidade de poder falar sobre seus usos sem serem estigmatizadas”, continua.
Para muitos, essa prática pode ser vista como apologia. Bruno Logan, psicólogo especialista em Redução de Danos, explica que não é o caso. “Você só está levando a informação. Apologia seria incentivar o uso. O que nós fazemos é falar: se você optar por usar, faça de uma forma menos prejudicial”, comenta. A verdade é que as pessoas ainda são livres para tomar a decisão do que ingerir e do que deixar de ingerir. O que esses projetos prevêem é que os usuários estejam bem informados para que eles não façam misturas letais ou exagerem nas quantidades.
No exterior, por exemplo, essa prática é um pouco mais comum. Bruno conta que, em alguns países, há coletivos que fazem testagem de drogas, para avaliar sua pureza e as substâncias presentes ali. A verdade é que, fora do país, essas práticas são vistas com menos preconceito e, muitas vezes, criadas pelo próprio governo. “O estado deveria investir isso. O mínimo que nós esperamos são políticas públicas que dão conta da realidade. O ideal seria o estado ter projetos e programas de cuidado para pessoas em contexto de festas, principalmente em festas enormes como, por exemplo, o Carnaval ou a Virada Cultural”, finaliza.
Créditos
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