Trip Girl: Dandara Guerra

por Ricardo Calil
Trip #177

A atriz carioca, filha de Claudia Ohana, equilibra-se entre o destino e o livre-arbítrio

Musa desencanada, a atriz e cineasta em formação Dandara Guerra, filha de Claudia Ohana, equilibra-se entre o destino e o livre-arbítrio para construir sua história

Dandara Ohana Guerra não entendeu nada quando o escritor Francisco Bosco dedicou-lhe há três anos a letra da canção “Dandara” (“Ela tem nome de mulher guerreira/ E se veste de um jeito que é só dela/ Ela vive entre o aqui e o alheio/ As meninas não gostam muito dela...”). A atriz carioca também ficou boiando quando, um pouco depois, foi eleita musa do Festival do Rio por sua presença no filme 1972, desbancando colegas como Camila Pitanga, Mel Lisboa e Maria Flor, em uma votação promovida pelo jornal O Globo. E, até agora, ela não faz a mínima ideia sobre o porquê do convite da Trip para que ela posasse nua pela primeira vez... Dandara também não entende que a completa ignorância sobre a própria beleza, a ausência de sinais de deslumbramento com a fama e a semelhança, incrível em alguns relances, com a mãe (a mítica Claudia Ohana) só a tornam mais sedutora aos olhos dos homens. Nós entendemos. Nós e a torcida do Flamengo – especialmente depois de ver as fotos que ilustram estas páginas.

A menção ao rubro-negro carioca não é fortuita. E talvez ajude a explicar a falta de noção da flamenguista Dandara. No dia do ensaio, ela estava menos tensa com seu primeiro ensaio sensual (“eu sempre me incomodei em posar para fotos, mas posar nua não foi um incômodo a mais”) do que com o fato de não ter conseguido ingressos para a final da Taça Rio entre o Flamengo e o Botafogo. De futebol, Dandara diz que entende. Para comprovar, ela se submeteu ao (machista) teste ludopédico para mulheres. Depois de definir corretamente a lei do impedimento, deu a escalação do seu time: “Josiel, Zé Roberto, Juan, Ibson, Kléberson, Léo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Bruno... Faltou um, não foi?”. Na verdade, faltaram dois, e a escalação foi dada de trás pra frente. Mas não importa: Dandara passou com nota bem acima da média. Ela diz que prefere falar sobre futebol com homens do que conversar sobre roupas com mulheres. O que faz o repórter soltar outra pérola sexista: isso a torna a mulher ideal para a maioria dos meus amigos. Aí vem a surpresa: “Não mesmo, porque aí vira brother, né?”.

Se a ideia de um interesse meramente fraternal por Dandara soa descabida, o sentido de sua atitude não se perde. Para uma atriz de 25 anos que vive em tempos de obsessão pela imagem e pela exposição máxima do corpo, Dandara soa saudavelmente desencanada. Ela conta que passou hidratante no corpo pela primeira vez há cerca de um mês, que ainda corta o próprio cabelo, que gosta de vestir roupas confortáveis como saias e batas indianas – que colaram nela uma certa fama de hippie, rótulo que ela aceita mais facilmente do que o de musa. Com o perdão da rima fácil, Dandara é assim meio... odara (em hindu, paz e tranquilidade; para Caetano, “... pra ficar tudo joia rara/ qualquer coisa que se sonhara/ canto e danço que dará”).

Beleza in natura
O nome veio do pai, o cineasta Ruy Guerra (Os cafajestes, Os fuzis), em homenagem à mulher de Zumbi dos Palmares. A beleza selvagem, da mãe – embora Dandara seja menos mignon e morena, com seu 1,69 m, pele branca e olhos azuis. As comparações com Claudia a acompanham desde a adolescência e, segundo ela, nunca a incomodaram. Mas outro dia mesmo, quando a mãe estava no ar com a novela A favorita, ela se cansou das confusões na rua e passou a tesoura nos longos cabelos cacheados, marca registrada das duas. Foi só entrar num táxi para o motorista falar: “Nossa, que susto, pensei que fosse a Claudia Ohana”.

A herança dos pais é uma questão para Dandara – não traumática, mas perene. Criada em sets de cinema e TV, ela se sentia obrigada desde a infância a ter uma opinião forte sobre todos os filmes a que assistia, nem que fosse Peter Pan. Para Dandara, a vida sempre foi um embate entre vontade e destino, entre aquilo que ela escolheu e o que estava escrito. Ao dar os primeiros passos como atriz na adolescência (um papel em Malhação, outro no filme Guerra de Canudos), ela se pegava perguntando: “Será que eu quero trabalhar com isso ou só estou seguindo as pegadas da minha mãe?”. Quando decidiu fazer faculdade de cinema, sempre questionava sua cinefilia: “Eu gosto mesmo de Cidadão Kane ou sou influenciada pelas pessoas que o consideram o melhor filme de todos os tempos?”.

No fim das contas, a libriana (e, portanto, equilibrada e indecisa) Dandara escolheu tudo: o cinema e a TV, a atuação e a direção, os legados paterno e materno. Hoje ela trabalha como assistente de direção no Casseta & Planeta e alimenta o sonho de se tornar cineasta um dia. Por outro lado, depois de estrelar 1972 há três anos, ela foi obrigada a assumir os holofotes por seu trabalho como atriz. O filme não foi apenas uma experiência profissional marcante, como também um divisor de águas em sua trajetória pessoal. Nos testes, ela conheceu o músico Rafael Rocha, que se tornou seu par no filme e fora das telas. Da relação, nasceu o filho, Martim, que está prestes a completar 4 anos. Solteira hoje, Dandara vê a maternidade como a experiência mais essencial de sua vida. Para a equação ficar completa, falta apenas aceitar-se como musa – algo que ela pretende fazer “sem pressa”, seu mantra particular. Mas, depois deste ensaio para a Trip, é melhor ela estar pronta.

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