Agonia e êxtase

por Redação
Trip #164

Série de fotos inspira uma reflexão sobre até que ponto é saudável levar o corpo ao limite

 

As fotografias desta matéria, que deram ao fotógrafo dinamarquês Erik Refner o prêmio de melhor reportagem esportiva do World Press Photos, congelam o exato momento em que corredores rompem a fita de chegada da Maratona de Copenhague. Se fosse possível abstrair os uniformes modernos e focar apenas nas expressões dos atletas, os retratos poderiam muito bem ilustrar antigas pinturas de calvário religioso.

Mas há uma diferença fundamental. Enquanto o sofrimento dos santos era, na maioria das vezes, imposto (exceção feita aos casos de autoflagelação), no caso dos atletas trata-se de um desejo voluntário de testar e ultrapassar os limites do corpo, mesmo que isso coloque em risco a saúde. "Existe um traço de masoquismo no esporte. Muitos atletas tentam arrancar da dor profunda o sentimento de prazer", diz Jacob Pinheiro Goldberg, doutor em psicologia e autor do livro Psicologia em curta-metragem.

Na busca pela superação, agonia e êxtase muitas vezes se confundem, tornam-se uma motivação para ir além. "Já atendi atletas que relataram ter sentido orgasmos após uma vitória que exigiu driblar uma dor profunda", prossegue Goldberg.

Para o fisiologista Turíbio Leite, o sinal mais evidente da ruptura entre o limite do saudável e do não-saudável é a dor. "Quanto maior a ambição, maior a necessidade de evoluir em detrimento da saúde. Maior o prejuízo." Visto como símbolo de força física, o atleta profissional pode se tornar, segundo o fisiologista, alguém com alto grau de insalubridade. "É importante notar que o elemento competição anula o fator saúde. Se houver uma recompensa financeira e um competidor qualquer, ele se distancia ainda mais de uma prática saudável."

Em situações-limite, o problema torna-se ainda mais crítico, já que o atleta, além de superar seus competidores, começa a colocar à prova o próprio corpo. "Se o atleta assume um compromisso de escalar uma montanha, ele automaticamente afirma que pode ser capaz de agredir até mesmo a própria natureza", afirma Turíbio. Mas a questão não está restrita apenas a quem se dispõe a correr os 42 km da maratona. Mesmo o mais sedentário dos mortais pode levar seu corpo aos extremos. Má alimentação, falta de sono, stress, esforço repetitivo são alguns dos fatores que podem levar à falência física. Atleta ou não, é simples reconhecer os sintomas de que a vaca está indo para o brejo: desequilíbrio hormonal, mudanças de humor, agressividade, fraturas de stress e alterações na quantidade de glóbulos brancos.

Todos esses problemas são vistos como males da modernidade, mas a idéia da superação não é especialmente nova. "Ultrapassar os limites impostos pela cultura e natureza sempre foi humano, como provam Adão com o fruto proibido e Colombo ao cruzar os mares para descobrir a América", conclui Goldberg.

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