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Rodrigo Amarante: Viver de música virou coisa de rico

por Redação

O ex-Los Hermanos, que acaba de lançar ”Drama”, seu segundo disco solo, fala sobre arte, dinheiro, a experiência de tocar nos Estados Unidos, onde mora desde 2008, e a vida perto da praia e do mar

Muito tem se falado da demora para o lançamento do segundo disco solo do ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante, mas a verdade é que o hiato de oito anos entre o álbum Cavalo e seu novo trabalho, Drama, lançado em julho, esteve recheado de serviço. No período, Amarante lançou Tuyo, faixa tema da série Narcos e um grande marco na carreira do multi-instrumentista. Após a canção, veio o reconhecimento internacional e toda uma nova série de turnês que tornaram o músico, morador de Los Angeles desde 2008, reconhecido em diversas partes do mundo. "Sou mais tocado em Paris do que no Rio de Janeiro", diz.

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Com faixas em inglês e português, Drama mostra que Amarante já não se intimida com a língua, um grande entrave quando se mudou para os Estados Unidos. "É uma experiência dolorosa, mas muito válida; você se entende marginal. Para o meu trabalho foi um presente, pude colocar minha música à prova: tocar para uma plateia sem risco não tem barato."

Quando bateu um papo com o Trip FM, o compositor estava em sua casa, de onde faz boa parte de suas gravações. É de lá também que o carioca sai sempre que pode para surfar, um hábito que traz de criança e que parece o deixar ainda mais à vontade dentro do estilo de vida californiano: "Minha família tinha um bloco de Carnaval em Saquarema, íamos para lá sempre, passar o tempo inteiro na água. Praia e mar sempre foi um lance, desde que eu nasci". Rodrigo Amarante ainda dá dicas de música e lugares para comer e pegar onda em Los Angeles e no Rio de Janeiro, fala sobre dinheiro, a amizade com Wagner Moura e mais. Ouça o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.

Trip. Eu tenho a maior inveja de quem passa um período fora do Brasil, independente de onde seja. É uma oportunidade de ver o país de outra perspectiva. Como é morar nos Estados Unidos sendo músico? Fazer arte em Los Angeles deve ser uma briga de foice por cada milímetro 

Rodrigo Amarante. Em determinado momento virou uma escolha, mas em princípio foi circunstancial. Eu vim para gravar com o Devendra Banhart. Nesse meio tempo, me ligou o Fabrício Moretti, baterista do Strokes, para compor e o que era para ser uma música, virou um disco, com turnê, imprensa, enfim, me apaixonei e fui ficando. Você ir para um lugar onde você não fala a língua muito bem é uma experiência dolorosa, mas muito válida; você se entende marginal. Existe uma riqueza espiritual de passar por isso. Para o meu trabalho foi um presente, pude colocar minha música à prova: tocar para uma plateia sem risco não tem barato. Existia o risco de escrever canções em inglês também, de cantar em português para os americanos, e ver se cola, se emociona.

O que aconteceu com o Los Hermanos na década de 2000, e que a gente vê hoje olhando para trás, foi uma ascensão muito rápida. Isso tem um preço. Teve um pouco de fugir disso quando você se mudou? Eu não tive uma iniciativa de sair do Brasil por estar cansado de ser famoso. Isso nunca me incomodou. Mas algo cansativo, eu me lembro, foi que ficou cada vez mais difícil conhecer alguém que não tinha uma noção preconcebida de mim. A sensação era de que alguma coisa me foi roubada, eu não tinha a oportunidade de me apresentar do zero. Mas olhar para isso é ver a parte vazia do copo. Eu tive grande sorte e privilégio de escrever música para o Los Hermanos; pude ajudar a minha família. Mas acho válido também abrir o meu coração e expor esse outro lado. No Brasil, como o Tom Jobim falou, sucesso é ofensa pessoal. Tinha isso também. As pessoas acham que é preciso bater, de forma figurativa, porque eu tenho o aplauso. Era uma pena, uma bobagem. Mas eu tive sorte que todos da banda tinham cabeça boa. Ninguém se achava melhor do que ninguém e todos souberam navegar esses altos e baixos. 

Pouca gente sabe, mas você é apaixonado pelo surfe. O que isso significa para você e desde quando você surfa? Minha família tinha um bloco de Carnaval em Saquarema, íamos para lá sempre, passar o tempo inteiro na água. Praia e mar sempre foi um lance, desde que eu nasci. Quando eu morava no Postino, na Barra da Tijuca, do lado da minha casa tinha um lugar onde se fazia prancha de surfe. Um dia eu fui, bati na porta, e perguntei se podia ver o que eles estavam fazendo. Virei mascote. No meu aniversário, me fizeram uma pranchinha miniatura, do meu tamanho. Comecei a pegar onda e virou um negócio assim: acordava todos os dias de madrugada para pegar onda, surfava duas vezes por dia, tive um treinador, participei de campeonato. O surfe me acompanha até hoje. A minha paixão pelos Smiths, por exemplo, tem a ver com surfe também.

Em 2008, você contou em uma entrevista da Trip que tinha gastado todo o dinheiro que havia ganhado com o Los Hermanos. Como está esse lado hoje? Eu não me arrependo, porque comecei a ganhar dinheiro com vinte e poucos anos. Era uma grana boa, mas se você tem uma família que precisa de ajuda, você não vai ajudar? Eu não me arrependo, está tudo certo. Mas ao longo dos anos a minha música ganhou uma expressão mundial. É uma coisa louca, mas tem mais gente hoje que ouve a minha música em Paris do que no Rio de Janeiro, por exemplo. Isso ampliou as possibilidades. Vendo disco no mundo inteiro: aconteceu o que eu tinha esperança de acontecer, que é estabilizar uma carreira que me sustente. Nesse nosso tempo, o streaming vem elitizando ainda mais o meio em que eu trabalho: se não tem show pós-pandemia e não tem venda de disco, quem vive de música vai precisar arrumar outra coisa para ganhar dinheiro. Só vive de música quem não precisa viver de música, virou uma coisa de rico. Eu acho importante falar sobre isso porque tem gente que tem um trabalho lindo e ainda não consegue viver da arte. Eu quero expor esse lado para que essas pessoas não fiquem pensando que não são boas o suficiente.

Créditos

Imagem principal: Julia Brokaw / Divulgação

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