por Noor Shakouj

Com medo e impressionada com a situação vivida nos últimos dias, Noor está cheia de dúvidas. Mais uma vez, precisa tomar uma decisão. Seguir em Istambul, como imigrante ilegal, ou ir de em busca do sonho de chegar a Alemanha?

Noor está de volta a Istambul. Retornou para a mesma casa de onde partira menos de uma semana antes. Foi detida, viu seus conterrâneos passando frio e fome, perdidos na estrada. Viu os amigos apanharem. Pegou caronas clandestinas, fugiu, fez o que pôde, mas não deu certo. 

Dias 5 e 6 – 19 e 20 de Setembro, 2015

"Peguei o ônibus em Adana às 17h30 e cheguei 9h30. Foram 16 horas em silêncio, 14 horas pensando. Era a segunda noite que passava sozinha num ônibus, coincidentemente duas viagens de 16 horas. A primeira vez tinha sido na viagem forçada de Edirne para Adana, quando eu me senti mais fraca do que nunca. Sozinha, quieta, sem ninguém com quem eu pudesse falar, sem bateria no celular. Lembro-me de levantar do último assento, cruzar todo aquele corredor que parecia não ter fim para falar com o motorista, o único que me entenderia em turco. Como eu queria chorar. Mas sabia que não podia. Não podia deixar aquela fraqueza tomar conta de mim. Essa viagem me fez perceber um monte de coisa. Uma delas é que no momento mais fraco da minha vida, só eu podia tomar as decisões, mesmo com medo, só eu podia fazer alguma coisa por mim. Percebi o quão forte eu precisaria e poderia ser. Pensei em tudo o que aconteceu na minha vida. No meu pai, no meu irmão que sumiu. Pensei até que se eu chegasse naquela fronteira da Síria de novo, eu iria procurá-lo. Foi lá que ele desapareceu.

Na segunda noite, nesta segunda viagem de ônibus, durante as 16 horas de volta para a Istambul, minha cabeça foi para um lugar diferente. Decidi que só iria pensar no futuro. Dali pra frente. Não era o fim da estrada, não era o fim do sonho. Tinha muitas coisas que eu ainda podia planejar e fazer. Então finalmente cheguei a Istambul. A rodoviária estava cheia. Eram milhares de pessoas que pareciam um corpo só, lutavam todas pela mesma coisa. Um monte de gente pedindo paz. Pensei: mesmo que a gente não chegue à Grécia, essa mensagem tem que ser passada: somos humanos, apenas humanos, que querem um lugar de paz para viver. 

Mas, antes de qualquer atitude, precisava dormir. Voltei para a casa de onde eu tinha saído há poucos dias. Joud, irmão de Diala, ainda estava lá. Dormi por algumas horas e voltei à estação de ônibus. Sentia que tinha que me juntar a todas aquelas pessoas mais uma vez. Na estação, encontrei o líder que tentava de alguma maneira organizar aquela multidão. Segundo ele, eram mais de 4 mil pessoas. Ninguém sabia o que estava acontecendo em Edirne – para onde eu tinha ido e de onde eu tinha sido expulsa. Parecia que aquele povo já não acreditava em mais ninguém e por isso me perguntavam um monte de coisas sobre os últimos dias e a situação que eu tinha vivido. Tinha umas 30 pessoas me cercando e, naquela hora, eu só pude dizer: "Eu vou de novo. Amanhã eu vou começar a andar daqui até Edirne outra vez. Quem quiser vir comigo, que venha".

Há poucos dias, eu falava de um sonho grande, falava do meu desejo de estudar, de ser arquiteta. Quero que esse sonho seja real, mas quando vi muitas pessoas com muito menos que eu, só lutando para viver, vi que meu sonho não é o único. Quero ser capaz de trazer pessoas comigo, independentemente de onde eu vá, seja para Europa, seja para a Síria. Eu via o medo no olho das crianças. Elas estão crescendo no meio da guerra, como refugiadas, com frio, com fome. Ou morrendo no meio do oceano. Mais do que procurar uma vida melhor, estamos procurando uma vida.

Essa viagem me fez ver as pessoas de um jeito diferente. Quando liguei para o meu namorado, contando o que havia acontecido, me sentindo frágil e fraca no meio daquilo tudo, ele disse apenas que eu voltasse para Istambul. Ele só queria que eu estivesse a salvo. Eu entendo. Mas e todas as outras pessoas? Ele estava pensando em mim, mas eu, a essa altura, estava pensando também em todas as outras pessoas que estavam na mesma situação que eu. 

A Europa vai parecendo cada vez mais longe, mas o meu sonho continua vivo."

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