Durante cinco anos, o escritor Graham Rawle recortou e colou frases de revistas femininas
Durante cinco anos, o escritor inglês Graham Rawle recortou e colou frases de revistas femininas dos anos 50 e 60. Tudo para contar a história de um travesti que sonha em ser uma mulher do lar
Para Graham Rawle, definitivamente não é fácil ser uma mulher. Ou melhor, fazer do seu personagem uma. Na fronteira do genial e da loucura, o escritor inglês juntou uma pilha de revistas femininas dos anos 50 e 60, picotou os melhores pedaços e colou tudo para contar a história de Norma (Roy, durante o dia) – travesti que aspira ser a mulher perfeita que as revistas idealizam.
As coisas complicam quando Norma/ Roy decide mostrar na rua o que aprendeu nas revistas. Atrai o afeto de um homem enquanto Norma; e o de uma garota enquanto Roy. A guerra dos sexos em um só ser humano é o que pontua a história de Woman’s World, lançado recentemente nos Estados Unidos. O livro demorou cinco anos para ficar pronto, tamanho o trabalho de Graham para colar seus recortes numa narrativa coerente. A labuta, digna de uma Amélia das letras, rendeu resultados admiráveis. Tanto visuais – a colagem é a mesma que Graham fez na sua casa, apenas escaneada e minimamente retocada – como literários, principalmente pelas metáforas dos textos de revista empregadas com estilo pelo autor.
Pela impossibilidade de reproduzir a obra como foi criada (tanto na sua concepção visual como literária) em outro idioma, dificilmente o livro deve ser lançado por aqui – restando ler no inglês original ou aguardar o filme, que ainda está em pré-produção. Para saber um pouco mais sobre a história de Norma, ou Roy, Tpm conversou por telefone com o criador de sua personalidade dividida.
A edição inglesa, de 2006, do livro-manual pra ser mulher; e a edição americana, deste ano
Tpm. O que havia de tão interessante nas revistas femininas dessa época para usá-las como matéria-prima para o livro?
Graham. Elas eram um manual de instruções para as mulheres da época: ensinavam como se comportar, ser uma boa dona de casa, limpar e fazer praticamente tudo. Também tinham uma alegria que soa um pouco louca – eram otimistas e espalhafatosas. Achei a linguagem muito interessante e, quando decidi que minha história seria sobre um travesti, ou seja, um homem que se veste de mulher, achei que ele poderia ler as revistas com a mesma idéia em mente: aprender a ser mulher.
Por que um travesti como personagem principal?
A história foi meio que sugerida pelo método de criação. Escrevi o personagem como mulher no começo, mas, aos poucos, a voz dela me parecia mais e mais estranha, como se houvesse algo forçado demais. Depois pensei que, se fosse um homem, explicaria por que esse personagem escreveria um livro cortando um monte de pedacinhos de texto e colando. Usando as palavras das revistas, ele fabrica sua própria personagem.
Qual a maior diferença entre as revistas dos anos 50 e 60 e as de hoje?
Na época, elas queriam ter como leitoras mulheres que eram donas de casa, que não trabalhavam nem pretendiam. As revistas diziam para as mulheres como conseguir um homem e o que fazer para segurá-lo. A filosofia delas é fazer tudo perfeito para o marido. Imagino também que na Inglaterra pós-Segunda Guerra não havia empregos suficientes para todos e ninguém iria gostar muito se as mulheres resolvessem sair para procurar trabalho.
Mas muitas revistas femininas hoje não continuam falando como conseguir um homem e segurá-lo?
É verdade. Tem algumas semelhanças, mas a diferença importante é que as revistas hoje estão direcionadas para uma mulher independente, que talvez não coloque a idéia de cuidar da casa e do marido como prioridade.
Essa experiência te fez entender melhor as mulheres? Ou os travestis?
Os dois, acho. É um pouco estranho porque não me visto de mulher e nunca tinha pensado muito nisso. Travestis não se vestem necessariamente como uma gatinha sexy ou uma drag queen escandalosa, mas como sua contraparte feminina. Se forem muito reservados é provável que o feminino deles também seja reservado. É interessante que a vontade de se vestir é quase uma droga. Eles vão fazer o máximo para se vestir de mulher, precisam fazer isso.
Você pensava em se vestir de mulher enquanto escrevia o livro?
Tem uma cena em que Norma anda pelas ruas num dia de chuva descalça e de meia-calça. Eu tinha que descrever como seus pés estavam quando ela chegou em casa. Não sabia se as meias iam se desintegrar, se ficariam furadas, se os pés molhariam. Pensei em colocar uma meia e andar pelo meu bairro para saber como é, mas no fim não fiz. Preferi perguntar para um monte de mulheres.