Sobre o envelhecer e o velotrol descontrolado

por Mariana Perroni

Tudo o que consegui ouvir foi uma mãe gritando ao fundo ”Cuidado com a mulher!”

Há mais ou menos duas semanas, enquanto eu atravessava uma calma rua do bairro onde resido, um menino de uns quatro anos, originado do além, cruzou o meu caminho pedalando seu velotrol em grande velocidade. Enquanto eu coordenava meus músculos para conseguir desviar do adorável ser humano em miniatura e evitar ser atropelada, tudo o que consegui ouvir foi sua mãe gritando ao fundo "Cuidado com a mulher!!!"

Nesse momento, uma das mais chocantes constatações da minha vida foi feita: Eu já não era mais uma moça. Eu havia me tornado uma mulher. Inicialmente, meus questionamentos foram: Quando isso aconteceu? Como eu não percebi? E, o mais importante, como faço isso parar?

Logo me lembrei de todos os cremes que esqueço de passar no rosto antes de dormir e fiquei com vontade de procurar o telefone do Aubrey de Grey, aquele bioquímico inglês barbudo e pesquisador da univerdade de Cambridge que se tornou conhecido mundialmente por desafiar a máxima de que envelhecer é inevitável e considerar isso uma doença potencialmente tratável. Afinal, o que é o envelhecimento senão um acúmulo de vários danos e erros moleculares que vão sendo transmitidos de célula a célula no organismo até não ter mais conserto, não é? Para ele, está próxima a época em que as pessoas irão ao médico para uma “manutenção” regular, que incluiria terapias genéticas, estimulação imunológica e várias outras técnicas avançadas para corrigir esses erros.

Só que, minutos depois, eu já não estava mais nessa. As perguntas tinham mudado. Eu tinha começado a me perguntar o porquê de eu ter ficado tão chocada com a constatação de ter deixado de ser moça. Estou beirando os trinta, tenho 6 anos de graduação em Medicina e duas especializações (dez anos de formação, ao todo), estágio em UTIs no exterior e até participei de missão humanitária no Haiti. Na condição de moça, eu não teria tempo hábil (muito menos aval da lei) para ter vivido metade dessas coisas que foram tão importantes e transformadoras na minha vida.

Sou absolutamente favorável a pesquisas para o desenvolvimento da Medicina em prol de uma melhor qualidade de vida. Se não fosse assim, até hoje continuaríamos morrendo de diarréia e tuberculose, como os românticos poetas de antigamente. Mas onde está escrito que isso implica na negação e repúdio a um processo absolutamente natural e esperado como o envelhecimento? Seria o mesmo que ter repugnância da necessidade de respirar. Não temos outra forma de jogar oxigênio para dentro de nossos pulmões.

Acredito que um dos maiores privilégios que minha profissão me traz é a oportunidade de estar ao lado de alguém prestes a morrer. Muitos podem ficar horrorizados com essa declaração. E pouco me importa. Foi assim que descobri que um dos arrependimentos mais comuns no leito de morte é de ter deixado de viver uma vida que nos torne felizes e satisfeitos, ao invés daquela que as pessoas esperam de nós.

Benjamin Franklin dizia que na vida há duas coisas certas: a morte e os impostos. Eu concordo. E sugiro a inclusão de um terceiro item: envelhecer. Que fique claro, não estou incentivando o descaso com hábitos saudáveis, feminilidade ou asseio pessoal. Eu só acho que o tênue limite entre isso e a transformação do envelhecimento no oitavo pecado capital se perdeu. O combate aos sinais da idade como a sociedade atual tem pregado, obrigando-nos a empregar a maior parte de nosso tempo livre em salões de beleza e academias, aplicando botox até perder a capacidade de esboçar emoções e banalizando as cirurgias plásticas dificilmente trará a paz, a satisfação pela vida vivida e a serenidade que todos desejamos naqueles momentos antes do monitor apitar indicando nossa partida desse mundo.

(a partir de hoje, passo escrever apenas aqui na Tpm. Mas, para quem se interessar, meus textos anteriores estão no Medidéias, meu blog antigo.)

fechar