Seu corpo, suas regras

por Redação

Quando o nude empodera e quando o nude objetiifica? O nude significa a mesma coisa para mulheres e homens? Um debate sem amarras sobre a polêmica do manda nudes e sobre sexualidade, corpo feminino, liberdade - e crime

Com onipresentes celulares e redes sociais, cada vez mais nos acostumamos com a ideia de exposição. Os limites da intimidade parecem ter se deslocado. O corpo nu, talvez a última fronteira do privado, invadiu a paquera sendo exposto muitas vezes antes do primeiro encontro. Gostem ou não, se incomodem ou não, o nu está na roda, criando uma nova cultura. Uma pesquisa realizada em 2012 pelo instituto eCGlobal Consulting em parceria com a organização Telas Amigas entrevistou cerca de 2 mil pessoas com mais de 18 anos nas principais capitais do Brasil e constatou que 66% delas possuíam fotos pessoais que insinuavam sexo. Entre os pesquisados, 39% já haviam enviado conteúdo sexual próprio ou de outras pessoas pela internet e 63% já o haviam recebido.

"A comunicação virtual e o cenário da internet confundem o que é íntimo e o que é público", acredita a psicanalista Marielle Kellermann Barbosa. "A sexualidade vai ser modificada de uma maneira que a gente ainda não sabe muito bem qual é. Pode existir um movimento das pessoas se aceitarem melhor, se sentirem admiradas, desejadas. E de coexistirem outros padrões de beleza que não só aquele mostrado pela moda, pela publicidade - e isso é libertador." 

A performer Lídia Orphão, que se fotografa nua e espalha as fotos sem restrições, é exemplo deste nu "fora de padrões". Lídia tem os cabelos raspados e o corpo opulento. Ela gosta de se mostrar. E já teve problemas com familiares e amigos: "se alguém se ofende, já aviso para não me seguir", conta. Para antropóloga Mirian Goldenberg, na nossa cultura o nu não é livre como em outros países. Aqui há sempre sexualização e censura. “Isso faz com que a nudez, principalmente da mulher, não transmita liberdade, mas exibicionismo e objetificação. Quando ficar nu é uma transgressão, não há liberdade de fato. Vai demorar muito tempo pro corpo da mulher brasileira ser realmente livre. Talvez isso aconteça no dia em que uma mulher de seus 70 anos puder andar nua numa praia sem ser julgada”, diz.

Viviane Duarte, jornalista e fundadora do Plano Feminino, plataforma de conteúdo e pesquisa sobre as mulheres, não enxerga nada de positivo em nudes: "Mandar nudes não está associado a empoderamento e sim à objetificação do corpo feminino. Não somos só peito e bunda e não nos sentimos representadas por isso", diz. Para a escritora Daniela Lima, nem todo nu tem o mesmo significado: "O nu de um homem não tem a mesma carga simbólica do nu de uma mulher. Um nu pode ser um ato político, representar uma ruptura com os padrões, ser símbolo de resistência", acredita. "Mas, também, pode apenas seguir a lógica da objetificação e mercantilização de corpos femininos. Justamente por ser um tema tão complexo e delicado, merecia um debate mais profundo nas postagens da revista”, diz, referindo-se aos posts #mandanude de Trip e Tpm, que pediam aos leitores maiores de 18 anos seus nudes para uma reportagem da edição sobre Sexo e Tecnologia. 

Para a pesquisadora da USP e ativista Djamila Ribeiro, mandar fotos para uma publicação tira a força do poder que mandar seus nudes pode ter. "Ao ser apropriado por uma revista, (o sentido de mandar nudes) pode esvaziar-se e perder o significado empoderador. Banaliza-se uma proposta a priori interessante, porque há outros interesses envolvidos já que estamos falando de uma empresa", afirma se referindo ao fato de que as fotos farão parte de um produto vendido em banca.

"Mandar nude é uma coisa natural, facilitada pela tecnologia", diz Daniele Rodrigues, pesquisadora de mídias digitais da USP. Se antes você precisava fazer a foto e imprimir - e esse momento de impressão era constrangedor -, hoje, você compartilha com quem quiser instantaneamente. Segundo ela, há uma mudança cultural e comportamental em andamento, de derrubada de tabu. "Se você conversa com pessoas de 50 anos, um beijo gay ainda é o fim do mundo. Mas um adolescente acha normal. O nude entra na mesma perspectiva", completa. Para ela, isso é positivo. "É um cerceamento a menos. Aquilo com o que você lida com naturalidade consegue te fazer mais feliz." 

Privacidade é inegociável

Ao enviar seus nudes, algumas mulheres passam de protagonistas de imagens picantes a vítimas de um crime, como investigamos na reportagem Mais uma que caiu na net publicada na Tpm em dezembro de 2013. Uma pesquisa da organização britânica Internet Watch Foundation analisou cerca de 12 mil fotografias com conteúdo sexual amador na web. Concluiu que 88% dessas imagens, geralmente produzidas em casa, acabaram sendo hospedadas em sites fora do computador de origem, não necessariamente com autorização das fotografadas. Neste ponto, o debate não é mais sobre o corpo nu e seus significados, o impacto da tecnologia no comportamento e na sexualidade, ou a queda de tabus: aqui, estamos falando de um crime. E o direito à privacidade é inegociável. 

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