Ser mulher é coisa pra macho!

por Lygia da Veiga Pereira

Como separar os efeitos da cultura dos efeitos biológicos?

Semana passada, um cientista Nobel de Medicina declarou: "Deixe-me dizer-lhe sobre o meu problema com as meninas. Três coisas acontecem quando elas estão no laboratório: você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você, e quando você as critica, elas choram".  E, depois disso, teve que se demitir da prestigiosa University College London (antes que fosse demitido).

Minha primeira referência ao grande desafio de ser mulher veio aos dez anos. Meu irmão mais velho vivia me chamando de gorda, apesar dele mesmo na época ser bem redondo. Quando um dia respondi que ele também era gordo, com um sorriso sádico ele declarou: "Só que homem pode!". Sim, homem pode! Pode ser gordo, pode ser feio, pode ser velho, pode ser chato. Homem pode.  Assim, de nascença, só por ter um pinto, ele pode.

Já nós, mulheres, temos que conquistar e defender cada pequeno poder com unhas e dentes, ainda lutando por uma igualdade de gêneros de verdade.  Mas será que igualdade de gêneros existe? Em genética, não, afinal nós mulheres temos dois cromossomos X, e os homens têm um X e um Y. Quais são as implicações dessa diferença biológica fundamental, além das anatômicas óbvias?  Em média somos mais baixas, em média choramos mais (eu mesma chorei várias vezes quando criticada pelo meu orientador no Doutorado, um bruto!)… Existe até uma vasta literatura sobre essas diferenças entre homens e mulheres. Adoro o divertido "Por que homens fazem sexo e mulheres fazem amor?", da editora Sextante.

Mas essas diferenças entre gêneros incluem capacidade intelectual? Em 2005, o Presidente de Harvard levantou a possibilidade de mulheres serem biologicamente menos aptas a matemática e a ciência do que homens, o que explicaria o menor número de mulheres atuando nessas áreas. Ele também teve que pedir as contas… Porém, deixando fobias de descriminação sexual de lado, existe alguma base científica para essa declaração? Se somos biologicamente mais baixas, se temos menos força (e por isso homens e mulheres não se misturam em competições esportivas), seríamos biologicamente menos capazes de aprender matemática?

Difícil responder… Como separar os efeitos da cultura dos efeitos biológicos? Em 1992, foi lançada uma boneca Barbie falante – dentre as 270 frases da boneca, uma era "Aula de matemática é difícil!" (veja aqui). Dois meses e muitos protestos depois a frase foi deletada da boneca (mas mantiveram outras pérolas de estereótipos como "I love shopping!"). Ou seja, mesmo em países teoricamente igualitários, o bombardeio ideológico é constante, e muitas vezes subliminar.

É curioso: apesar de bárbaro com as mulheres, em alguns países islâmicos, pelo menos as regras são claras – mulheres não podem e pronto! No nosso mundo "civilizado", as regras politicamente incorretas e enterradas pela igualdade de gênero voltam à tona nos comentários e atitudes como os dos meus colegas acadêmicos e dos produtores da Barbie. Seriam esses episódios "atos falhos", reveladores de um grande desconforto dos homens (da sociedade como um todo) com a invasão feminina de seus territórios?

Meu rigor científico não me permite afirmar categoricamente que mulheres e homens têm a mesma capacidade de aprender e trabalhar em ciências exatas. Porém, "porque homem pode", "mulher é chorona", "mulher tem dificuldade com matemática", "ah, mas agora você vai ter filho…" (essa foi de uma colega mulher justificando eu não poder assumir um cargo de liderança – fogo amigo…) é a mais pura covardia. Me vem a imagem do domador chicoteando o leão: "Para trás, para trás!!". Por que tanto medo de nós?

 

*Lygia da Veiga Pereira trocou Ipanema pela Universidade de São Paulo. É professora Titular de Genética Humana e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP e referência nacional em pesquisas com células tronco. Escreve às quintas na Tpm e também nohttp://leiaasmeninas.com.br/

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