play

Deixa eu te contar

por Ricardo Calil
Tpm #157

Ela é a mulher brasileira com o maior número de assinantes no YouTube. Atualmente, são 5,5 milhões de pessoas ligadas nos vídeos da curitibana de 22 anos

Quando o sertanejo Cristiano Araújo morreu em um acidente de carro, em junho deste ano, provocou comoção em uma multidão de fãs e perplexidade em quem nunca tinha ouvido falar em seu nome. O jornal El País soube sintetizar esses dois sentimentos contraditórios no título de seu obituário: “O cantor que ninguém conhecia, exceto milhões de pessoas”. A manchete vale também para Kéfera Buchmann. Com uma diferença fundamental: você irá conhecê-la viva.

Afinal, who the fuck is Kéfera? Em uma pesquisa intimista, a pergunta foi feita a pessoas próximas a este repórter. Em casa, minha mãe, minha mulher, a faxineira e minhas filhas, menores de 10 anos, nunca tinham ouvido falar. O amigo produtor de TV e o cunhado, jornalista antenado, também não. Já meus sobrinhos sabiam tudo dela & amavam tudo nela & morreriam por ela se fosse necessário. “Posso ir à entrevista? Não? Pô! Então diz que eu adoro ela!”, pediu Gabriel, 12 anos. Já Rafaela, 13, reagiu assim quando lhe enviei pelo WhatsApp um vídeo com uma saudação exclusiva de Kéfera: “Mano! Mano! Mano! Brigadaaaaaa! Tô tremendo!”. 

Mas, de novo, who the fuck is Kéfera? Quando se registra em hotel, a curitibana de 22 anos escreve: “Atriz”. Quando eu faço a pergunta, ela responde: “Atriz e youtuber. Eu quero marcar o fato de que produzo meu próprio conteúdo”. Mas Kéfera não é uma youtuber qualquer. Ela é a mulher brasileira, e a pessoa física, com maior número de assinantes em seu canal, 5incominutos. Em meados de agosto eram exatos 5,5 milhões. À sua frente, estão apenas Porta dos Fundos (10,4 milhões), Parafernalha (7 milhões) e Galo Frito (6,9 milhões) – todos canais de humor tocados por grupos de homens.

Uma pesquisa da revista Variety feita em agosto mostrou que fenômenos como Kéfera estão, literalmente, dominando o mundo – pelo menos esse regido por celebridades. Entre os adolescentes americanos, personalidades do YouTube já são mais influentes que as do cinema e da música. Entre 20 listados, dez são famosos por causa de sites de vídeos, incluindo os cinco primeiros. Os duos de comédia Smosh e The Fine Bros encabeçam a lista e estão à frente de nomes como Jannifer Lawrence e Leonardo DiCaprio.

“Kéfera faz parte de uma segunda geração de youtubers no Brasil muito mais profissional que a primeira e que foi impulsionada pelo Google AdSense, a divisão dos ganhos com publicidade entre o YouTube e o autor dos vídeos”, explica Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e do Creative Commons no Brasil e colunista da Trip. “É uma turma que não precisou passar pela TV ou pelos jornais para ser popular e ganhar dinheiro. Agora as coisas se inverteram: é a TV que precisa dela, uma concorrente de peso na audiência e que sabe falar com os jovens, um público que as emissoras estão perdendo”, analisa Ronaldo.

Os 200 vídeos do 5incominutos estão perto dos 450 milhões de visualizações, média de mais de 2 milhões por episódio, público para TV fechada e alguns canais abertos não botarem defeito. Manuela Villela, gerente de Parcerias de Conteúdo do YouTube no Brasil, conta que Kéfera faz parte de um reduzido grupo: “Ela é um diamante, um ícone do YouTube que extrapolou as barreiras da nossa plataforma”, diz. Ela também explica porque as marcas estão de olho na atriz. “Para o mercado publicitário, Kéfera é uma força econômica maior do que as celebridades tradicionais, porque ela não é um personagem, é muito mais próxima dos fãs. Não anuncia um produto que não tenha a ver com sua realidade porque o público conhece seus gostos. No YouTube, não existe mais essa história de Xuxa anunciando Monange”, afirma.

Vlogs e vuvuzelas
Tudo começou em 2010, ano da longínqua Copa do Mundo da África do Sul, quando Kéfera decidiu fazer um vlog reclamando da vuvuzela do vizinho. Ela era, então, uma atriz iniciante de Curitiba com 17 anos, que tinha problemas de autoestima. Queria chamar a atenção para seus dotes teatrais e ter mais chances na carreira. Como a duração do primeiro vídeo ficou perto de 5 minutos, o canal assim foi batizado. Em questão de dias, ela tinha mais de 10 mil visualizações (algo que hoje ela consegue em segundos).

Os vídeos do 5incominutos giram em torno do cotidiano de Kéfera, foi assim que sua mãe se tornou uma coadjuvante de sucesso. Chamam a atenção pela quantidade de palavrões; ela usa “cu”, “rola” e “foda-se” praticamente como vírgulas. Os assuntos vão desde questões como depilar ou não a “pepeca”, como ela diz, dar ou não para um amigo, comer ou não um chocolate depois de uma decepção, fazer cocô na casa da amiga, disfarçar peidos no primeiro encontro e assim por diante. Kéfera diz que seu público se identifica com seu jeito “desbocado, desajeitado e desencanado”; por público, entenda-se uma faixa etária que vai dos 12 aos 25 anos, mas muito concentrada em garotas pré-adolescentes.

No começo do 5incominutos, muitos dos vlogs lidavam com a aceitação do próprio corpo, já que Kéfera sempre se considerou gordinha. Um ano atrás, depois de se mudar para São Paulo por conta da carreira, Kéfera decidiu adotar um estilo de vida saudável, começou a postar no Instagram selfies na academia exibindo o corpo mais magro e imagens de suco verde no dia do detox. Uma parte considerável de seu público se sentiu traída e a acusou de ter se tornado justamente aquilo que criticava: uma rata de academia.

“As pessoas não entenderam que eu estava com sérios problemas no estômago. Eu comia hambúrguer todo dia. Quase tive uma úlcera. Não foi por estética, foi por saúde”, afirma. Mas por que ostentar a mudança no Instagram? “Porque eu quero mostrar que, com força de vontade, é possível mudar. Mas acho que muitas críticas são por inveja mesmo.” Na dúvida, ela parou de postar fotos de academia no seu Instagram original, com 2,8 milhões de seguidores, e abriu uma conta para sua faceta fitness. Em 10 dias somou 300 mil seguidores.

“Essa tensão entre liberdade e conservadorismo sempre deu certo no entretenimento brasileiro. De um lado, falar palavrão e dizer para se aceitar. Do outro, querer ficar atraente e exibir o namorado”, diz Ronaldo Lemos. “É um pouco como a Xuxa, que fazia um programa infantil, mas cheio de sexualidade.”

Kéfera diz que se sente orgulhosa de ser a única garota na turma dos dez canais com mais assinantes do YouTube, mas que nem por isso se sente impelida a levantar bandeiras feministas. Na entrevista à Tpm, ela não fugiu de dar sua opinião sobre nenhuma questão: aborto: “A favor da descriminalização”; drogas: “No caso da maconha, também a favor da descriminalização”; depilação: “Prefiro raspar a minha, acho mais higiênico”; cirurgia plástica: “Coloquei silicone nos peitos, quem quiser que faça”; crise no Brasil: “Sou a favor do impeachment da Dilma”.

E por que Kéfera, é nome artístico? Não, foi dado pela mãe, dona Zeiva, tem origem egípcia e significa “o primeiro raio de sol da manhã”.

A partir do sucesso dos vlogs no YouTube, Kéfera decidiu abrir novas frentes de atuação. No 5incominutos, testou diferentes formatos, esquetes cômicos; o Kéfera Responde; a websérie Minha vida de atriz. No Facebook chegou a 4 milhões de seguidores. Abriu, neste ano, uma loja virtual onde vende camisetas e em breve oferecerá outros produtos. Mas ela também investiu nos meios não virtuais. A peça Deixa eu te contar, em que divide o palco com a comediante Bruna Louise, é um fenômeno que atrai multidões de adolescentes ensandecidos. O livro Muito mais que 5inco minutos, espécie de autobiografia precoce, seria lançado na Bienal do Livro do Rio de Janeiro no dia 8 de setembro com expectativa de longas filas, muitas vendas e 20 seguranças contratados para conter tumultos. No ano que vem, estará nos cinemas com o longa O amor de Catarina e a caixa de sapatos, de Gil Baroni. Ela também já fez rádio (Jovem Pan de Curitiba) e TV (Mix e MTV), mas diz que seguir um roteiro como apresentadora não é seu barato. Kéfera gostaria de fazer novelas para exercitar seu lado de atriz, desde que não atrapalhe seu canal no YouTube.

Kéfera é um diamante, um ícone do YouTube que extrapolou as barreiras da nossa plataforma [MV]

Com tantos negócios, Kéfera é uma marca que vale milhões. Daniela Barreto, sua assessora, não abre números, mas diz que o faturamento mensal está na casa dos seis dígitos – ou seja, das centenas de milhares de reais – e que o plano para o futuro não muito distante é chegar aos sete. Hoje, a maior parte dos rendimentos ainda vem do YouTube – seja via AdSense, seja pelos merchans para marcas como rede Carrefour e celular Asus. Ainda assim, a estrutura do canal continua caseira, envolvendo apenas cinco ou seis pessoas, incluindo o editor Ricardinho (que também ficou famoso nos vídeos) e dona Zeiva (publicitária que trabalhou no grupo RBS e cuida do financeiro). Kéfera ainda faz a maquiagem e a câmera em muitos vídeos.

Sua estratégia de carreira prevê a ampliação do público de forma que no futuro próximo ninguém mais precise perguntar Who the fuck is Kéfera?. “As pessoas que só veem novela ainda não me conhecem. Mas as que fazem novela, sim. E elas já estão falando do meu nome nas redes sociais. Mais cedo ou mais tarde vou alcançar esse outro público”, garante Kéfera.

Como as estrelas da televisão, youtubers também namoram entre si. Há três meses Kéfera colocou no ar um vídeo para contar que foi pedida em namoro por Gustavo Stockler, 26 anos, do canal Nomegusta (1,8 milhão de assinantes). Gusta diz que Kéfera tem um diferencial em relação a outros youtubers: “Ela é atriz. Consegue capturar a atenção das pessoas não só com o conteúdo, mas também com a interpretação, o ritmo, o dinamismo dos vídeos”.

Saudosa Dercy
No saguão do teatro Gazeta, na avenida Paulista, centenas de adolescentes com suas mães aguardam, com celulares na mão e euforia beatlemaníaca, a chegada de Kéfera para Deixa eu te contar. Entre eles, está Lohaine Mickelly, de 12 anos, sua mãe, Laila, e sua avó Delazir, para ver a peça pela terceira vez. A dentista Laila acredita que o conteúdo da peça – com inúmeras piadas sobre cu, rola e “pepeca” que nos fazem lembrar de Dercy Gonçalves com nostalgia – não é muito adequado para a idade da filha. Lohaine confessa que não entende muitas das piadas, mas diz que essa é a melhor chance de ver seu maior ídolo de perto. O que Lohaine quer ser quando crescer? “Quero ser youtuber.”

Confira a matéria completa sobre Kéfera na edição #157 da revista Tpm.

fechar