Por um Dia das Mulheres sem a palavra encalhada

por Nina Lemos
Tpm #140

Saiba a razão de o Dia da Mulher não ser exatamente a data mais legal para nós

Não gostamos de ganhar flores em restaurante por quilo. E, se reclamamos disso, ainda somos chamadas de loucas. Saiba a razão de o Dia da Mulher não ser exatamente a data mais legal para nós. Bem que poderia ser

“Uma mulher bonita, uma grande amiga, uma mãe maravilhosa, uma pessoa especial... Vocês são únicas! Sinto orgulho de ter você na minha vida. Feliz Dia da Mulher.” Ou: “Ser mulher é ser princesa aos 20, rainha aos 30, imperatriz aos 40 e especial a vida toda”. Essas são algumas das frases que encontramos como modelos a serem publicados no Dia da Mulher e dedicados para a gente. Outras, claro, são mais óbvias, como o tal “Todo dia é dia da mulher”, o que, todo mundo sabe, é mentira. Todo dia é dia da mulher só se for pra fazer mil coisas ao mesmo tempo, ganhar menos e ser xingada na rua. Por isso, todos os anos repetimos a mesma coisa. A maioria de nós:

• Não gosta de ganhar flor no quilo perto da firma (o que vamos fazer com a flor? E dar de cara com grupinhos de mulheres andando com flor na mão?). Não queremos.

• Não aprecia lembrancinhas cor-de-rosa (muitas de nós, acreditem, não gostam de usar rosa) e acha que florzinha rosa com cartão é um bom presente só para meninas de 7 anos. E elas podem não gostar.

Todo Dia da Mulher, esta redação fica meio irritada, porque o que realmente queríamos – e esta revista vem repetindo isso há 13 anos – é:

• A legalização do aborto;

• Um dia sem notícias terríveis de casos de violência contra a mulher;

• O direito de ter um corpo saudável, mas de não ter que ficar presa a padrões de beleza bizarros;

• Só ser mãe se quiser;

• E, se quiser ser mãe, ter direito a uma creche pública para deixar o filho e não se sentir culpada por estar trabalhando;

• Não ser uma mulher-polvo (aquela que equilibra família, marido, carreira e não tem tempo para nada nesta vida);

• Não ter que ser “a executiva bem-sucedida”, a “mãe perfeita mal-arrumada” e qualquer outro estereótipo desses que não servem para nada, só para deixar a gente se achando um lixo;

• Não ser chamada de louca, ou de encalhada, ou de mal comida, ou de puta, ou de “pessoa que ficou com o chefe para subir na vida”.

Tudo o que queremos para ficarmos mais felizes é passar um dia sem ouvir essas ofensas. Queremos um dia sem ter que nada, sabe? Vai ser difícil que isso aconteça neste Dia da Mulher de 2014, mas fica
aqui o nosso apelo. De que serve ganhar uma flor no restaurante e um sachê na firma e andar na rua e ouvir: “bunda gostosaaa” ou “barangaaa” ou “baleiaaaa”. E se a gente atirar a flor em quem nos xingou,
ainda vamos ser chamadas de loucas! Leia aqui o que mulheres fodonas, amigas desta revista, juntas pelas coisas sérias e contra as flores, querem para este 8 de Março.

“Já que foi inventado, que sirva para alguma coisa: proclamo 8 de Março o dia do aborto livre. Revoguem-se todas as disposições em contrário.”
Pinky Wainer, artista plástica

“Quero uma data de conscientização, em que haja palestras, bate-papos, oficinas e também protestos, porque é uma data de luta. O 8 de Março já vem sendo realizado dessa forma em vários lugares. Pena que para a população em geral a data está associada a ganhar uma rosa junto com o indefectível (e inútil) ‘parabéns por ser mulher!’.”
Lola Aronovich, professora universitária e autora do blog Escreva Lola Escreva

“Meu sonho seria andar na rua sem ver a maioria dos homens quebrando o pescoço, batendo o carro ou caindo da bicicleta para olhar as mulheres que passam, ou dando suas opiniões, suas notas, falando merda e agindo como se nunca tivessem visto uma mulher na vida, como se a rua não fosse um lugar para elas saírem, assim, simplesmente andando.”
Karina Buhr, cantora e compositora

“Uma data que não precisasse mais ser Dia da Mulher, porque tudo já se estabilizou e os seres humanos são vistos entre si como iguais, sendo que um tem um buraco e o outro, um troço pendurado, sendo que a alma que habita o corpo tem diferentes balanços entre energia masculina e feminina, independente do
corpo que habita. Portanto, nunca mais ouvir: ‘Isso é coisa de mulher’, ‘Isso é coisa de homem’, ‘Isso é coisa de boiola’, ‘Isso é coisa de sapatão’. Pelo fim dos apelidos pejorativos!”
Cibelle Cavalli, cantora e compositora

“Um 8 de Março digno seria não precisar haver mais uma data ‘nossa’ como ‘minoria’, sinal de que conquistamos a igualdade plena. Mesmo porque tiraram todo o significado do 8 de Março, que originalmente era um dia importante para a luta das mulheres. Virou uma data coxinha, onde homens entregam flores, dão parabéns e até xavecam... Tô fora.”
Cynara Menezes, jornalista e autora do blog Socialista morena

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