Imagina andar de bicicleta em um lugar onde os carros param para a gente passar mesmo quando não tem sinal? Imagina andar de bicicleta com certeza de que NUNCA você vai encontrar um carro parado na ciclovia? Pois é.
Sim, eu virei biker. Eu virei tão biker que eu quase choro de emoção quando vejo as fotos das ciclovias de São Paulo e me pego falando: “nossa, que lindo!” Ainda sou tímida e nunca saí do meu bairro (mas o meu bairro é grande, calma). Mas quando tenho que fazer alguma coisa chata, ir ao banco, ir ao supermercado, eu penso: “ah, que delicia, vou de bike.” Outro dia vi um vídeo da ciclovia de SP e das pessoas reclamando e quase chorei. De raiva. Então, abaixo, algumas das coisas que fazem as ciclovias de Berlim serem um lugar do caralho. Um lugar onde eu me sindo parte da cidade e onde me sinto uma pessoa (isso não acontece sempre comigo):
1-Os carros param no sinal (e mesmo quando não tem sinal)
Isso é um choque muito grande para uma brasileira. Várias vezes, como pedestre, já fui xingada por motoristas de carros. Motivo: eu não atravessava a rua e esperava que eles passassem! Sim. Algumas ruas não têm sinal, mas têm preferência para pedestre e ciclistas. E eu ficava ali, parada, esperando o carro, esse ser que sempre mandou na minha vida, passar. O motorista apressado me via e fazia um gesto do estilo: “passa logo, porra!”. Isso ainda acontece e eu tenho vontade de dizer: “desculpa, eu vivia em São Paulo, eu tinha medo de ser atacada por carros.” Com a bike, passo de boas. Dou uma olhadinha para ver se vem outra bike. Se vem vindo um carro e a preferência é minha, eu simplesmente passo! E eles param! Isso é um choque e tanto.
Em seu livro sobre Berlim, João Ubaldo Ribeiro conta a seginte piada. “Você está atravessando a rua em Berlim. Você sai corrrendo com medo de um carro. O seu amigo alemão diz: calma, o carro já te viu. No Brasil, você está atravessando a rua e grita para o seu amigo alemão: corre, o carro já te viu!!!”
Quanto tem sinal e você está de bike é assim: o verde é o verde e você pode atravessar sem medo!! É a SUA hora de passar. É a SUA hora de atravessar. Olha só, você também é gente! Se sentir gente no meio de uma rua é uma sensação muito boa.
2- As pessoas não andam a pé nas ciclovias
E isso é um conselho e um aviso sério para quem pensa em vir a Berlim nas férias. Tomem cuidado com a ciclovia. Mesmo. É perigoso. Você pode ser atropelado. Eu já quase fui várias vezes. Mas por que você pode ser atropelado? Ué, porque a ciclovia é como uma rua. Se você atravessa no meio da rua com o sinal aberto você pode ser atropelado, claro. Evidente: só descobri isso quando passei a usar a ciclovia como ciclista, não como pedestre. Em Berlim, bicicleta também é gente.
3-Não existe possibilidade de alguém estacionar na ciclovia.
Nunca. Em hipótese alguma. Se algum carro ou caminhão parar em uma ciclovia em Berlim, acho que ele vai ser destruído rapidamente. Sim, vão tacar pedra, fogo. Não estou sugerindo que as pessoas de São Paulo façam isso. Só estou falando como é. E não, nunca soube de um caso de um carro ter sido queimado por estacionar em uma ciclovia. Mas isso porque nunca soube de um caso de um carro ter estacionado em uma ciclovia.
4-Existe muito ciclista insuportável
Assim como existem motoristas insuportáveis e pedestres insuportáveis, existem os ciclistas playboys agressivos. Os mais insuportáveis em Berlim costumam ser os de bikes caras e modernas, meia idade, usando capacete. Não, não é obrigatório usar capacete em Berlim. Esses caras do capacete costumam ser coxinhas nas suas bikes caras, muito parecidos com os motoristas de carros muito caros no Brasil. Eles correm muito e xingam os lerdos. Melhor estratégia: andar perto da calçada, que é a área reservada para os lerdos e medrosos, como eu.
Mas se um desses te xingar, xingue de volta. A ciclovia é muito democrática. Tem mães puxando aqueles carrinhos que carregam crianças. Muitas senhoras de cabelos brancos. Patricinhas. Punks. E até lerdas desajeitadas como eu, isso porque a rua também é dos lerdos. A rua. A rua é noiz!