Pequenas utopias

por Fernando Luna
Tpm #157

Como todas as grandes utopias fracassaram, vou me dedicar às pequenas

Todo poder aos operários que estão reformando há dois meses o apartamento do andar de cima, para que terminem logo essa obra, de preferência agora, ou pelo menos superem a fase das marretadas. 

Hay que endurecer com o flautista que há um ano toca diariamente, durante horas, a mesmíssima melodia embaixo da minha janela, para que ele aprenda outra música, qualquer outra música, sin perder la ternura jamás

A mão invisível não recolhe o cocô que seu cachorro fez na calçada, então trate de limpar a lambança. Não pergunte o que sua rua pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pela sua rua.

Facebook é o ópio do povo, use sem afobação: uma opinião é uma opinião é uma opinião (e só). 

Não passarão os taxistas a favor do Maluf e contra o Uber. Nem cidadãos a favor do Uber sem regulamentação e sem assumir as devidas responsabilidades trabalhistas. 

Seja realista, exija o impossível: evite a buzina exceto em caso de necessidade real, o que não inclui a demora de meio nanossegundo para acelerar quando o sinal fica verde.

Ciclistas unidos jamais serão vencidos, mesmo se aqui ou acolá uma mula ao volante de alguns cavalos de força berrar “Aqui não é Amsterdã!”. Se fosse, ele não gritaria com o ciclista. 

Amar o próximo da fila como a ti mesmo, ainda que ele coloque suas compras l-e-n-t-a-m-e-n-t-e no balcão do caixa e erre ao menos duas vezes a senha do cartão até, finalmente, decidir pagar com dinheiro mesmo sem ter trocado, o que faz com que alguém saia pelo mercado em busca de troco.

Comerciantes de todo o mundo, uni-vos para não imprimir a segunda via na maquininha do cartão quando o cliente diz não precisar dela. Quantas árvores em vão tombaram para ouvir um “pode jogar fora a minha via”. 

Sou o indignado com o aquecimento dos oceanos que sempre esquece de passar na lojinha para comprar um redutor de pressão de água para torneiras: mea culpa, mea maxima culpa.

Liberdade para ver a Lua nascer mais vezes. Igualdade: também ver o Sol nascer mais vezes. Fraternidade entre os batedores de panelas e os que preferem escutar a Dilma. 

Occupy avenida Paulista e avenidas do Brasil sem brigar com quem teve a mesma ideia, mas apareceu com uma bandeira de cor diferente da sua. As ruas são do povo, pelo povo, para o povo: por mais espaço de pedestres aos domingos. 

Enfim, saio do editorial para entrar nas histórias da revista: na página 56, a volta renovada das grandes utopias com as 17 metas da ONU para salvar você, eu e mais 7 bilhões de pessoas.

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