Se você é o que come, provavelmente você sofre de personalidade múltipla
Afinal, sua dieta – ou melhor, aquilo que a ciência considera sua dieta ideal – mudou e continua mudando desde quando passamos a dar uma atenção quase obsessiva aos efeitos da alimentação na saúde. Nem faz tanto tempo assim.
A principal preocupação da humanidade à mesa era simplesmente ter alguma coisa para comer. Qualquer coisa. Javali. Frutas silvestres. Marshmallow. Javali com frutas silvestres e marshmallow. Valia tudo que espantasse a fome por algumas horas.
Até que em 1980 o governo norte-americano divulgou pela primeira vez suas “Recomendações de Dieta” – as Dietary Guidelines, que desde então funcionam mais ou menos como as Tábuas da Lei, com direito a atualizações a cada cinco anos.
Essas revisões periódicas servem para lembrar que a medicina não é uma ciência exata. Ainda mais quando se debruça sobre um campo tão vasto e impreciso: uma vida saudável envolve nutrientes, certo, mas também as particularidades do estilo de vida e do metabolismo de cada pessoa.
Por conta disso, cientistas como Christopher Gardner propõem uma nova maneira de destrinchar o problema. “Por décadas temos feito a pergunta errada”, defende o pesquisador da Universidade de Stanford. “Não é ‘Qual a melhor dieta?’, e sim ‘Qual a melhor dieta para cada indivíduo?’.”
Como chegar à resposta certa? Como saber se é mais eficiente cortar carboidratos ou evitar gorduras?
O maior desafio dos estudos sobre nutrição humana não é propriamente a nutrição. É a parte humana.
Ratinhos brancos de laboratório jamais esquecem de seguir a dieta que está sendo testada e nem mentem sobre o que realmente comeram ontem. Ratinhos brancos de laboratório têm a genética uniformizada por cruzamentos controlados, evitando variáveis que teriam impacto nas conclusões. Ratinhos brancos de laboratório têm o mesmo lifestyle, moram no mesmo labirinto e treinam corrida na mesma roda.
Humanos são mais imprevisíveis, o que fatalmente embaralha os resultados das pesquisas. Taí o ovo, que não me deixa mentir: era considerado ótimo pelos nossos avós, virou algo terrível por algumas décadas e recentemente foi reabilitado pelos médicos.
Com todas essas limitações, a insistência em descobrir uma dieta universal, um Santo Graal do rango, costuma funcionar pelo avesso. Mais do que dizer o que precisamos comer, destaca o que devemos evitar.
Assim, as embalagens de comida (e daquelas coisas irresistíveis e muito parecidas com comida) estão mais preocupadas em gritar o que não têm do que em informar com clareza aquilo que efetivamente está lá dentro. Não contém glúten, não contém gordura trans, não contém sódio, não contém lactose. E, naturalmente, não contém açúcar – esse pó branco incrivelmente viciante, tema desta edição.