A colunista Mara Gabrilli seleciona alguma coisas boas que aconteceram durante o último mês
<!-- @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } -->
Você já fez um fechamento reflexivo do seu dia, resgatando o que aconteceu de melhor nas últimas 24 horas? Exercitei isso diariamente desde a última coluna e percebi aspectos interessantes sobre a minha vida. Algumas vezes não consegui eleger nenhum acontecimento como o melhor do dia. Talvez porque tudo fosse bom ou porque tudo fosse igual ao dia anterior... Quem sabe eu tenha esquecido de sentir, já que vivo com pressa.
Refletir sobre os bons momentos foi como me dar o presente da felicidade ou do prazer que vem da memória! Porque resgatar o gostoso é reviver o gostoso. Agora, divido meus melhores momentos do último mês com vocês...
– O ponto alto aconteceu num dia em que acordei muito triste. Ao checar minha caixa postal, descobri que tinha uma mensagem do meu namorado dizendo que não queria romper o relacionamento, pois me amava muito e que, quando ficava distante de mim, sofria de saudades, ficava louco e destrutivo.
– Outro momento bom: depois de muitos dias de frio, saí num jardim e senti o calor do sol aquecer minha pele sob muitas blusas de lã. Tentei durante dias falar com uma pessoa para resolver uma pendência de trabalho e, nesse dia, resolvi.
– Falei com uma pessoa querida, a Dani foi me visitar, o Gil também.
– Tinha que preparar um material trabalhoso, mas, quando cheguei ao Projeto Próximo Passo, organização em que trabalho, meus colegas já haviam aprontado tudo.
– Andei com o Parastep (eletroestimulador para pessoas paralisadas caminharem) e nem fiquei ofegante como nos outros dias, foi fácil.
– Sentei no colo do Alfredo e demos um longo e delicioso beijo de língua.
– Achei um filme na TV que foi bom assistir. Era de sacanagem.
– Passei meu óleo novo de aura-soma.
– Se demoro para pensar o que foi bom, encontro poucas lembranças.
– O melhor de um dia pode ser o que foi ruim no outro ou vice-versa. Como a alegria de conhecer alguém que, depois, vai nos fazer sofrer.
– Um dia descobri que o melhor do dia pode até ter sido o mais triste. Alaguei-me numa compulsividade de lágrimas. Quanto mais eu chorava, mais eu chorava. Fui ficando cada vez mais aberta à mágica transformadora do choro. Tudo o que saía da minha boca naquele momento vinha do fundo, dos lados, do raso e de enxurrada! Foi uma catarse, um orgasmo sentimental, uma licença da natureza, que fez da dor da alma o melhor daquele dia!
– Às vezes acontece com dor física. O melhor do dia pode ser o fim de um desconforto, ainda que, para acabar com ele, a gente sinta dor. Como a depilação e o alívio de me ver sem pêlos.
– O melhor é o que fica, ainda que deixe marcas. Mas isso depende de como lemos a vida.
– O mais incrível é que, muitas vezes, o melhor pode ter sido um despretensioso cafezinho, apagado da memória no último gole.
– Num dia em que me aventurei a indagar aos outros sobre o melhor daquele dia, alcancei vários flashes de delícias da vida alheia, proporcionados pela “ouvirtude’’. Exemplos? Soube que os familiares estão bem de saúde. Falei com alguém. Falei com Deus. Entrei no banho. Grudei meu corpo no dela. Fui penetrada por ele. Ouvi aquela música. Levantei da cadeira. Comi torta de frutas vermelhas. Comprei um sapato novo. Ganhei no jogo de tranca. Fiz pipoca. Senti o perfume. Tomei consciência e consegui mudar de atitude. Dormi...
Bom, chega dessa história de melhor do dia, pois pode ficar enjoativo. Daqui a pouco, você esquece de viver seu dia-a-dia, e o melhor do dia termina ficando para o próximo dia, transformando a vida num rotineiro “adia-adia’’.
Muitas vezes, o melhor pode ter sido um despretensioso cafezinho, apagado da memória no último gole.
* Mara Gabrilli, 36 anos, é publicitária e psicóloga. Dirige a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), ligada à qualidade de vida do deficiente físico – ela é tetraplégica e foi TRIP Girl na TRIP #82. Seu e-mail: maragab@uol.com.br