Não sei se ela tem síndrome alguma e, honestamente, não importa.
Ok. Esqueçam a biologia. Esqueçam a bagunça da mitose e da meiose. Imagino que o cursinho/colegial já tenha ficado no passado (assim como falar "colegial"). Vou tentar explicar de um jeito bem simples:
Assim como no início de A Hora da Estrela, a vida começa quando uma célula diz "sim" à outra. O óvulo diz sim para o espermatozóide e ocorre a união dos 23 cromossomos de cada um deles, pareando-se e formando a primeira célula de um ser humano. Desde então, ocorre uma sucessão exponencial de SIMs de uma célula para dar origem à outra... formam-se duas, quatro, oito, dezesseis células... E assim por diante. Daí, tudo começa a ficar um pouco mais complexo. Chega a hora de se diferenciar. Aquilo que era só um sim, incorpora um gigantesco jogo de telefone-sem-fio, em que a mensagem é ditada pelo código genético: cada célula diz o que ativar e o que desativar de forma a dar origem às outras que vão constituir os diferentes órgãos e sistemas do corpo humano. Um processo que se repete até chegar nos 100 trilhões de células, de diferentes tipos, que formam, em média, uma pessoa. E que garante que continuemos vivos.
Quem ainda lembra que foi criança e brincou de telefone-sem-fio sabe que erros ocorrem e naturalmente a mensagem acaba chegando com, pelo menos, alguma alteração ao fim da brincadeira. Algo análogo ao que ocorre com tarefas delegadas a muita gente ou trocas muito longas de emails corporativos. Afinal, se a gente consegue fazer besteira em um dia corrido no emprego, imagine um organismo composto de 100 trilhões de células. E isso é normal. Erros são esperados. São as consequências deles no organismo que variam para os dois extremos: do mesmo jeito que eles podem resultar em uma pinta/manchinha feia ou num nariz "forte" para os padrões estéticos, também podem acarretar em alguma alteração incompatível com a vida, como a anencefalia que foi alvo de uma exaustiva e nauseante discussão na semana passada. No caso da filha do Roberto Justus, um desses erros acarretou em uma alteração no desenvolvimento dos ossos do crânio.
Não sei se ela tem síndrome alguma e, honestamente, não importa. Ela é, sim, uma criança normal, com um desenvolvimento cognitivo e motor compatíveis com sua idade, como seu pai precisou atestar à imprensa ontem, numa tentativa de acabar com tanta especulação. Talvez ela só não seja comum, por conta de sua malformação crânio-facial. Malformação essa que tem correção, ao contrário da estupidez e falta de conhecimento/sensibilidade demonstradas pela mídia, que fomenta a discussão sobre a "normalidade" da filha do Justus, e por quem criou um perfil no Twitter para tirar sarro dela. E pelas quase 35 mil pessoas que, seja pelo motivo que for, seguem-no, acham graça e fazem a menina virar assunto, de rede social a mesa de bar. Infelizmente, pra isso ainda não tem remédio. Nem com pílula, nem com cirurgia.
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