Meu corpo pode tudo

Tpm

por Redação
Tpm #72

 
Depois da quebra da vértebra e do machucado nos feixes de nervos,meu corpo nunca mais foi acessório e se transformou em fundamento

Meu corpo é a minha área de contato com o mundo, foco de constrangimento e interesse de olhares. As pessoas se mostram curiosas pe­rante o meu funcionamento fora de padrão. Um estilo próprio que percorre o mundo sem limite de distância, com um organismo ousado de saúde.
Até antes de quebrar o pescoço, tinha um corpo au­sen­temente disponível. Cuidava bem, mas era um aces­só­rio funcional e vistoso. Um corpo que fazia de si pre­sen­ça prolongada quando doía ou quando excedia nas di­mensões do meu juízo. Depois da quebra da vértebra e do machucado nos feixes de nervos, ele então se trans­­formou num ente presentemente indisponível.Hoje, a indisponibilidade foi dando espaço à re­cons­trução interativa do movimento. Meu corpo se de­la­ta pra mim mesma, e confessa que, no modo funcio­na­mento, ele pode tudo. Nunca mais foi acessório e se trans­formou em fundamento do meu tempo.Portanto, me dedico comprometidamente a ele. Só tiro a atenção parcial dele para cuidar de outros corpos. É meu compromisso com a sociedade e a felicidade.
Você já ficou deitado na horizontal ou de cabeça para baixo, deixando o corpo entrar na mente? Faço isso todo dia, mas fiz hoje especialmente escrevendo este tex­to. Sinto facilitar o caminho dos nervos aferentes, que alimentam o cérebro de sensibilidade corporal. E ain­da irrigado dos vários fluidos desperta desejo em di­fe­rentes cadeias musculares, até então em repouso.
Se você for do tipo andante, basta levantar e sair andando. Eu, que sou do tipo cadeirante, preciso de preparo para andar. Começo três horas antes, com alongamento, imersão na água, preparo de eletrodos para eletroesti­mu­­lação e chegada ao local. Preciso de quatro pessoas pa­ra auxiliar na marcha. E, além de tudo isso, ainda te­nho custo. Eu pago pra andar, pago pra pedalar, pago até pra fazer xixi e cocô! Meu corpo ficou caro!

Gozo prolongado
Só que você levanta e sai andando. E, depois, nem lembra mais disso porque já entrou nas questões au­to­máticas integradas ao seu metabolismo. Para mim, an­dar 20 minutos fica impresso no imaginário do meu corpo, no tônus muscular, em to­do o sistema car­­­diorrespiratório e em tudo aquilo que faz aumentar o ar que eu respiro.Meu corpo gosta do calor da água quente, do sol, ado­ra o contato rápido, o contínuo, o delicado ou o fir­me. Ve­nera o toque de olhares e do vento, que me pro­porciona um sentir enigmático na pele. Sofre com a inér­­cia, com os atos bruscos e com o esquecimento.
As minhas formações receptoras talvez recebam quantidade diminuída de fluxo de energia elétrica vo­luntária, comparada ao padrão. Porém, devem ter qua­lidade genuína ao desempenhar a função de le­var a informação ao sistema nervoso central. Isso é per­ceptível na sensação do toque – que, em meu corpo, continua mesmo depois de interrompido o mo­mento de contato. A dor se expressa de forma pra­­zerosa. A única forma que suscita desconforto é aque­la que não consigo descobrir de onde vem. A dor é boa, mas o desconhecimento é angustiante. O go­­zo se mantém no platô por muito mais tempo. Eu ganhei um desafio delicioso de experienciar, e toda transformação que provoco no meu corpo e, por conseqüência, em mim todinha é a mesma que de­sejo para o mundo em que vivo.
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